Bernie Sanders avisa: se não apresentar “propostas radicais” para a “classe trabalhadora” Biden vai perder para um Trump “vingativo” in Jornal Expresso

“a realidade apoia Bernie Sanders”

Em 2016, Bernie Sanders reuniu um exército de jovens eletrizados com as suas promessas de maior igualdade social e tornou o “socialismo democrático” uma coisa aceitável para muitos num país com medo da esquerda. Foi ele quem convenceu Biden a colocar na agenda os pozinhos mais progressistas que acabaram por ficar como marca do primeiro mandato: mais investimento nas energias verdes e em infraestrutura pública. Sanders, com 82 anos, em entrevista ao “The Guardian”, deixa um novo aviso ao democrata para este ano de eleições: ou fala das soluções para quem está a perder poder de compra, ou perde para um Trump ainda mais sedento de poder.

Bernie Sanders é, sem necessidade de contraditório, o mais conhecido político progressista norte-americano vivo. Tentou duas vezes ganhar a nomeação democrata para a presidência, falhou por ser considerado pelo partido como demasiado à esquerda. Sempre foi o arauto das más notícias, algumas soavam mesmo apocalípticas, mas, como escreveu a revista “New Yorker” sobre o senador do estado do Vermont num perfil que publicou recentemente, “a realidade apoia Bernie Sanders”.

Milhares de hectares queimados na Califórnia e no Canadá, cheias que arrasaram vastas áreas do Paquistão e da Líbia, terramotos, desigualdade a crescer, duas guerras. Sanders tem razões para andar há anos a tentar meter medo no mundo. E numa recente entrevista ao diário britânico “The Guardian” aproveitou para meter também medo a Joe Biden, Presidente dos Estados Unidos que vai concorrer à reeleição, possivelmente contra Donald Trump de novo. As sondagens não mostram um caminho fácil para o democrata, e Sanders, um independente que concorre pelos democratas, acha que sabe porquê.

As primárias começam na segunda-feira, no estado do Iowa, e a última sondagem da Reuters/Ipsos, publicada há apenas três dias, mostra um empate direto: 35% dos inquiridos dizem que escolher Biden, os mesmos que pensam votar em Trump.

“Estamos perante uma série de crises. No clima não se sabe se a comunidade mundial conseguirá reduzir as emissões de carbono para proporcionar um planeta habitável aos nossos netos. Temos o crescimento da oligarquia, com um pequeno número de pessoas extremamente ricas que controla a vida económica e política de milhares de milhões de outras. E a democracia está gravemente ameaçada por aqueles que capitalizam nos medos das pessoas”, disse Saunders, que começou por ser carpinteiro e escritor em regime freelance antes de, aos 39 anos, vencer a primeira eleição, para presidente da câmara de Burlington, onde vive.

No livro que acabou de lançar. “É ok estar zangado com o Capitalismo”, numa tradução livre, escreve que é “para lá de patético” que Trump, um empresário do imobiliário enterrado em escândalos, seja visto como “o campeão das classes trabalhadoras”, porém parte da culpa repousa nos ombros condescendentes dos democratas, diz Sanders, que caricatura a oferta democrata ao eleitorado com a seguinte frase. “Somos muito maus, mas os republicanos são piores”. Para o veterano senador, isto está longe de ser suficiente para derrotar Trump.

Biden é seu amigo, é também uma pessoa “decente e cordial”, mas não está a saber posicionar-se para o que aí vem – e para o que já chegou: as imensas dificuldades económicas e de acesso à saúde e à habitação com as muitos norte-americanos lidam todos os dias.

“O desafio que enfrentamos é sermos capazes de mostrar às pessoas que o governo numa sociedade democrática pode responder às suas necessidades, mesmo as muito sérias. Se o fizermos, derrotamos Trump. Se não o fizermos, seremos a República de Weimar do início dos anos 30”, uma referência ao período que, na Alemanha, antecedeu a subida de Adolf Hitler ao poder e que ficou marcada pelas consequências devastadoras da Grande Depressão de 1929.

Trump não destruiu a democracia norte-americana e Sanders não acredita que o vá fazer, de forma óbvia e imediata através de ferramentas como a abolição de eleições, mas não usa subterfúgios para dizer que a democracia, caso Trump volte à Casa Branca, não será igual à que até aqui vigorou. “Uma segunda presidência de Trump será mais extrema. Ele é um homem amargo, passou por quatro acusações em tribunal, sente-se humilhado, vai descarregar nos seus inimigos”. Uma ideia que dois dos mais atentos observadores da presidência Trump já tinham partilhado com um Expresso, numa entrevista no verão de 2023.

Sanders disse ao “The Guardian” que está em contacto com a Casa Branca de Biden e que tenta exortar a sua equipa de conselheiros a apelar mais ao voto dos trabalhadores “normais”, prometendo mais apoios que possam melhorar visivelmente a vida das pessoas. “Ele tem de dizer, na minha opinião, que se for reeleito, dentro de dois meses vai realizar as mudanças radicais de que a classe trabalhadora deste país precisa desesperadamente”, defende Sanders. E quais são essas mudanças radicais? Nada que ele já não tenha apresentado ao mundo em 2016, quando uma onda gigantesca de jovens o seguia para todo o lado, garantindo-lhe mais de 13 milhões de votos em primárias.

O que Sanders quer é mais “socialismo democrático”, um chavão que continua a ser usado contra ele, mas que ele abraça sem problema. É preciso mais ajuda do Estado na educação, na habitação, na saúde. Simples, como a Noruega, escreve ele no livro, que é citado pelo “The Guardian” em várias partes da entrevista. “O Presidente tem de reconhecer as enormes crises que afetam a vida das pessoas. Não as pode enganar. Se ele nos disser todas as coisas fantásticas que fez por nós, nós vamos virar-nos e dizer: ‘ora bem, não posso pagar os cuidados de saúde, não posso mandar o meu filho para a universidade’. Os americanos estão a sentir-se ansiosos neste momento e temos de resolver isso”, insiste.

Não é que essa parte das “coisas fantásticas” seja uma mentira completa. Sanders reconhece o esforço de Biden para se mostrar solidário com trabalhadores em greve, visitado o piquete dos trabalhadores da indústria automóvel, uma estreia para um presidente em exercício, e elogia todo o investimento que a administração atual está a fazer na transformação energética, na oposição ao domínio das farmacêuticas e na dívida dos estudantes. Mas ainda há uma enorme oposição destas indústrias a medidas mais sociais que Biden não está, diz Sanders, a conseguir reduzir, o que deveria ser feito com medidas que limitasse o seu poder. Utopias num país que criou o mercado livre como o conhecemos? Sanders admite que sim, mas nem por isso deixa de considerar que é por aí que Biden deve ir se quer trazer para o lado democrata as pessoas zangadas com as desigualdades.

História de Ana França | Jornal Expresso

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