José Afonso. Uma faceta pouco conhecida, por Júlio Pereira

Por alturas desta foto os “media” já não davam grande importância à carreira de José Afonso. Os fins dos anos 70 apontavam de uma maneira evidente – nomeadamente através da Rádio – para uma proliferação da música pop que hoje ainda se mostra evidente numa expressão feia mas que todos percebemos: “mainstream”.

Convém relembrar que em 1978 o LP “Com as minhas tamanquinhas” foi considerado por um jornal como o pior disco do ano (!)

Só assim se entende que de 1979 até ao ano em que José Afonso não pôde mais cantar que no País poucos soubessem que durante esse tempo José Afonso tivesse sido o nosso verdadeiro embaixador cultural em vários sítios do mundo.

Nessa altura a música portuguesa mais conhecida no estrangeiro (estrangeiros de facto e portanto excluo as comunidades portuguesas) era o fado na voz de Amália Rodrigues. Pois foi José Afonso o primeiro a mostrar que em Portugal havia mais do que fado. O reportório que José Afonso levava para palco era diversificado; nas suas próprias versões de canções tradicionais mostrava a alegria do Minho, os ritmos de trás-os-montes, a interioridade do Alentejo (posteriormente com a voz de Janita Salomé) ou a beleza melódica e polifónica das Beiras. E, a talho de foice, convém referir que na sua grande sabedoria humana e musical ia mostrando nos países da Europa – o grande continente das ideias porém colonialista – que praticamente éramos os únicos que utilizávamos linguagem africana na nossa linguagem musical.

Sim, a música, a criatividade, o mérito e a coragem eram dele.

E mais podia acrescentar como homem. Bastaria lembrar que nas entrevistas que dava nos países onde se encontrava tinha sempre a preocupação de evocar os colegas: os músicos portugueses e a importância que tinham no nosso país: José Mário Branco, Fausto, Carlos Paredes, Vitorino, Sérgio Godinho, Adriano Correia de Oliveira, etc. Ou recordá-lo, em pleno programa de Televisão em Paris, a explicar aos Franceses que o governo francês andava a apoiar a África do Sul nos bombardeamentos a Moçambique.

Quer fosse pela música, quer pela alma, José Afonso não esquecia Moçambique. A África que lhe tocava…

Tive o privilégio, com Henrique Tabot, Guilherme Inês e posteriormente com Janita Salomé e Sérgio Mestre, de testemunhar fisicamente, com afecto e admiração, o trabalho que José Afonso desenvolveu fora de portas contribuindo para que milhares de pessoas de outros mundos soubessem que Portugal era um país rico musicalmente.

De louvar os amigos que fizerem com que José Afonso se encontrasse com outros músicos: Léo Ferré, Pete Seeger, Chico Buarque, Caetano Veloso, etc.

Hoje, todos somos amigos de José Afonso.

Talvez seja o meu lado optimista a falar… Pode ser que a música de José Afonso – pela sua intemporalidade – tenha permitido que só depois da sua morte muitos de nós conhecêssemos realmente a sua música.

O que contribui para não darmos muita importância a lágrimas de crocodilo.

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