Ideologia ou pragmatismo? | Major-General Carlos Branco, in Jornal Económico, 18/07/2022

Num artigo publicado em 2010, o antigo diplomata singapurense Kishore Mahbubani alertava-nos para o que diferencia, em assuntos de segurança, a cultura ocidental, leia-se norte-americana e europeia, da asiática. A primeira baseia-se em aspetos ideológicos e morais, enquanto a segunda no pragmatismo, e, consequentemente, no compromisso. Mahbubani defendia serem as decisões assentes no primado da ideologia e não no pragmatismo que tornam, muitas vezes, as abordagens ocidentais ineficazes e/ou contraproducentes.

Não terá sido por acaso que as duas guerras mundiais tiveram o seu epicentro no espaço europeu. A maioria dos decisores asiáticos prefere concentrar-se nos resultados. Isso explica, segundo Mahbubani, que as políticas europeias maniqueístas, baseadas em preconceitos ideológicos, obrigando a escolher e a tomar partido, têm-se revelado, infelizmente, pouco subtis e de reduzido efeito.

O argumento de Mahbubani pode ser testado empiricamente nos acontecimentos em curso na Ucrânia. A sua validade é por demais evidente nas escolhas que conduziram à eclosão da guerra – a obstinação do Ocidente em não respeitar durante três décadas as reiteradas preocupações securitárias da Rússia (de Gorbatchov até Putin, passando por Yeltsin), e insistir em trazer a Ucrânia para a NATO, que continua a reiterar (veja-se o conceito estratégico recentemente aprovado na cimeira de Madrid), mesmo depois dos acontecimentos na Geórgia, em agosto de 2008.

Um compromisso com a Rússia, tornando a Ucrânia num Estado geopoliticamente neutral, teria sido uma solução suportável e teria impedido a guerra. O mesmo se aplica aos acontecimentos que se seguiram a 24 de fevereiro de 2022.

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O comunismo Agostiniano do Espírito Santo | Gabriel Leite Mota | in Jornal Económico

Agostinho da Silva previa que chegaria o tempo da gratuidade da vida, em que as máquinas já produziriam tudo o que o ser humano precisava para viver, tornando-o livre para ser o poema que estava destinado a ser.

Um dos grandes pensadores portugueses do século XX foi Agostinho da Silva.

Nos anos 90 desse século, regressado a Portugal depois de longa estadia no Brasil, onde teve grande impacto académico e público, Agostinho da Silva surpreendeu os portugueses com a sua filosofia na ponta da língua, particularmente durante uma série de entrevistas que deu para a RTP com o título de “Conversas vadias”, em que diferentes entrevistadores iam tentar decifrar e explorar o pensamento do filósofo. Estas entrevistas (disponíveis para visualização na internet) são um testemunho brilhante do seu pensamento, ao mesmo tempo profundo e provocador.

À época, muitos criticavam-no por entenderem que ele se contradizia, por ter o hábito de não ser absolutamente definitivo ou categórico nas suas respostas e, muitas vezes, responder com perguntas às perguntas (aí, o que Agostinho da Silva estava a fazer era, tão-só, querer ser preciso e clarificar o que realmente estava a ser perguntado). Na prática, notou-se nestas entrevistas, muitas vezes, uma décalage de profundidade filosófica entre os perguntadores e o respondente, e a perplexidade dos entrevistadores tinha muito a ver com isso.

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O comunismo ainda não existiu, o fascismo e o nazismo, sim | Gabriel Leite Mota in Jornal Económico

PCP e Bloco estão do lado humanista da política. O Chega, não. Essa é a grande fronteira. Esse é o grande muro que não devemos deixar cair.

Tem sido motivo de aceso debate o acordo de governo que CDS, PPM, PSD, Chega e IL fizeram no Açores. Nesse acordo, ficou estabelecido que PSD, CDS e PPM governam em coligação, com o beneplácito parlamentar de Chega e IL.

A notícia é o facto de o Chega ter sido incluído nesse acordo, sabendo-se que este recente partido é, o que hoje chamamos, da extrema-direita populista, uma novidade no nosso sistema político.

O intrigante caso Navalny | Carlos Branco, Major-general e Investigador do IPRI-NOVA | in Jornal Económico

Segundo o governo alemão, o político russo pró-ocidental Alexei Navalny foi envenenado com “Novichok”, uma substância neurotóxica. Políticos e comunicação social (OCS) ocidentais, sobretudo na Alemanha, apontaram unanimemente e sem reservas Putin como o mandante do envenenamento. Altos dirigentes alemães subiram a parada e acusaram o “sistema de Putin” de ser um “regime agressivo, sem escrúpulos que recorre à força para impor os seus interesses por meios violentos desrespeitando as boas normas de comportamento internacional.

Embora não disponha de informação privilegiada sobre o assunto, não posso deixar de considerar intrigante o acontecimento e os desenvolvimentos que se seguiram. É preocupante a ausência de interrogações sobre algo tão perturbador cujo momento em que ocorre sugere, independentemente de quem estiver por detrás, uma operação política de alto calibre.

Quando nos interrogarmos sobre quem poderia ter sido o mentor do envenenamento surgem três suspeitos, mas apenas dois têm a ganhar: o grupo de oligarcas apoiados pelos EUA, que se opõe a Putin e defende o desmembramento e a regionalização da Rússia, agências de espionagem estrangeiras e o próprio Putin. Não podem ser deixados de fora os inimigos internos do Kremlin, nomeadamente o grupo de oligarcas que compete com Putin, empenhado em o desacreditar. Navalny tem relações com esses grupos e ligações a grupos organizados de extrema-direita.

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