“POLÍTICA | CENTRO POLÍTICO “TEM ENORME DIFICULDADE EM COMUNICAR” COM OS JOVENS: “HÁ UMA REVOLTA QUE É ESTRANHA”, Entrevista a Artur Santos Silva, in Expresso

“Engano-me várias vezes e tenho sempre muitas dúvidas”, diz o ex-presidente do Parlamento, Augusto Santos Silva, que confessa a sua angústia com a incapacidade de os partidos do centro político chegarem aos jovens. Em entrevista ao podcast A Beleza das Pequenas Coisas, diz que há condições para um acordo de esquerda em Lisboa e volta a manifestar o seu descontentamento com o sistema judicial

Bernardo Mendonça, Jornalista | Matilde Fieschi, Fotojornalista

É o nº 2 no top dos governantes portugueses com mais tempo em funções. Acima dele, só António Costa. Em vários Governos socialistas tutelou cinco pastas: foi ministro da Educação, da Defesa, da Cultura, dos Assuntos Parlamentares e dos Negócios Estrangeiros. Até março deste ano foi o número 2 da hierarquia do Estado, tendo sido substituído por Aguiar-Branco. Nas últimas eleições não foi reeleito deputado pelo círculo eleitoral da emigração Fora da Europa. Algumas vozes acharam que o resultado se deve a ter provocado o Chega, o que enfurecera o eleitorado emigrante no Brasil. Recusa a ideia e diz que dedicará o seu estudo à nova geração de rapazes que parecem ser os novos rebeldes ultrarradicais de direita. 

——Nestas eleições europeias, ao contrário doutros países, o Chega foi o partido português que mais perdeu votos em relação às legislativas. O eleitorado deste partido não é tão militante como se julgava?

Em parte terá havido algum efeito pela escolha do cabeça de lista que não era tão conhecido como o líder do partido. Em Portugal a extrema-direita tem expressão política, mas é uma expressão política bastante minoritária.

—–A direita radical alcançou resultados históricos na Europa e multiplica-se no poder. Como explica esse crescimento?

No conjunto, esse crescimento é relativamente pequeno. A extrema-direita cresce preocupantemente na Alemanha e em França.

——-Marine Le Pen nunca esteve tão próximo do poder…

A minha inquietação é de outra natureza, mas é uma inquietação muito funda e é da ordem da cultura política. O que verifico transversalmente aos diferentes países europeus é que hoje em dia as duas grandes famílias políticas da Europa do pós-guerra, que fizeram a Europa tal como nós a conhecemos, a Europa do Estado de direito, que são a democracia cristã, à direita, e a social-democracia, à esquerda, têm hoje uma enorme dificuldade em comunicar com as gerações mais novas. Em particular com os rapazes, e isso é um problema.

——Os estudos de facto apontam para isso. Que razões encontra?

Tenho tanta dificuldade em encontrar uma resposta clara para esse assunto, que esse é um dos temas da minha investigação nos próximos tempos, como cientista social. Há uma espécie de revolta do homem jovem adulto que é estranha, mas reconheço que a minha própria família política, juntamente com a família democrata-cristã ou conservadora democrática da Europa, têm hoje uma linguagem e forma de comunicação que não está a ter a aceitação que se esperaria junto dos jovens eleitores. E porquê? Os jovens eleitores viraram homofóbicos, viraram contra os direitos das mulheres, viraram racistas e xenófobos, revoltam-se contra a transição verde e são contrários à transição digital e não querem mais imigrantes? Querem fechar fronteiras?

——São os novos ultraconservadores?

Não sei se é por preconceito político, mas recuso-me a acreditar que as respostas a estas perguntas que fiz sejam necessariamente sempre ‘sim’ e é preciso compreender. A resposta standard que me dão, no interior do meu partido ou nas tertúlias políticas, ou nas conversas com jornalistas, é sempre a mesma: “Ah, porque a extrema-direita sabe como falar aos jovens no TikTok, no Twitter e no Instagram.”

——-Ia dizer-lhe precisamente isso.

Isso não me satisfaz. Porque se isso fosse verdade, quereria dizer que os jovens seriam uma espécie do que antigamente na Filosofia se chamava tabula rasa. Quer dizer que a mente de um jovem ou de uma jovem fosse um terreno vazio onde quem quer que lá chegasse semeava o seu produto, as suas sementes. E o que há de jovem em mim recusa-se a aceitar isso. Recuso-me a considerar que subitamente uma geração inteira deixou de estar disponível para argumentação racional. A primeira coisa que é preciso fazer é ouvir esses jovens e ver o que é que dizem, o que querem, suscitar debate com eles.

“O CENTRO POLÍTICO TEM DIFICULDADE EM COMUNICAR COM OS JOVENS RAPAZES E ISSO É UM PROBLEMA”

——Imagina o PS a liderar um bloco à esquerda de forma assumida ou não deve hipotecar a sua zona ao centro para secar a AD?

Depende. Acho que neste momento há condições que tornam possível que haja uma candidatura à Câmara Municipal de Lisboa que conte com o apoio de todos os partidos de esquerda. E que inclua o PAN. Há neste momento condições em Lisboa para se formar uma candidatura que seja muito ampla do ponto de vista político-partidário que seja também muito mobilizadora, de muitos cidadãos que estão para além do espectro político-partidário e que seja uma candidatura vencedora que faça regressar Lisboa à dinâmica que ela perdeu, na minha opinião, com o atual mandato do engenheiro Carlos Moedas.

——-Via com bons olhos um bloco assumido à esquerda com o PS a liderar?

Não sou nada favorável a questões de frentismo político, porque o PS deve preservar a sua autonomia estratégica. E não me parece que haja tanta identidade de posições entre o PS e os partidos à sua esquerda, que essa lógica de frente se coloque. E nem há ameaça que obrigue a pensar assim. Até compreendo as movimentações que estão a acontecer em França, mas a situação portuguesa é diferente. 

—– O anterior Governo foi mandado abaixo pelo Ministério Público, com a Operação Influencer e a questão é se aconteceu propositadamente, por consequência natural, por incompetência ou perseguição?

Não sei. O que sei é que há um comunicado do Ministério Público a comunicar ao país que o primeiro-ministro está com um inquérito-crime a correr contra ele, no Supremo Tribunal de Justiça. Esse comunicado, se não me falha a memória é do dia 7 de novembro, o primeiro-ministro, na minha opinião bem, tira desse comunicado a consequência que não tem condições para continuar com o primeiro-ministro. Passaram 7 meses e não há resposta à pergunta, mas de que é que ele é suspeito? Que indícios?

—— O que é que isso diz da Justiça?

Que precisa de uma reforma. Gostaria que ninguém estivesse 4 anos seguidos sob escutas telefónicas, não gostaria que as buscas domiciliárias se fizessem com as televisões a filmar, não gostaria que meios tão intrusivos de realizar diligências como as escutas telefónicas ou as buscas domiciliárias fossem realizadas com tanta ligeireza, não gostaria que o segredo de Justiça fosse tão flagrantemente violado, e sempre da mesma maneira, sempre para provocar a condenação em praça pública antecipada das pessoas que são consideradas suspeitas. 

——-Enquanto presidente da AR foi notório o pulso forte perante a ala mais à direita da Assembleia. Por diversas vezes, chamou a atenção por intervenções do Chega mas, nestas últimas eleições, não voltou a ser eleito. Há quem diga que foi uma fatura por essa sua atitude. Qual a estratégia que funciona com a direita radical?

Fui candidato pelo círculo de Fora da Europa em 2019 por uma decisão política que o secretário-geral do PS e eu próprio tomámos e que tinha toda a lógica, como ministro dos Negócios Estrangeiros era o responsável pela política para as comunidades, nada melhor do que me sujeitar ao escrutínio das comunidades e fui eleito. Não fui eleito este ano no círculo de fora da Europa. Este círculo eleitoral é o mais difícil para o PS, ainda mais difícil que a Madeira. O PS só elegeu um deputado por fora da Europa em 1999, quando foram os 115 deputados, não elegeu sequer na maioria absoluta de Sócrates, e depois elegeu em 2019 e em 2022 eu próprio. Sabíamos que, se o PS não ganhasse folgadamente as eleições, eu não seria eleito. 

——Não foi uma fatura pelo desagrado de um certo eleitorado perante a forma como agiu com o Chega?

Se usei pulso forte na direção da Assembleia? Acho que sim. Mas nunca cortei a palavra a ninguém, nem interrompi uma sessão. E não foi dirigido contra alguém. Na minha responsabilidade de aplicar o regimento, designadamente o artigo 89, que diz que o presidente intervém quando o discurso que está a ser produzido se torna injurioso ou ofensivo, fi-lo que me lembre com deputados do BE, do PS, do IL, com membros do Governo.

—–Mas há diferenças entre si…

A única diferença é que, por razões que são muito compreensíveis, pode acontecer a qualquer um ou qualquer uma, no calor do debate ser-se excessivo. Grandes deputados como Francisco Sousa Tavares ou Raul Rêgo são ainda hoje conhecidos por expressões absolutamente fora de contexto que fizeram. Mas uma coisa são esses excessos que uma pessoa faz, é chamada à atenção e percebe que se excedeu e até pede desculpa aos visados, outra coisa foi e isso pela primeira vez aconteceu em Portugal em 2022, ou melhor, a partir de 2019 é uma força política usar como tática da afirmação política e mediática o incumprimento sistemático das regras básicas de cordialidade na convivência democrática e nas regras básicas de respeito internacional perante todo o Estado.

——E como é que se age perante uma força assim?

Agi como entendi. Se me perguntar se me arrependo de ter interrompido um deputado que chamava bandido ao Presidente do Brasil em pleno debate na Assembleia a resposta é não. 

“HÁ CONDIÇÕES PARA UMA CANDIDATURA A LISBOA QUE CONTE COM O APOIO DE TODA A ESQUERDA”

——-Na altura disse “chega de insultos, chega de degradar as instituições, chega de pôr em vergonha o nome de Portugal”.

Foi uma sessão solene realizada na Assembleia da República de receção ao Presidente do Brasil, não importa aqui o nome dele, que foi convidado por nós para vir a Portugal. Foi o nosso Presidente da República que o convidou a vir ao nosso país naquela data, no dia 25 de abril de 2023. E ele, a nosso convite, estava em nossa casa, e nós tínhamos 12 deputados que nem sequer o queriam deixar falar. E um presidente da Assembleia da República pode permitir isso sem ter uma palavra? Na minha opinião não. Portanto, agi.

——O que é que responderia no lugar de Aguiar-Branco à pergunta da líder parlamentar do PS: “Se uma determinada bancada disser que uma determinada raça ou etnia é mais burra ou preguiçosa também pode?”

Não vou responder a essa sua pergunta, porque há ciclos, há posições em que a gente está, e há também uma certa discrição que a gente deve ter quando abandona as posições. O que fiz como presidente da Assembleia da República está documentado, saiu um livro com as minhas intervenções, há registo escrito e televisivo delas, cada um faz a opinião que quiser.

——Como lidar com discursos permanentemente ofensivos e que espalham desinformação na Assembleia?

Interrompi um deputado, porque estava a dizer quase literalmente que determinada comunidade étnica era constituída por criminosos. Interrompi e disse que a atribuição coletiva de culpas em Portugal não existe e pedi que continuasse. Não tinha nenhuma pretensão de corrigir o deputado em questão, de o tornar mais educado ou cumpridor das regras democráticas. O meu objetivo era que não ficasse a ideia de que a AR acompanhava aquela acusação. Aliás, fiz essa intervenção no meio de um clamor geral de indignação e fui aplaudido de pé por deputados de diferentes bancadas, incluindo algumas que depois me criticaram.

——-Já me contou que vive numa enorme inquietação. O que habita nela?

É o desejo de estar de estar sempre atento ao que se passa à minha volta, de tentar contribuir para que fique um bocadinho melhor. E a inquietação de, ao contrário do que dizia o outro, engano-me várias vezes e tenho sempre muitas dúvidas.”

https://expresso.pt/politica/2024-06-27-centro-politico-tem-enorme-dificuldade-em-comunicar-com-os-jovens-ha-uma-revolta-que-e-estranha-417a5c3c

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