Citando Maria Teresa Horta

Azul Claro, é a cor mote que coube a Maria Teresa Horta nesta coletânea Do Branco ao Negro.

Quando se deita pela primeira vez com um homem, Raquel usa uma liga azul-clara, cor de um céu esvaído…

1977327_10201842620851645_5609680712669485005_nCompõe o corpo, sente prazer nisso, enquanto, centrada em si própria, tudo imagina. É ela a teia que atrapa. O seu corpo é um caminho, o trajeto mais curto, por onde eles descerão os lábios, a quererem ir matar a sede no poço sombrio do seu corpo candente e febril… Assume então a condição da arte do voo e a teia é a sua constelação.

Comia aranhas quando era menina, macilenta e dúctil, olhos azul do céu sumido no extravio da salvação, criança de suspeição e agrura sem alimentos de quase nada. Raquel, esculpindo a si mesma, enquanto personagem. Sabe que a loucura das mulheres sempre assustou os homens, não lhe é estranha a velocidade da aranha. O percurso mais curto de regresso a casa, a teia que nunca foi liberdade.

“És de azul-céu”, murmuram-lhes eles em surdina, enquanto a colhem, a algemam à cabeceira da cama, lhe amarram os pulsos atrás das costas, expondo a sua nudez de concha nacarada, ao mesmo tempo que lhe vão rumorejando com rouquidão de castigo: “deixa que eu te apanhe minha flor de nardo e murta, narciso ou camélia, minha gardénia, tu, de mosto e malte na minha boca, usas a secura em oposição ao fulgor que geras, sem te entregar a nenhum que te queira, a nenhum que te apague e use, vagem, grão de luzeiro e semente ou bago de sol.”

Neste belo conto, de uma imensa sensibilidade poética, Maria Teresa Horta, traz-nos o circular e labiríntico esboroar das nossas vidas, breves, mínimas… Deixa-nos aturdidos com as nauseabundas águas do tempo, que tudo arrecadam, tudo arrastam na sua devastadora passagem.

E só então a sua mão vacila.

Nota: neste post, uma insinuante ilustração de autoria de Rita Roquette de Vasconcellos.  A liga azul-clara, os paramentos de um momento de sedução. Nasce do interior, transpira sobre a pele.

Do branco ao negro, uma coletânea de doze contos coordenada pela jornalista São José Almeida e ilustrada por Rita Roquette de Vasconcellos, onde cada história tem por base uma cor. Os direitos de autor revertem na íntegra para a Associação Alzheimer Portugal.

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