Os “lambe-cus” | Elísio Estanque | in “Jornal Público”

ee_ri1(…) Mas a sua verdadeira recompensa está no próprio ato de lamber. Sem essa prática, constante e repetida, a sua existência não tem qualquer sentido. Eles são a contraparte da vontade de bajulação de personagens “importantes” cujos enormes umbigos – e as lambidelas diárias – os fazem sentir-se muito mais importantes do que realmente são.

No Portugal antigo, nos tempos da sociedade rural e do paroquialismo, era a “graxa” que dava “lustro” aos mais poderosos. Mais tarde surgiram os “lambe-botas”; e atualmente, é o tempo dos “lambe-cus”. A espécie não é obviamente um exclusivo do “habitat” lusitano. Mas não tenho dúvidas de que por cá ela germinou, floresceu e hoje multiplica-se a olhos vistos. Isto porque aqui encontra as condições ideais para a sua multiplicação. Os atuais lambe-cus são descendentes dos “lambe-botas”. Não deixa, no entanto, de ser curioso, e aparentemente paradoxal, que os lambe-botas (os pais dos lambe-cus) tenham sido tão combatidos, quase exterminados, com a restauração da democracia, e depois ressurgiram tão vigorosamente. À medida que o regime democrático se foi acomodando às suas rotinas burocráticas e, posteriormente, começou a ser corroído por dentro, eles brotaram das entranhas e estão agora por todo o lado. Digamos que a corrosão da democracia está em correspondência direta com o aumento dos lambe-cus. Porque será que isto ocorre e porque será que o país se tornou um “viveiro” tão fértil para esta espécie?

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