“Portugal não foi colonizador brando. Há inúmeras situações de racismo” | Alexandra Lucas Coelho

Portugal gosta de acreditar que lidou bem com a sua história, que foi um colonizador brando e que não é racista

No ‘Deus-dará’ escreve que “Portugal foi o maior esclavagista do Oceano Atântico” e que “o Império Português tirou 5,8 milhões de pessoas de África para usar como escravas”. Portugal já fez a reconciliação com o passado?

Portugal foi objectivamente o maior esclavagista do Atlântico. Com o tamanho minúsculo que tem tirou quase metade (47 por cento) dos escravizados de África, enquanto as outras potências europeias (Espanha, França, Inglaterra, Holanda), todas juntas, são responsáveis pelo restante. E Portugal inaugurou o tráfico atlântico, a triangulação Europa-África-América, que não existia. Os números variam um pouco consoante as fontes, mas se pecam será por defeito, porque nos faltam registos, porque havia tráfico clandestino, etc. Seja como for, apenas com o que já se sabe, é inquestionável que a escala foi gigantesca. E é a percepção desta escala, para começar, que até hoje não existe, em geral, em Portugal.

Académicos e artistas têm trabalhado sobre isto, mas desde o ensino básico aos discursos políticos continua a perpetuar-se um discurso sobre os “Descobrimentos” que ignora a escala do que aconteceu. A escravatura é transformada numa espécie de borrão em que todos estavam metidos, e era assim, e já foi muito tempo, e pronto. Mas esta história, esta corda de mortos, está em grande parte por desenterrar no espaço público, fora da academia. Primeiro, o horror do que aconteceu, a quantidade de gente de que estamos a falar — o mesmo número de pessoas do Holocausto —, o que passaram, como eram tratadas, como morreram. Depois, quem eram, como lutaram, como resistiram, como viviam, todas as narrativas que lhes foram negadas enquanto seres humanos. E como tudo isso se liga à discriminação, à repressão, ao racismo ao longo da história até hoje.

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