Se lhe oferecem uma magia antissistema, desconfie | Francisco Louçã | in Jornal Expresso

A frase trumpista de Rui Rio pode resultar simplesmente de uma sobre-representação num mundo em que não há coincidências mas sobram poses, ou pode até constituir uma revelação da sua metade obscura, o indizível de uma apetência radical, ambas as interpretações correram ontem pela tinta das gazetas e das redes sociais. Tudo ligeiramente ridículo: a “América grande” era o discurso imperial na maior potência militar e financeira do mundo, ao passo que a promessa de “Portugal grande” é assim um arremedo de coisa pouca, sem projeto económico que não seja a obediência a Bruxelas e, quando muito, a Frankfurt. Em qualquer caso, foi o suficiente para Ventura se entusiasmar: “Rui Rio aproximou-se mais do discurso antissistema – aliás ele próprio usou a expressão antissistema – do que fez durante todo o seu mandato”, disse o chefe da extrema direita, para depois concluir que “já temos um caminho para andar. Agora, vamos ver se andamos ou se não andamos”. Andando por aí fora, “Rui Rio pode ter dado o primeiro passo para conseguirmos um governo de direita em Portugal”, concluiu ele, com um brilhozinho nos olhos.

 Tudo isto sugere que há aqui uma grande ansiedade, o cheiro do poder, como concluíram sensatamente alguns comentadores. O facto é que, para conseguir esta aclamação bastou Rio enunciar dois encantamentos, o tal do antissistema e, ainda, que “não é racional manter apoios sociais a quem os usa para se furtar ao trabalho e, dessa forma, condicionar a própria expansão empresarial que, cada vez mais, se lamenta da falta de mão de obra disponível”. A frase é formidável, mais pela suspeita que lança sobre os apoios sociais do que pela capacidade de proposta política, mas tanto bastou para que a extrema-direita se enleve no sonho de “ver se andamos ou se não andamos” para um “governo de direita”. Fáceis adversários tem Rio à direita, se os conduz assim tão sossegadamente como o flautista de Hamelin, e fica a saber que não vai ser difícil conseguir puxar um voto útil dessa ala dos andantes. Contente ficará também António Costa, aqui está a prova de que Rio tomba para a direita mesmo quando lhe promete sustentação orçamental por dois anos, e com tal cacofonia não o vai incomodar com a pergunta sobre a troca de favores, eu apoio-te se tu me apoiares, resolvemos isto por duas épocas. Bastaram portanto duas frases para Rio fazer a notícia, Ventura rejubilar e Costa sorrir. Na política nacional, um hino de Natal é suficiente para criar tanta felicidade.

 O problema é, como sempre, onde é que isto leva. Se Rio se refere a retirar o subsídio de desemprego a quem não aceita qualquer emprego degradado, a lógica é implacável: se os trabalhadores ficarem miseráveis, terão de se submeter à tal “expansão empresarial”. Mas não é bem nisso que estão a pensar as pessoas que descontaram para proteger o seu risco de desemprego e que, aliás, perdem os apoios bem depressa. Desconfio que muitos eleitores de direita já por aqui andaram e o PSD arrisca-se a ter um futuro de “lesados de Rio”. Se, em contrapartida, Rio se refere ao RSI, são menos de cem mil famílias com um apoio médio inferior a 260 euros (quer baixar mais?), com um terço de menores e outros 30% com mais de 50 anos. Há pouca “expansão empresarial” a fazer por esta banda. É tudo discurso mágico, bastante ilusão mas nenhum efeito prático.

 Resta o efeito do discurso, o tal antissistema. É aqui que a direita se apura. Não ataca qualquer sistema, pelo contrário, festeja a ideia de castigar socialmente os desempregados ou os pobres em nome da “expansão empresarial”, ou seja, de salários mais baixos.O programa é exuberante: Portugal ainda há-de ser uma gigantesca Odemira. Se houver alguma coisa ainda mais “sistema” do que isto, digam-me por favor, que não conheço. Também não é nada de novo, o CDS de Portas fez este tipo de campanha como se não houvesse amanhã, o PSD de Passos Coelho imitou-o e andaram juntos pelos caminhos de que toda a gente se lembra. Só que perderam, não foi?

(no Expresso)

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