As estrelas do Estado Novo | Carlos Matos Gomes

Este texto é uma peça extraordinária sobre a “história portuguesa do século XX”, de uma clarividência incomum, um ensaio brilhante de como analisar factos políticos, sociais, económicos e estratégicos. Os meus respeitos para Carlos Matos Gomes [vcs].

Extinguiu-se no dia 23 de Outubro de 2022 a última estrela política do Estado Novo, Adriano Moreira. Ele fez parte da constelação de pensadores e atores que dotaram o Estado Novo com um pensamento para além do corporativismo de matriz fascista, do integrismo de raízes miguelistas, do beatismo. Adriano Moreira pertenceu a um grupo de políticos talentosos e ambiciosos que subiram a pulso em termos sociais, seguindo o percurso de Salazar, que utilizaram a aderência aos meios e estruturas do corporativismo para ascender individualmente e que retribuíram essa escalada dotando o regime de iluminações que ultrapassassem os cirios das igrejas e as sombras dos mortos vivos que se sentavam na Assembleia Nacional e na Câmara Corporativa.

O grupo inorgânico a que Adriano Moreira pertenceu conseguiu apresentar o Estado Novo e Portugal como atores internacionais de relevo em três grandes momentos da História da primeira metade do século vinte: a Guerra Civil de Espanha, a Segunda Guerra Mundial e o Movimento Descolonizador.

A Guerra Civil de Espanha teve como personagem de primeiro plano o embaixador Pedro Teotónio Pereira, o homem enviado por Salazar para junto do governo de Franco, em Burgos, o segundo embaixador a apresentar credenciais, após o Núncio Apostólico da Igreja Católica e o primeiro embaixador em Madrid após a vitória franquista. Teotónio Pereira iria conseguir alcançar o objetivo que o Portugal de Salazar recebera dos ingleses, o de evitar e a entrada da Espanha na Segunda Guerra Mundial aliada da Alemanha nazi. Seria embaixador no Brasil, nos Estados Unidos e em Londres no período de antes da guerra, durante e no pós-guerra. Contribuiu para manter Portugal na órbita dos Aliados e para a entrada no clube da NATO. Não foi tarefa fácil fazer o Portugal rural, beato e antiliberal de Salazar ser admitido neste grupo. Os Aliados (em particular os americanos) entenderam através de Pedro Teotónio Pereira que Portugal não era Salazar (os ingleses, esses sabiam que Salazar negociaria tudo, incluindo os princípios (além do volfrâmio) para se manter no poder).

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