Os Convencidos da Vida | Alexandre O’Neill, in “Uma Coisa em Forma de Assim” | por Júlio Machado Vaz

Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear.

Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força.

Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.

Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?

(…) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil.

Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro.

Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida – da sua, claro – para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal… sempre foi.

Alexandre O’Neill, in “Uma Coisa em Forma de Assim”

“Silêncio Político”? | Júlio Machado Vaz in Facebook

Há algum tempo uma boa amiga interrogava-se sobre o meu “silêncio político”. Mas dizer o quê? Ontem o Dr. Passos Coelho brindou-nos com mais um dos seus redondos comunicados. A seu lado, Paulo, o irrevogável, Portas, parecia ter envelhecido dez anos e colecionava tiques de nervosismo. Pano de fundo sobre o qual se desenhavam os jograis? Portas, num registo laico, imitou Marcelo, quando este afirmou que “nem se Cristo voltasse à Terra…”. Justificação para uma pirueta de tal dimensão, após uma decisão que até homens como Lobo Xavier e Nobre Guedes criticaram? Mas está bom de ver! – o interesse do País, ou seja, o nosso. Poder reforçado para si e para o CDS/PP no Governo, agora é que chega o desenvolvimento. E se não chegar? Fácil, acusa-se a desaparecida em combate Ministra das Finanças de ter bloqueado as iniciativas da “Nova Política”. (Sim, a que não podia ter sido escolhida e motivou a decisão irrevogável…). Passos Coelho “promoveu e premiou” quem considera tê-lo traído? Fácil, fê-lo pensando no interesse nacional, ou seja, em nós. Manteve-o no mesmo barco e à mão de semear para o passa-culpas eleitoral. E manteve-se Primeiro-Ministro, não vão algumas cabecinhas do PSD avançarem com um nome que não o seu para candidato. (E mesmo assim…). Cavaco já tem mais um prefácio para escrever em 2014 sobre deslealdades sofridas às mãos de Governos, ser avisado uma hora antes da posse da Ministra – entre outras coisas… – deve tê-lo feito pensar que Sócrates não era o único pronto a desconsiderá-lo olimpicamente. Mas e agora? Depois de se ter colado a este Projecto – também no nosso interesse, claro! -, e apesar das consultas e de frases como “seja qual for o Governo…”, vai tirar-lhes o tapete e vencer o seu horror a sair de uma zona de conforto que reduz a presidência a uma figura de estilo? Veremos… A verdade é que tudo isto é trágico para o país, mas nada estimulante como tema de reflexão. Quando muito, estes actores políticos lutam pela sua sobrevivência. Às vezes nem isso – exemplificam apenas como ética e competência deixaram de ser condições obrigatórias para dirigir a Cidade.
Depois do triste dueto de ontem à noite, The song remains the same, como cantaram os Zeppelin 😦

Apenas a hipocrisia subiu uma oitava…

jmv