Os Lusíadas, (Canto IX, 83), Luís Vaz de Camões

Oh, que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves! Que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava,
Melhor é exprimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pode exprimentá-lo.

Os Lusíadas, (Canto IX, 83)

Luis Vaz de Camões

Não Posso Adiar o Amor, por António Ramos Rosa

Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o rneu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração

António Ramos Rosa, in “Viagem Através de uma Nebulosa”

REZA DA MANHÃ DE MAIO, In “Dia do Mar”, Sophia de Mello Breyner Andresen

Senhor, dai-me a inocência dos animais 

Para que eu possa beber nesta manhã 

A harmonia e a força das coisas naturais.

Apagai a máscara vazia e vã

De humanidade,

Apagai a vaidade,

Para que eu me perca e me dissolva

Na perfeição da manhã 

E para que o vento me devolva

A parte de mim que vive

À beira dum jardim que só eu tive.

VASCO GRAÇA MOURA | VAI-SE A LASCIVA MÃO

vai-se a lasciva mão devagarinho
no biquinho do peito modelando
como nuns versos conhecidos quando
uma mulher a meio do caminho

a noite desce e a nudez define-a
por contrastes de luz e de negrume
ponto por ponto, alínea por alínea.

era de vento e nuvens, sombras, vinho,
e sonoras risadas como um bando.
os dedos lestos vão desenredando
roupa,cabelos, fitas, desalinho.

memória e amor e música e ciúme
transformados nos cachos da glicínia,
macerando no verão sombra e perfume.

De amarelo a rosa se fez mais bela

Ergo uma rosa | José Saramago

Ergo uma rosa, e tudo se ilumina

Como a lua não faz nem o sol pode:

Cobra de luz ardente e enroscada

Ou ventos de cabelos que sacode.

Ergo uma rosa, e grito a quantas aves

O céu pontua de ninhos e de cantos,

Bato no chão a ordem que decide

A união dos demos e dos santos.

Ergo uma rosa, um corpo e um destino

Contra o frio da noite que se atreve,

E da seiva da rosa e do meu sangue

Construo perenidade em vida breve.

Ergo uma rosa, e deixo, e abandono

Quanto me doi de mágoas e assombros.

Ergo uma rosa, sim, e ouço a vida

Neste cantar das aves nos meus ombros.

José Saramago

A PAZ SEM VENCEDORES E SEM VENCIDOS, Sophia de Mello Breyner Andresen In “Dual”

Retirado do Facebook | Mural de Emília Roque

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Que o tempo que nos deste seja um novo

Recomeço de esperança e de justiça

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Erguei o nosso ser à transparência

Para podermos ler melhor a vida

Para entendermos vosso mandamento

Para que venha a nós o vosso reino

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Fazei Senhor que a paz seja de todos

Dai-nos a paz que nasce da verdade

Dai-nos a paz que nasce da justiça

Dai-nos a paz chamada liberdade

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Obra: 𝐄𝐥 𝐧𝐨𝐦𝐛𝐫𝐞 𝐝𝐞 𝐥𝐚 𝐫𝐨𝐬𝐚. Año: 1980. Autor 𝐇𝐮𝐦𝐛𝐞𝐫𝐭𝐨 𝐄𝐜𝐨

«𝐋𝐨𝐬 𝐥𝐢𝐛𝐫𝐨𝐬 𝐧𝐨 𝐬𝐞 𝐡𝐚𝐧 𝐡𝐞𝐜𝐡𝐨 𝐩𝐚𝐫𝐚 𝐪𝐮𝐞 𝐜𝐫𝐞𝐚𝐦𝐨𝐬 𝐥𝐨 𝐪𝐮𝐞 𝐝𝐢𝐜𝐞𝐧, 𝐬𝐢𝐧𝐨 𝐩𝐚𝐫𝐚 𝐪𝐮𝐞 𝐥𝐨𝐬 𝐚𝐧𝐚𝐥𝐢𝐜𝐞𝐦𝐨𝐬. 𝐂𝐮𝐚𝐧𝐝𝐨 𝐜𝐨𝐠𝐞𝐦𝐨𝐬 𝐮𝐧 𝐥𝐢𝐛𝐫𝐨, 𝐧𝐨 𝐝𝐞𝐛𝐞𝐦𝐨𝐬 𝐩𝐫𝐞𝐠𝐮𝐧𝐭𝐚𝐫𝐧𝐨𝐬 𝐪𝐮𝐞́ 𝐝𝐢𝐜𝐞, 𝐬𝐢𝐧𝐨 𝐪𝐮𝐞́ 𝐪𝐮𝐢𝐞𝐫𝐞 𝐝𝐞𝐜𝐢𝐫, 𝐜𝐨𝐦𝐨 𝐯𝐢𝐞𝐫𝐨𝐧 𝐦𝐮𝐲 𝐛𝐢𝐞𝐧 𝐥𝐨𝐬 𝐯𝐢𝐞𝐣𝐨𝐬 𝐜𝐨𝐦𝐞𝐧𝐭𝐚𝐝𝐨𝐫𝐞𝐬 𝐝𝐞 𝐥𝐚𝐬 𝐞𝐬𝐜𝐫𝐢𝐭𝐮𝐫𝐚𝐬.»
En un mundo saturado de información, donde cada segundo se generan millones de palabras en libros, redes sociales, medios y plataformas digitales, estas frases de hoy, de Umberto Eco, nos llegan con una urgencia casi profética.

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Carta de Orfeu a Eurídice (excerto), Nuno Júdice

Retirado do Facebook | Mural de Maria Helena Manaia

Nessas tardes em que despias o coração, e mo

entregavas num gesto de orvalho primaveril, o calor

de um sorriso de olhos fechados atravessava-me

a alma, e misturava-se com a terra húmida

das sensações. Podia dizer-te: este é o pólen que nenhum

insecto poderá roubar da corola onde se fabrica o éter

do amor; e ouvir o teu riso, dissipando um temporal

de emoções. Nós éramos um – e essa unidade dividia-nos, 

quando no seu interior estremecia uma hesitação, 

corrompendo o espanto do outro.

Nuno Júdice | “A pura inscrição do amor”, pág. 52 | Publicações Dom Quixote, 1ª. edição. Jan. 2018

Orfeu e Eurídice retratados por Carl Goos em 1826 (Galeria Nacional da Dinamarca).

Poema | F. Scott Fitzgerald | 27-07-2025

In the end, we’re all just humans, and love, only love, can heal our brokenness.

Et à la fin, nous sommes tous juste des humains, et l’amour, seul l’amour peut guérir notre brisement.

Y al final, todos somos humanos, y el amor, solo el amor puede sanar nuestro quebrantamiento.

E no final, todos nós somos apenas humanos, e o amor, somente o amor pode curar nosso quebrantamento.

POÈME LIBERTÉ | Paul Eluard | Tradução de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira

 

Sur mes cahiers d’écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable de neige
J’écris ton nom

Sur toutes les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J’écris ton nom

Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J’écris ton nom

Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l’écho de mon enfance
J’écris ton nom

Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J’écris ton nom

Sur tous mes chiffons d’azur
Sur l’étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J’écris ton nom

Sur les champs sur l’horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J’écris ton nom

Sur chaque bouffées d’aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J’écris ton nom

Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l’orage
Sur la pluie épaisse et fade
J’écris ton nom

Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J’écris ton nom

Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J’écris ton nom

Sur la lampe qui s’allume
Sur la lampe qui s’éteint
Sur mes raisons réunies
J’écris ton nom

Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J’écris ton nom

Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J’écris ton nom

Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J’écris ton nom

Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J’écris ton nom

Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attendries
Bien au-dessus du silence
J’écris ton nom

Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J’écris ton nom

Sur l’absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J’écris ton nom

Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l’espoir sans souvenir
J’écris ton nom

Et par le pouvoir d’un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer

Liberté

(Continua)

Paul Éluard
Tradução de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira
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Com chancela da Bertrand, a poesia de Fernando Pessoa vai à conquista de novos leitores em inglês

Com quase trezentos anos de história e um catálogo que atravessa séculos de cultura, a Bertrand Editora lança a obra de Fernando Pessoa em língua inglesa. I Am the Size of Whatever I See é uma seleção cuidada e representativa da poesia de Fernando Pessoa, que reúne poemas do próprio autor e dos seus três principais heterónimos: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

Esta edição, traduzida pelo poeta e premiado tradutor literário Calvin Olsen, pretende levar a obra de Pessoa a novos leitores e públicos internacionais, mantendo a qualidade literária e a sensibilidade poética dos textos originais. Olsen, que leciona atualmente na Ohio State University, tem vindo a destacar-se no panorama da tradução contemporânea pela sua capacidade de recriar, em inglês, a complexidade e musicalidade de grandes autores da literatura portuguesa.

Publicada pela Bertrand Editora, uma das editoras mais antigas da Europa em atividade, esta edição em língua inglesa assume-se como uma porta de entrada ideal para quem quer descobrir — ou redescobrir — a riqueza do universo de Pessoa.

I Am the Size of Whatever I See celebra o génio universal de Fernando Pessoa e reforça o compromisso da Bertrand Editora com a promoção da literatura portuguesa além-fronteiras.

A obra chega às livrarias no dia 17 de julho.

Mais informações na nota de imprensa; aceda à capa do livro aqui

‘O Universo num Grão de Areia’, 2019, Mia Couto (1955-)

Retirado do Facebook | Mural de José Alberto Pitacas

“A fadiga que sentimos não é tanto do trabalho acumulado, mas de um quotidiano feito de rotina e de vazio. O que mais cansa não é trabalhar muito. O que mais cansa é viver pouco. O que realmente cansa é viver sem sonhos.”

Poemas de exaltação à mulher, de Marize Castro, por Adelto Gonçalves

Em “Maroceano”, seu novo livro, a potiguar Marize Castro dialoga em versos com outras grandes poetas

I

Uma série de poemas dedicados a mulheres que abrilhantaram o cenário das letras no Brasil e no mundo é o que o leitor vai encontrar no novo livro da poeta e jornalista Marize Castro (1962), Maroceano (Natal, Una Editora, 2024). A exemplo do que fez em livros anteriores, a autora procura mostrar as lições que recebeu ao ler as obras de poetas que marcaram época na história da literatura universal, como a britânica Virginia Woolf (1882-1941), a norte-americana Elizabeth Bishop (1911-1979), a norte-americana Laura Riding (1901-1999), a russa Marina Tsvetaeva (1892-1941), a portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), a brasileira Cecília Meireles (1901-1964) e a ucraniana de origem judaica naturalizada brasileira Clarice Lispector (1920-1977), transformando-as em peças literárias que se destacam por um estilo fluído e adornadas por passagens extremamente líricas e suaves.

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Filosofia e Literatura , by Virginia Woolf

(…) Pois agora não precisava pensar em ninguém. Podia ser ela mesma, ela só. E era disso que agora, frequentemente, sentia necessidade – de pensar; bom, nem mesmo pensar. Ficar calada; ficar só.

— Virginia Woolf, no livro “Ao Farol”. (Editora Autêntica; 1.ª edição [2013]).

Obra: “New Model”, 1993 – Nigel van Wieck. Retirado do Facebook | Mural de Miette Borges

Para comemorar os 90 anos de Braga Horta, por Adelto Gonçalves (*)

Poeta recebe homenagem em capítulo especial na XV Coletânea Século XXI

I

Resultado da XV Seletiva Nacional de Poesia, que contou com a participação de escritores de todo do País, a XV Coletânea Século XXI (Volta Redonda-RJ, PoeArt Editora, 2024), além de poemas de setenta e quatro escritores de doze Estados e do Distrito Federal que participaram do evento, dedica um capítulo especial ao poeta Anderson Braga Horta, a propósito da passagem, em 2024, de seus 90 anos de idade e mais de 70 anos de atividade literária. O capítulo reúne, além de uma breve entrevista com o poeta, vinte poemas de sua lavra e quinze comentários inéditos que abordam diversos aspectos de sua extensa obra.

Se a poesia é um veículo para a expressão e a exploração das emoções, praticamente, qualquer poema de Anderson Braga Horta constitui um exemplo bem acabado dessa assertiva aristotélica. Ou seja, suas palavras falam diretamente aos ouvidos do leitor, mexendo com suas lembranças e emoções. É o que se pode comprovar neste poema que tem por título “Pureza”, do livro Cronoscópio (1983), em que o poeta evoca sua infância.

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FLORBELA ESPANCA, 8-12-1894 // 8-12-1930

Retirado do Facebook | Mural “Florbela Espanca de Portugal e do Mundo”

Florbela Espanca, batizada como Flor Bela Lobo, e que opta por se autonomear Florbela d’Alma da Conceição Espanca, foi uma poetisa portuguesa.

Viver intensamente é o lema da vida de Florbela Espanca. Reconhecida como uma das principais poetisas portuguesas, a artista viveu apenas 36 anos (1894-1930), mas expressou em seus versos sentimentos profundos em relação ao amor, sofrimento, saudade, solidão e morte.

Escreveu contos, poesias, cartas, mas é considerada a poetisa do soneto. Apesar disso, seus poemas não são todos moldados por uma métrica formal. Foi muito criticada por trabalhar com uma escrita muito voltada para o “eu”, mas tal escolha hoje é vista como uma inovação, pois Florbela representa a emancipação literária de mulheres, numa época em que a palavra só era valorizada quando vinda de homens.

A autora escreveu quase 150 poemas, sendo o primeiro escrito com apenas oito anos de idade, quando, segundo suas próprias palavras “já as coisas da vida me davam vontade de chorar”.

Patrícia Reis distinguida com o Prémio Livreiros Bertrand para Autores Lusófonos pela obra «A Desobediente» – Biografia de Maria Teresa Horta.

A Desobediente, já na 7.ª edição, mais do que uma narrativa biográfica, é uma conversa íntima, em vários momentos sussurrada ao ouvido, com uma mulher, poetisa, mãe, ativista política e uma das vozes mais influentes e inquebrantáveis de Portugal.

A cerimónia de entrega do prémio decorreu ontem, dia 5 de junho, pelas 17h, na Feira do Livro de Lisboa, e contou com a presença da autora, que participou numa conversa com Maria João Costa.

Criado em 2022, este prémio tem como objetivo reconhecer a melhor obra original em língua portuguesa, de autor lusófono, publicada no ano anterior. Nesta 3.ª edição, a escolha de A Desobediente, da autoria de Patrícia Reis, coube a mais de quatrocentos livreiros da rede de livrarias Bertrand, que elegeram a obra vencedora de entre os dez finalistas apurados no âmbito do Prémio Livro do Ano Bertrand 2024. O vencedor é reconhecido com um lugar de destaque nas livrarias Bertrand e um prémio pecuniário no valor de dez mil euros.

Para mais informações, consulte a nota de imprensa aqui. Para marcação de entrevistas com o autor, p.f. responda a este e-mail.

Os melhores clássicos para uma boa formação intelectual, por Prof. Prezotto in Facebook

Esta lista foi elaborada a partir da minha própria formação e dos meus interesses intelectuais, reunindo obras que considero fundamentais para quem busca um contato profundo com as grandes tradições da filosofia, da literatura, da política e da cultura.

Embora não se trate de uma seleção rígida ou definitiva — afinal, cada leitor poderá acrescentar títulos e autores segundo sua vivência e sensibilidade —, ela serve como um guia confiável para uma formação sólida, ampla e duradoura. Organizada em ordem cronológica, contempla textos que atravessam séculos e civilizações, oferecendo uma base rica para o desenvolvimento do pensamento, da imaginação e da vida interior.

Acrescento, por fim, que esta lista, apesar de extensa, não esgota os autores que admiro. Muitos nomes ficaram de fora — e isso não por desmerecimento, mas por limites de espaço e de foco. Se incluísse todos, ultrapassaríamos facilmente a casa das centenas. Ainda assim, o que aqui se apresenta é, creio eu, um conjunto robusto e inspirador, digno de quem deseja se formar com profundidade..

1. Homero – Ilíada (séc. VIII a.C.)

2. Hesíodo – Teogonia (séc. VIII a.C.)

3. Confúcio – Analectos (séc. VI a.C.)

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Para Sempre | Carlos Drummond de Andrade

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
– mistério profundo –
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

“Nem só de pão vive o homem. Se eu estivesse faminto e perdido nas ruas, não pediria só um pão — pediria meio pão e um livro.”, Federico García Lorca

Retirado do Facebook | Mural de “Eu Já Te Contei”?

A frase mais bonita que já li sobre Lorca é esta.

Lorca não falava só de barriga cheia, falava de alma alimentada. Atacava com coragem os que defendem apenas as necessidades do corpo, esquecendo que a fome mais cruel é a do espírito. É fácil matar a fome com pão, mas quem sacia a fome de saber?

Ele sabia que um povo sem cultura é um povo acorrentado. Sem livros, o homem é reduzido a uma máquina, escravo de engrenagens que não sente, não pensa, não sonha.

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Miguel Torga | in “Diário (1946)”

Dorme a vida a meu lado, mas eu velo.
(Alguém há-de guardar este tesoiro!)
E, como dorme, afago-lhe o cabelo, 
Que mesmo adormecido é fino e loiro.

Só eu sinto bater-lhe o coração,
Vejo que sonha, que sorri, que vive;
Só eu tenho por ela esta paixão
Como nunca hei-de ter e nunca tive.

E logo talvez já nem reconheça
Quem zelou esta flor do seu cansaço…
Mas que o dia amanheça
E cubra de poesia o seu regaço!

Miguel Torga | in ‘Diário (1946)

“Nevoeiro” | Fernando Pessoa

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

É a hora!

“Nenhum Caminho será Longo. Para uma teologia da amizade”

Se tu amas por causa da beleza, então não me ames!

Ama o Sol que tem cabelos doirados!

Se tu amas por causa da juventude, então não me ames!

Ama a Primavera que fica nova todos os anos!

Se tu amas por causa dos tesouros, então não me ames!

Ama a Mulher do Mar: ela tem muitas pérolas claras!

Se tu amas por causa da inteligência, então não me ames!

Ama Isaac Newton: ele escreveu os

Princípios Matemáticos da Filosofia Natural!

Mas se tu amas por causa do amor, então sim, ama-me!

Ama-me sempre: amo-te para sempre!

Perguntei a um Sábio | William Shakespeare

Retirado do Facebook | Mural de Maria Helena Manaia

Perguntei a um sábio,

a diferença que havia

entre Amor e Amizade,

ele me disse essa verdade…

O Amor é mais sensível,

a Amizade mais segura.

O Amor nos dá asas,

a Amizade o chão.

No Amor há mais carinho,

na Amizade compreensão.

O Amor é plantado

e com carinho cultivado,

a Amizade vem alegre,

e com troca de alegria e tristeza,

torna-se uma grande e querida

companheira.

Mas quando o Amor é sincero

ele vem com um grande amigo,

e quando a Amizade é concreta,

ela é cheia de amor e carinho.

Quando se tem um amigo

ou uma grande paixão,

ambos sentimentos coexistem

dentro do seu coração.

William Shakespeare

Licínia Quitério, Os Sítios

Sou a alegria da magnólia 

no estertor do inverno. 

Virada aos céus, livre de folhas 

que virão depois do meu esplendor, 

da branca solidão, depois do amor 

guardado na raiz, do suor 

dos rapazes, do riso das raparigas, 

da partida demorada dos velhos, 

da partida súbita dos novos, 

dos livros duas vezes lidos, 

do grito dos pobres na aresta da fome. 

Plantada à beira vida, 

solene e intensa, perfumada e limpa, 

sem outro anseio que o regresso 

das canções em bando, 

da gravidez aveludada das mulheres,                   

da infância dos homens,                                      

da generosidade dos insetos 

em novas primaveras.

Discreta.

Um arcanjo à beira morte. 

Licínia Quitério, Os Sítios

Poema ao Verão | Maria Isabel Fidalgo

Faz uma chave e abre a porta ao verão

chamarás por mim quando cantar o mar  

e a noite for tão  esguia

que as luas serão guinadas de luz

sobre os pátios da sombra

e o teu nome um odor matinal

a purificar de sangue o espaço.

Deixa a chave na porta

e chama-me num grito

de deus em vertigem.

Entrarei de pés descalços

nas vagas sucessivas 

do teu chão marítimo 

para me afogar maravilhada.

Sou Viagem, Poética Edições

FLORBELA ESPANCA

Eu queria mais altas as estrelas,
Mais largo o espaço, o Sol mais criador,
Mais refulgente a Lua, o mar maior,
Mais cavadas as ondas e mais belas;

Mais amplas, mais rasgadas as janelas
Das almas, mais rosais a abrir em flor,
Mais montanhas, mais asas de condor,
Mais sangue sobre a cruz das caravelas!

E abrir os braços e viver a vida:
– Quanto mais funda e lúgubre a descida,
Mais alta é a ladeira que não cansa!

E, acabada a tarefa… em paz, contente,
Um dia adormecer, serenamente,
Como dorme no berço uma criança!

Poesia, Substantivo Feminino | CONVITE de Livraria Buchhzolz, dia 3 Abril, 18h30m

Com as autoras Raquel Serejo Martins,  Catarina Santiago Costa, Inês Dias, Marta Magalhães, Rosalina Marshall, Renata Correia Botelho, Cláudia Lucas Chéu, Marta Chaves, Filipa Leal, Inês Fonseca Santos, Raquel Nobre Guerra, Yara Nakahanda Monteiro, Cláudia R. Sampaio, Raquel Gaspar Silva, Catarina Nunes de Almeida, Minês Castanheira, Raquel Lima, Gisela Casimiro, Beatriz Hierro Lopes, Tatiana Faia, Sara F. Costa, Inês Francisco Jacob, Mafalda Sofia Gomes, Beatriz de Almeida Rodrigues e Sara Duarte Brandão.

Em quatro línguas | F. Scott Fitzgerald

  • In the end, we’re all just humans, and love, only love, can heal our brokenness.
  • Et à la fin, nous sommes tous juste des humains, et l’amour, seul l’amour peut guérir notre brisement.
  • Y al final, todos somos humanos, y el amor, solo el amor puede sanar nuestro quebrantamiento.
  • E no final, todos nós somos apenas humanos, e o amor, somente o amor pode curar nosso quebrantamento.

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F. Scott Fitzgerald

Pintura “The Kiss” de Gustav Klimt

NO MEIO DO CAMINHO | CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Stone in Death Valley National Park

California

“Ternura” | Poema de David Mourão-Ferreira, no dia do seu nascimento, 24 de Fevereiro

Retirado do Facebook | Mural de Maria Helena Manaia

Desvio dos teus ombros o lençol,

que é feito de ternura amarrotada,

da frescura que vem depois do sol,

quando depois do sol não vem mais nada…

Olho a roupa no chão: que tempestade!

Há restos de ternura pelo meio,

como vultos perdidos na cidade

onde uma tempestade sobreveio…

Começas a vestir-te, lentamente,

e é ternura também que vou vestindo,

para enfrentar lá fora aquela gente

que da nossa ternura anda sorrindo…

Mas ninguém sonha a pressa com que nós

a despimos assim que estamos sós!

Foto abraço floral

Urgentemente | Eugénio de Andrade, in “Até Amanha”

Retirado do Facebook | Mural de Maria Helena Manaia

É urgente o amor 

É urgente um barco no mar 

É urgente destruir certas palavras, 

ódio, solidão e crueldade, 

alguns lamentos, muitas espadas. 

É urgente inventar alegria, 

multiplicar os beijos, as searas, 

é urgente descobrir rosas e rios 

e manhãs claras. 

Cai o silêncio nos ombros 

e a luz impura, até doer. 

É urgente o amor, 

é urgente permanecer. 

Memória da literatura goiana | Com 23 ensaios ricos em pesquisas, obra faz um levantamento da produção literária em Goiás em quase três séculos, por Adelto Gonçalves 

                    I
Um panorama do que os literatos produziram no Estado de Goiás em quase três séculos é o que traz o livro Goiás + 300 – Literatura, volume V de um box que reúne mais duas obras – Cronistas e Viajantes, volume IV, e Povos Originários, volume VI. O volume V é formado por 23 capítulos que contam com a participação de 28 autores e foi organizado por Goiandira Ortiz de Camargo, doutora em Literatura Brasileira, pós-doutora em Poesia Brasileira e professora aposentada da Universidade Federal de Goiás (UFG), Maria Severina Guimarães, doutora e pós-doutora em Estudos Literários pela UFG e professora da Universidade Estadual de Goiás (UEG), e Bento Jayme Fleury Curado, doutor (UFG) e pós-doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), professor da Secretaria de Educação de Goiás e sócio do Instituto Cultural e Educ acional Bernardo Élis para os Povos do Cerrado (Icebe).

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© ALEXANDRE O’NEILL | The Dancing Words

Há palavras que nos beijam

Como se tivessem boca.

Palavras de amor, de esperança,

De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas

Quando a noite perde o rosto;

Palavras que se recusam

Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas

Entre palavras sem cor,

Esperadas inesperadas

Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama

Letra a letra revelado

No mármore distraído

No papel abandonado)

Palavras que nos transportam

Aonde a noite é mais forte,

Ao silêncio dos amantes

Abraçados contra a morte.

MULHER, José Carlos Ary dos Santos

Retirado do Facebook | Mural de Maria José Diegues

A mulher não é só casa

mulher-loiça, mulher-cama

ela é também mulher-asa,

mulher-força, mulher-chama

E é preciso dizer

dessa antiga condição

a mulher soube trazer

a cabeça e o coração

Trouxe a fábrica ao seu lar

e ordenado à cozinha

e impôs a trabalhar

a razão que sempre tinha

Trabalho não só de parto

mas também de construção

para um filho crescer farto

para um filho crescer são

A posse vai-se acabar

no tempo da liberdade

o que importa é saber estar

juntos em pé de igualdade

Desde que as coisas se tornem

naquilo que a gente quer

é igual dizer meu homem

ou dizer minha mulher

O Poema | Sophia de Mello Breyner Andresen

O poema me levará no tempo

Quando eu já não for eu

E passarei sozinha

Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá

Às searas

Sua passagem se confundirá

Com o rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará

O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes

Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas

Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará

Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas

De funda e devorada solidão

Alguém seu próprio ser confundirá

Com o poema no tempo

Traz Outro Amigo Também | Zeca Afonso

Retirado do Facebook | Mural de Francisco Carmona

Amigo, maior que o pensamento

Por essa estrada amigo vem

Por essa estrada amigo vem

Não percas tempo que o vento

É meu amigo também

Não percas tempo que o vento

É meu amigo também

Em terras

Em todas as fronteiras

Seja bem-vindo quem vier por bem

Seja bem-vindo quem vier por bem

Se alguém houver que não queira

Trá-lo contigo também

Se alguém houver que não queira

Trá-lo contigo também

Aqueles, aqueles que ficaram

Em toda a parte, todo o mundo tem

Em toda a parte, todo o mundo tem

Em sonhos me visitaram

Traz outro amigo também

Em sonhos me visitaram

Traz outro amigo também

Amor, Miguel Torga, in ‘Libertação’

Retirado do Facebook | Mural de Maria José Diegues

A jovem deusa passa

Com véus discretos sobre a virgindade;

Olha e não olha, como a mocidade;

E um jovem deus pressente aquela graça.

Depois, a vide do desejo enlaça

Numa só volta a dupla divindade;

E os jovens deuses abrem-se à verdade,

Sedentos de beber na mesma taça.

É um vinho amargo que lhes cresta a boca;

Um condão vago que os desperta e toca

De humana e dolorosa consciência.

E abraçam-se de novo, já sem asas.

Homens apenas. Vivos como brasas,

A queimar o que resta da inocência.

Silas Corrêa Leite: poesia com raízes populares

Em novo livro, o poeta exercita a arte dos limeriques e recupera aforismos e ditados tradicionais | Adelto Gonçalves (*)

                                                           I

            Ao contrário do haikai, um tipo de poema de origem japonesa, mas muito popularizado no Brasil e exercitado por grandes nomes como Guilherme de Almeida (1890-1969), Paulo Leminski (1944-1989) e Millor Fernandes (1923-2012), o limerique, poema de forma fixa composto por cinco versos, com a primeira, a segunda e a quinta linhas terminando com a mesma rima, ainda é pouco conhecido entre os leitores de língua portuguesa. Trata-se de uma forma poética que, a rigor, não oferece muita poesia, mas que flerta com o humorismo e a irreverência, sendo utilizado para se contar uma piada ou uma boutade, de maneira criativa e concisa, ou seja, uma tirada espirituosa. Ou repetir um aforismo, explicitando uma regra ou princípio de alcance moral.

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O livro de poemas ALUCILÂMNAS que referencia Sylvia Plath, de Silas Corrêa Leite, premiado na UBE-União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro

“Temo somente uma coisa, não ser digno do meu tormento.” Fiódor Dostoiévski/Eu pertenço a momentos rápidos e fúteis de sentimentos intensos. Sim, pertenço a momentos. Não para as pessoas. Virgínia Woolf./Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo. Michel Foucault./

A sede da UBE-RJ a cada dois anos escolhe livros de qualidade técnico-editorial de renome para serem premiados, em confraternização que acontece na cidade maravilhosa. Entre os escolhidos para o biênio 2023/2024 está o livro ALUCILMNAS de Silas Correa Leite, que evoca, homenageia, referencia e reverbera e em tese continua a singular e portentosa obra da poeta norte-americana Sylvia Plath.

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Temas e Debates | À boleia de Michael Wood pela China, seguindo o trilho da vida e da obra do poeta Du Fu

«A vida de Du Fu, no auge da sua criatividade, foi passada como um refugiado na estrada, deslocando-se de um lugar para outro», escreve Michael Wood na introdução do livro e conta que foi no outono de 2019 que partiu em viagem seguindo os passos que o poeta deu. O autor passou por vários locais e confessa que descobriu não só a história deste, como uma China antiga.

A carreira de Du Fu (712-770), o maior poeta da China, coincidiu com períodos de fome, guerra e migração interna, mas a sua visão filosófica secular, aliada à sua empatia com as pessoas comuns, transformou-o na voz do povo chinês. A amizade, a família, a beleza da natureza, o amor e o sofrimento humano são alguns dos temas da sua obra e que se caracterizam pela abrangência e intemporalidade, tocam todas as pessoas e todas as épocas, tanto agora como há quase 1300 anos. No livro é possível ler algumas passagens da sua poesia.

«Há Shakespeare, há Dante e há Du Fu: estes são poetas que criaram os próprios valores pelos quais a poesia é julgada; eles definiram o vocabulário emocional da sua cultura», constatou Stephen Owen, o tradutor americano do poeta. Para a edição nacional a tradução foi feita por Magda Barbeita, docente do Instituto Camões na Universidade de Comunicação da China e responsável pelo Centro de Língua Portuguesa de Pequim desde 2019.

Este livro acompanha o filme da BBC Du Fu: China’s Greatest Poet, criado por Michael Wood e com Sir Ian McKellen na leitura de poemas de Du Fu.  | A obra chega às livrarias a 14 de novembro

EM TODOS OS JARDINS | Sophia de Mello Breyner Andresen, (Nascida a 6 de Novembro de 1919)

Retirado do Facebook | Mural de Maria Teresa Carrapato

Em todos os jardins hei-de florir,

Em todos beberei a lua cheia,

Quando enfim no meu fim eu possuir

Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,

A tudo quanto existe me hei-de unir,

E o meu sangue arrasta em cada veia

Esse abraço que um dia se há-de abrir.

Então receberei no meu desejo

Todo o fogo que habita na floresta

Conhecido por mim como num beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,

A secreta abundância dessa festa

Que eu via prometida nas imagens.

VASCO GRAÇA MOURA | VAI-SE A LASCIVA MÃO

vai-se a lasciva mão devagarinho

no biquinho do peito modelando

como nuns versos conhecidos quando

uma mulher a meio do caminho

era de vento e nuvens, sombras, vinho,

e sonoras risadas como um bando.

os dedos lestos vão desenredando

roupa, cabelos, fitas, desalinho.

a noite desce e a nudez define-a

por contrastes de luz e de negrume

ponto por ponto, alínea por alínea.

memória e amor e música e ciúme

transformados nos cachos da glicínia,

macerando no verão sombra e perfume.

Anais Nin 

Era uma Mulher que escrevia explicitamente sobre sexo do ponto de vista feminino, mas também sobre a beleza das emoções. Adorada por alguns, odiada por muitos e incompreendida pela maioria, Anaïs Nin nasceu na França, na área metropolitana de Paris, em 21 de fevereiro de 1903. 

Tinha dois irmãos. Seu pai, Joaquin Nin, era pianista e compositor, e sua mãe, Rosa Culmell, uma cantora de formação clássica. Ambos nasceram em Cuba. 

Talvez seja por isso que Anaïs desde criança se sentiu atraída pelo mundo da arte. 

Quando ela tinha 10 anos, a família de seu pai mudou-se para Barcelona, e abandona-os. 

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“Outono”, de Miguel Torga | “Vinhas em Arles” de Vincent van Gogh

Tarde pintada

Por não sei que pintor.

Nunca vi tanta cor

Tão colorida!

Se é de morte ou de vida,

Não é comigo.

Eu, simplesmente, digo

Que há tanta fantasia 

Neste dia,

Que o mundo me parece

Vestido por ciganas adivinhas,

E que gosto de o ver, e me apetece

Ter folhas, como as vinhas.

Retirado do Facebook | Mural de Maria Helena Manaia

Guardador de Rebanhos (Poemas Completos) | Alberto Caeiro

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                          I
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural –
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

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Adalberto de Queiroz: vozes do passado em versos, por Adelto Gonçalves

Poeta faz da evocação da mãe que não teve a música inominável de sua poesia

                                                           I
         

            Em poucos poetas antigos ou modernos brasileiros (para não se dizer nenhum), a evocação da mãe é tão presente e tão luminosa como em Adalberto de Queiroz (1955), que foi educado como órfão em abrigo de Anápolis, no interior de Goiás, de onde saiu só em 1973 para cursar Física na Universidade Federal de Goiás (UFG). Poeta, jornalista e ensaísta, Queiroz, em 2021, lançou a segunda edição, revista e repensada, de Cadernos de Sizenando, publicado em 2014, livro de poemas que “saem da angústia para o enfrentamento da realidade”, como definiu no prefácio o escritor Iúri Rincon Godinho, membro da Academia Goiana de Letras.

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Gregory Corso: versos que beiram a catarse, por Adelto Gonçalves

Tradução de livro traz os últimos poemas de um dos mais representativos poetas da geração beat

                                               I

Um dos membros mais destacados da chamada geração beat norte-americana, que reuniu também Jack Kerouac (1922-1969), Allen Ginsberg (1926-1997) e William Burroughs (1914-1997), Gregory Corso (1930-2001), poeta prolífico e marginalizado, autor de mais de duas dezenas de obras lançadas nos Estados Unidos, tem agora os seus derradeiros trabalhos publicados em português, em tradução de Márcio Simões, no livro Últimos poemas (Natal-RN, Sol Negro Edições, 2023). Em edição bilíngue, a obra traz introdução do escritor e editor norte-americano Raymond Foye, que conheceu pessoalmente o poeta em abril de 1973 num simpósio sobre Jack Kerouac, em Massachusetts, e com ele manteve amizade desde então.

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Se | Poema de Rudyard Kipling com narração de Mundo Dos Poemas

12/04/2021| Poesia e poema de autor anglo-indianio. Rudyard Kipling nasceu em Bombaim, então Índia britânica, a 30 de dezembro de 1865.

Iniciou a sua carreira literária em 1886 com a publicação do volume de poemas Departmental Ditties, afirmando-se rapidamente se como um dos escritores mais populares do Reino Unido, quer na poesia quer na prosa. Em 1894 lançou O Livro da Selva, que viria a consolidar-se como clássico juvenil por todo o mundo. O Segundo Livro da Selva foi publicado no ano seguinte e Kim, considerada a sua obra mais conseguida, saiu em 1901. Em 1907 tornou-se o primeiro autor de língua inglesa a receber o Prémio Nobel da Literatura e é, até hoje, o mais jovem escritor a quem foi atribuída a distinção (tinha 41 anos). Rudyard Kipling morreu em Londres, a 18 de janeiro de 1936.

Éluard, o poeta do amor e da liberdade, por Adelto Gonçalves

Tradução de livro de 1929 traz versos do mais lido e conhecido dos surrealistas franceses

                                          

I
            Estabelecida em Natal, no Rio Grande do Norte, a Sol Negro Edições, uma das raras editoras brasileiras de fora do eixo Rio-São Paulo e que se tem tornado conhecida por editar livros artesanais em pequenas tiragens com boa qualidade literária e gráfica, acaba de lançar O amor a poesia (L´Amour la poésie), obra de 1929, do poeta francês Paul Éluard (1895-1952), em edição bilíngue, com tradução de Eclair Antônio Almeida Filho e Márcio Simões e ilustrações de Zoé Parisot.

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“Morre lentamente…” | Pablo Neruda

“Morre lentamente quem não viaja, quem não lê,

quem não ouve música,

quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio,

quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito,

repetindo todos os dias os mesmos trajetos,

quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor

ou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.

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Demarchi: relatos além da imaginação, por Adelto Gonçalves                                  

               I

                A tênue película que nos separa deste mundo (João Pessoa-PB, Ideia Editora, 2024), que obteve o primeiro lugar no Concurso Nacional de Literatura da União Brasileira de Escritores (UBE), da Paraíba, é o primeiro livro de ficção de Ademir Demarchi, poeta consagrado com mais de uma dezena de livros publicados no gênero, além daqueles que reúnem ensaios e crônicas. Obra de inspiração onírica, seu novo livro traz pequenos relatos escritos a partir de sonhos ou mesmo pesadelos que, muitas vezes, beiram o fantástico, fazendo o leitor penetrar num universo kafkiano em que as regras são dominadas ou violadas pela imaginação

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UMA PEQUENINA LUZ, Jorge de Sena (1919-1978), in ‘Fidelidade’, 2023 [1958]

Segundo Nuno Júdice, “um dos mais belos poemas da nossa poesia pós-pessoana”.

UMA PEQUENINA LUZ

Uma pequenina luz bruxuleante

não na distância brilhando no extremo da estrada

aqui no meio de nós e a multidão em volta

une toute petite lumière

just a little light

una piccola… em todas as línguas do mundo

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‘Poesia, saudade da prosa’, por Guilherme d’Oliveira Martins, in DN, 23-07-2024

Luís Filipe Castro Mendes cita Manuel António Pina no início de Tentação da Prosa (Exclamação, 2024) – Poesia, saudade da prosa, e assim se compreende o ofício da escrita. E Francisco Seixas da Costa diz, na nota inicial: “Conhecia-lhe já a prosa, a sua limpidez, a riqueza vocabular, o fluir fácil e elegante no estilo, saído de alguém para quem a produção de textos constitui um óbvio ato de prazer.” E estas crónicas “espelham alguém (…), já sem algumas das ilusões geracionais, mas com notas permanentes de esperança e de otimismo”. E assim há “uma imensa e invejável felicidade” na busca dos acontecimentos e das leituras… “É das coisas miúdas que se fazem os grandes encontros”.

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