Tenho uma Cassandra dentro mim | Pedro Bidarra in “Dinheiro Vivo”

Os estudos que li nos anos 90 sobre a reputação de Portugal no mundo – sobretudo na Europa e mundo anglo-saxónico, o mundo dos mercados – indicavam que o país era simpático, tradicional e hospitaleiro; características potenciadoras de estima mas não de respeito.

Nos estudos que mais tarde fiz na BBDO, em 2004/5, explorando a reputação de Portugal em dimensões geradoras de respeito, as conclusões foram mais ou menos as esperadas: Portugal continuava a ser um país patusco e estimado mas nada de suficientemente relevante e gerador de respeito por cá se fazia ou produzia. Nas dimensões que alimentam sentimentos de respeito por marcas, instituições ou nações, como a inovação, a competência, a produtividade, a riqueza, o poder, a influência, Portugal não aparecia considerado.
Com estas crises, apesar de termos mais notoriedade no mundo (até Obama disse que os Estados Unidos não eram Portugal), temos vindo a acentuar as mesmas características. Não vislumbro, no horizonte da minha vida, nada que possa voltar a fazer Portugal crescer nesse eixo. Até porque a nossa principal contribuição para o mundo, à parte de jogadores de futebol, é irrelevância.

Se amanhã Portugal desaparecesse do mapa, por obra de um evento dramático, a notícia não duraria na primeira página da imprensa internacional mais de uma semana. Por muito estranha que fosse a ocorrência, se o rectângulo, por exemplo, se afundasse como a Atlântida, teríamos tanto espaço no ciclo noticioso como um tufão nas Filipinas, o que é muito menos do que o rotineiro conflito entre israelitas e árabes. É essa a irrelevância que temos no mundo.
E faríamos falta? A resposta, se formos sinceros, é, muito pouca.
Praticamente nada temos que o mundo queira ou precise. Não temos, nunca tivemos, metais, riquezas, agricultura. Nunca, desde a fundação, vivemos do que cá crescia porque nunca cá cresceu nada de substancial. Fomos saqueadores de mouros, piratas, traficantes. Fomos negociantes e comerciantes. Vivemos dos escravos, da pimenta e do ouro do Brasil. Depois de dívida, de remessas dos emigrantes, dos fundos da União Europeia e de novo da dívida. Nada aqui cresceu. Só se gastou.

A mais-valia de Portugal, o nosso ponto forte, é a geografia, que inclui a Zona Económica Exclusiva (ZEE) e a pertença à Europa. Mais fichas não temos para jogar nas mesas do mundo.
A UE desintegrar-se-á nas próximas décadas e a guerra, a que o continente está acostumado, voltará. Deixaremos portanto de pertencer à “Europa” e a ZEE será utilizada como colateral da dívida e entregue, como resultado de um ultimato, aos nossos amigos e aliados europeus; ou alugada a perder de vista por um século ou dois.
Portugal, quando acabar a dívida e a crise (única razão porque ainda somos vistos e ouvidos no mundo), terá uma irrelevância ainda mais dramática do que hoje tem; feita de abandono, esquecimento e pobreza. A única solução para garantir um mínimo (muito pequenino) de dignidade seria abandonarmos o sonho europeu e entregarmo-nos ao Brasil passando a ser um enclave, na Europa, do maior país de língua portuguesa.
Mas o que eu temo que possa mesmo vir a acontecer nas próximas décadas não é nada que esteja nas nossas mãos influenciar ou decidir.

A natureza está, há muito, a dever-nos um terramoto. As placas tectónicas aqui à frente, estão acomodadas faz tempo e não tarda acordam. Talvez já nos próximos cinquenta anos, quem sabe? Como aconteceu durante todo o século XIV e XVIII. Quando acordarem, ficaremos outra vez reduzidos a pó. Que é o que sobrará de anos e anos de construção de um sonho com mais areia que cimento. Então, voltaremos a ser notícia no mundo e recipientes da sua caridade.
Boas férias. Goze-as com o se fossem as últimas.

Publicitário, psicossociólogo e autor

http://www.dinheirovivo.pt/buzz/opiniao/interior.aspx?content_id=4046184&page=-1 … (FONTE)

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