Whisner Fraga: narrativas curtas e bem urdidas | por Adelto Gonçalves

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       Já conhecido nos meios literários mais refinados por seu estilo despojado e ousado, Whisner Fraga (1971) volta, em seu décimo-primeiro livro, às narrativas curtas, depois de experiências bem-sucedidas no gênero romance. O que devíamos ter feito (São Paulo, Editora Patuá, 2020) é essa obra constituída por 14 narrativas curtas, mas bem urdidas, todas com uma linguagem sensível e poética, em que uma personagem que não se identifica conversa, na maioria dos contos, com uma interlocutora chamada helena (assim mesmo sem maiúscula. Aliás, o autor, sem que se saiba a razão, decidiu proscrever a letra maiúscula de todos os textos deste seu livro).

            O conto que mais chama a atenção do leitor é exatamente aquele que abre e dá título ao livro, “o que devíamos ter feito”, em que um pai de família se dirige à mulher para tentar recuperar o tempo perdido e pesar se, com a filha doente, a menina bia, os passos que tinham dado teriam ou não contribuído para o desaparecimento prematuro dela. É com ela que divide o seu fluxo crítico e de consciência, como bem observa o escritor Ronaldo Cagiano no prefácio que escreveu para esta obra, para quem este conto faz recordar versos famosos de Manuel Bandeira (1886-1968), exatamente o poema “Pneumotórax”, em que o poeta rememora “a vida inteira que podia ter sido e que não foi”. Diz Cagiano: “O título do livro instiga-nos a um eterno questionamento sobre a transitoriedade e relatividade das coisas, um ponderar sobre o nosso (de)lugar num mundo coisificado, remetendo-nos ao antológico poema bandeiriano (…).

            Baseado talvez na convivência mais próxima que teve com o autor, com quem já dividiu a autoria de Moenda de silêncios: encontros & desencontros na metrópole (São Paulo, Dobra Editorial, 2021), prêmio Programa de Ação Cultural (ProAC) do Governo do Estado de São Paulo, “novela de formação e escrita a quatro mãos”, o prefaciador explica que “o ambiente narrativo desencadeado por Whisner Fraga transmuta-se num caleidoscópio de sutilezas estilísticas, em que muitas vezes prescinde da linearidade ou da coerência das histórias (pois onde há caos não há estabilidade formal, mas ruptura (…)”.

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