Os Espirito Santo, Otelo e os 4 pilares do regime | Carlos Matos Gomes

O regime em que ainda vivemos assenta em quatro pilares fundadores: os Espirito Santo (representados pelo atual patriarca Ricardo Salgado), Otelo, Mário Soares e Eanes. Os Espirito Santo eram os banqueiros do regime de Salazar (não os únicos, mas os principais); Otelo foi o comandante da operação que derrubou o regime de Salazar (Marcelo Caetano não passou de um cuidador de tratamentos paliativos) e deixou o povo entrar na história; Eanes comandou o 25 de Novembro de 75, que abriu as portas ao regresso dos banqueiros e do seu sistema de criação de moeda, tarefa fundamental para a existência do atual regime de democracia liberal, um retorno de que Mário Soares politicamente se encarregou e apadrinhou.

O novo regime pós 25 de Novembro reestruturou o sistema financeiro português, aproveitando a reversão das nacionalizações de Março de 1975, varrendo os banqueiros da “velha guarda”, para integrar o capital nacional no sistema financeiro internacional e na dependência do espanhol, criando um mercado ibérico. Levou na enxurrada desde Champalimaud (Banco Sottomayor) a Cupertino de Miranda (BPA), os mais representativos desta classe. Foram substituídos por um banco da Opus Dei (Jardim Gonçalves — Milleninum/BCP, vindo de Espanha) e Maçonaria (BPI/Santos Silva). Do antigo regime, restou a família Espirito Santo, respaldada pelas ligações aos Rothschild e Rockfeller, à banca francesa e americana e aos interesses em Angola. (Era importante fazer a história do desaparecimento dos Banco Português do Atlântico e do Sottomayor.)

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Uma Longa Viagem com Vasco Pulido Valente | João Céu e Silva

O balanço de vida de uma das mais polémicas figuras da cultura portuguesa.

«Gostava de me ter dedicado à História do século XIX. Era o que deveria ter feito e nada mais. Deixar uma História completa desse século, que é tão importante para compreender o país que em grande parte ainda hoje somos», confessou Vasco Pulido Valente ao autor, numa das conversas iniciais que compuseram esta longa viagem. Uma viagem que começa com a fuga da família real para o Brasil em 1807 e que percorre mais de dois séculos da História do nosso país, até ser interrompida pela doença e morte daquele que foi uma das mais loquazes, lúcidas e acutilantes vozes da cultura e da comunicação social portuguesa.    

Em mais de quarenta sessões com o autor ao longo de dois anos, Vasco Pulido Valente fez a análise dos acontecimentos mais marcantes da História e da política portuguesa dos últimos duzentos anos: das invasões francesas à implantação da República, da ascensão de Salazar até ao período pós-25 de Abril e aos dias de hoje. Mas também nos fala da relação com Eanes, com Cunhal e, sobretudo, com Mário Soares, que considera o único fundador da democracia portuguesa; dos tempos do cavaquismo e de O Independente e da sua breve carreira na política, travada com a morte brutal de Francisco Sá Carneiro em Camarate. A esse respeito, confessa: «A minha vida foi cortada ao meio com esse acidente.»

Em Uma Longa Viagem com Vasco Pulido Valente, ficamos também a conhecer não só a história como o historiador, o homem através de cujos olhos a vemos, e que aqui faz um balanço da sua vida. Um homem que granjeou muitos inimigos à custa da sua prosa afiada e mordaz e uma das figuras mais polémicas da imprensa dos últimos quarenta anos. 

Atrapalhações cubanas | Francisco Louçã

Não sei se gosta de romances policiais e se leu o “Quarteto de Havana”. Vale a pena, esses livros são alguns dos raros mas saborosos casos em que a história foge do pitoresco e escapa ao padrão que define aquele estilo literário. São, simplesmente, grandes romances. Mas, como não podia deixar de ser, há um fio condutor, que no caso é a vida difícil, quem sabe se a decadência, ou devemos chamar-lhe a persistência?, de um personagem que nos conduz pelo dia a dia de Cuba: Mário Conde foi polícia, tornou-se detetive privado, é um desenrascador, vagamente justiceiro, além de ser um gastrónomo militante, sobrevivendo encostado aos milagres da cozinha da mãe de um antigo camarada de aventuras. Navegando pelas ruas de Havana, Conde chega onde os seus antigos colegas não vão, descobre o crime de um membro do Comité Central, investiga traficâncias de diplomatas, roubos de arte, negócios de emigrados, polícias corruptos e que fecham os olhos, contorna burocratas implacáveis. Há nos livros alguma tristeza, bastante nostalgia e um gigantesca afirmação de amor pela sua terra. E perdemo-nos em intrigas sem concessões, chegamos a finais amargos, o escritor não nos facilita a vida, a rotina continua em Havana.

Leonardo Padura, o autor, é mais conhecido por outros escritos ousados, “O Homem que Gostava de Cães” ou “Os Hereges”. Mas foi com Mário Conde que começou e foi assim que foi descoberto pelos seus compatriotas. Porventura por isso, Conde regressou em “A Transparência do Tempo” para novas rodadas. Graças ao “Quarteto”, a Conde e a toda a sua obra, Padura será o escritor mais popular no seu país, onde ninguém ignora que se trata de uma voz crítica. Por isso, quando a direita festeja os protestos populares nas ruas de várias cidades, fantasiando triunfantemente a vingança de Batista, e enquanto nas esquerdas as opiniões se dividem entre defensores do regime, incluindo alguns dos seus conversos mais recentes que, ao tempo do choque entre Krutchov e Castro estavam indefetivelmente do lado soviético, e aqueles que sentem o protesto popular sobre dificuldades reais de gente real, quando tantas palavras são esgrimidas sem candura, ficamos a saber mais sobre Cuba se o ouvirmos.

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