DO INÚTIL | Tiago Salazar

Que adianta ao meu íntimo mundo pessoal, e mesmo a vós, meus assíduos, se vos disser que sempre preferi o Messi ao Ronaldo, tal como o Barça ao Real Madrid. Prefiro a arte subtil e o sentido do artista que, embora sobredotado, nunca deixa de trabalhar para o colectivo que o admira. No relvado, entre colegas, e nas bancadas pasmadas, sem celebrar o golo como um vaidoso toureiro pavoneia o cravar da farpa (Messi não foi visto a fazer manguitos aos holandeses derrotados).

E depois, quase tudo em Messi me devolve a aura de Diego Armando que é inultrapassável, mas viu nele o legado alvi celeste e lhe passou o ceptro. E o rei negão que me desculpe. A Messi, bailarino de tango, só lhe falta o sentido dramático de um fadista.

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Messi vai à montanha, a crónica do dia na Tribuna | Bruno Vieira Amaral

“Talvez o que me irrite em Messi seja a persistência do génio, a forma metódica, maníaca, como não desperdiçou uma gota do talento com que nasceu, como, ao fim de quase décadas no topo, por lá se mantém sem um ano sabático, sem uma reforma antecipada que lhe permitiria o regresso triunfal, sem uma pausa, apenas um ligeiro declive após a saída do Barcelona.

Irrita-me porque a perfeição perfeita, infalível, é absolutamente desumana, desinteressante, vazia. É como um Deus todo-poderoso, infinito e imortal. Maradona era um deus grego, com o seu génio e mau génio, irascível e abrasivo, sanguíneo e sentimental. Sentíamo-nos abençoados por vê-lo e, lá no fundo, sentíamos que também ele precisava de nós. Era de carne e osso.

Messi é um deus abstrato, uma ideia. Sem rosto e sem história. Indiferente ao tempo, invulnerável. Como escrevia um amigo na ressaca de mais uma exibição fulgurante, ele faz aos 35 anos o que fazia aos vinte. É o mesmo jogador que sempre foi. Não se reinventou e nem sequer se aperfeiçoou porque tudo o que ele é agora já era quando começou.

O próprio tempo, ofendido com a audácia, tentou derrotá-lo, pondo-lhe um croata de vinte anos ao caminho, e Messi dobrou o tempo e o pobre croata com uma dança vertiginosa, como um parapsicólogo dobra colheres com o poder da mente. É o Alfa e o Ómega, não tem começo nem terá fim.

Bem, parece que terá um fim pois anunciou que a final será o seu último jogo com a seleção argentina. Mas o fim não lhe foi imposto pelo tempo, pela decadência. Foi ele que o decidiu. Estará aqui o seu gesto de húbris? Terá despertado finalmente a fúria dos outros deuses que guardaram para o fim a sua vingança? Lembro que, em 2006, Zinedine Zidane, outro génio, esteve a minutos de sair banhado com a glória suprema, embora para ele repetida, de campeão do mundo. E bastou um gesto para o condenar.

Talvez a explicação para a persistência do génio de Messi, para a sua assombrosa longevidade, seja mais simples: ao contrário de outros – Pelé, Maradona, Zidane, Ronaldinho – não foi campeão do mundo quando era jovem. E essa única, mas enorme, lacuna manteve o fogo vivo. Quando os outros já tinham descido a montanha, Messi continuava a imaginar o que haveria lá no cimo e, aos 35 anos, pôs-se uma última vez a caminho. No próximo domingo ou desce sem a revelação ou volta com o rosto transfigurado por se ter aproximado da presença divina. E não me admirava que no cimo do monte Horeb não estivesse uma sarça ardente, mas um espelho.”

Retirado do Facebook | Mural de Bruno Vieira Amaral