TRÊS CAMINHOS PARA LADO NENHUM | Viriato Soromenho Marques | Opinião/ DN

Nunca vivemos num período histórico tão perigoso. Os problemas são de uma complexidade e de uma intensidade verdadeiramente existencial. É nas horas difíceis que se revela a fibra de que são feitas as pessoas e as organizações que elas protagonizam.

Estamos a assistir à confirmação dessa tese, mas pela negativa. A ausência de visão estratégica e até de sensatez elementar não é apanágio luso, mas inquieta-nos particularmente testemunhar como este governo entrou num processo de autofagia e combustão interna.

Sem oposição, com uma Assembleia obediente e um Presidente facilitador, o governo resolveu desistir de ser um instrumento para que o país possa enfrentar os três caminhos ameaçadores da desordem internacional que ameaçam engolir Portugal, transformando-se ele próprio num problema sem sinais de solução próxima.

Identifiquemos a geografia dos caminhos para o desastre que nos afligem.

O primeiro é o da guerra. Recusando assumir a responsabilidade pelo interesse nacional, este governo limitou-se a seguir as vozes de comando da CE, da OTAN, e estas os imperativos dos EUA. Washington regressou à Europa, depois do interregno de Trump, como Ulisses regressou a Ítaca, reclamando os seus alegados direitos com uma determinação imperativa nas palavras e nos atos. O caminho de escalada militar, em vez da via diplomática do calar das armas, irá sempre terminar numa desgraça maior do que aquela que pretende combater. Com a destruição da Ucrânia, ou pior ainda, se Putin for encurralado na escolha entre derrota ou subida ao patamar nuclear. Estamos a jogar póquer com o inferno. Os poucos que estudaram algo sobre a guerra nuclear, sabem que na primeira salva nuclear serão escolhidos países sem arsenal nuclear. Traduzo para português vernacular: se Putin tiver de escolher um alvo, Portugal é mais elegível do que a França ou a Grã-Bretanha, para já não falar dos EUA.

O segundo caminho é o da renacionalização em precipitada cascata. Ao contrário do que falam os deslumbrados pela “unidade do Ocidente”, estamos embarcados numa rota com elevados riscos de fragmentação. A guerra e o efeito boomerang das sanções contra a Rússia estão a aumentar os níveis de pobreza e desespero social.

O protecionismo económico que Biden, descaradamente, atirou à cara dos “aliados europeus” é a prova do primado do egoísmo de grande potência. A “queda da Europa”, sobre a qual escrevi em 2014 e 2019, está num processo de aceleração. Se a Alemanha, depois de perder os combustíveis russos perder o mercado chinês — cedendo à estratégia mundial dos EUA que tem em Pequim o inimigo principal –, a constipação germânica provocará uma pneumonia em Portugal.

A UE parece tender para enterrar definitivamente o espírito originário do federalismo, entregando-se à reedição de mais uma rude “balança da Europa”, uma paródia do império romano-germânico onde os pequenos irão lutar pelas migalhas de uma união monetária dos grandes, também ela em declínio.

O terceiro caminho é o da generalizada e criminosa indiferença perante a aceleração rumo a uma época de calamidade ambiental e climática sem retorno. Precisaríamos de um governo que transformasse o merecimento do futuro no indispensável propósito da salvaguarda comum. Em vez disso, vemos a longa e negligente erosão das políticas públicas nacionais — de saúde, educação, habitação, transportes, agricultura, ambiente…– a lançar a sociedade portuguesa numa vertigem de revolta e crispação.

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