Polónia - a raposa no galinheiro | Carlos Matos Gomes

A Polónia está a caminho de se tornar a maior e mais sofisticada potência militar não nuclear da Europa. A militarização da Polónia não se baseia apenas, nem no essencial, na preparação para quaisquer ameaças que venham do Kremlin, mas reflete uma estratégia de ocupar o centro do poder na Europa Central e servir de ponta de lança do plano de longo prazo enunciado por Zbigniew Brzezinski, Conselheiro de Defesa dos Estados Unidos, há vinte e cinco anos, após o fim da URSS, na Conclusão do seu livro: «The Grand Chessboard»: Está na hora de os Estados-Unidos formularem e porem em prática uma geoestratégia de longo prazo na Eurásia. Esta necessidade resulta de duas realidades: A América é doravante a única superpotência mundial e a Eurásia é o palco principal do planeta (… ) A estabilidade da supremacia dos EUA sobre o mundo dependerão do modo como os EUA souberem manipular ou souberem satisfazer os principais atores geoestratégicos no tabuleiro. (…) O centro da Eurásia — espaço compreendido entre a Europa e a China só continuará a ser um “buraco negro” enquanto a Rússia não tiver resolvido os seus conflitos e decidido qual a sua atitude na cena internacional… Este livro tem como subtítulo «American Primacy and Its Geostrategic Imperatives» (1997) — A supremacia americana e os seus imperativos estratégicos.

A militarização e a americanização da Polónia é, tal como a guerra provocada na Ucrânia, uma jogada no xadrez pelo domínio da Ásia Central por parte dos Estados Unidos no seu conflito com a Rússia, impedindo-a de estabelecer alianças com a Europa Ocidental através de relações privilegiadas com a Alemanha. A Rússia tinha como estratégia uma aliança com a Europa através da Alemanha (que para a Rússia era a Europa), os Estados Unidos têm como estratégia utilizar a Polónia para impedir essa aliança, pressionar e desgastar a Rússia, de modo a impedir a constituição de um poder — de uma superpotência que pudesse constituir o terceiro vértice de um triângulo de que os outros dois seriam os EUA e a China.

O governo de Angela Merkel estava ciente destas estratégias e destes conflitos de interesses. No Verão de 2022, na sequência de um longo processo, a Alemanha aprovou a maior despesa para o aparelho militar nos últimos 83 anos, isto é, desde o nazismo, da ordem dos 100 mil milhões de Euros, o que representa 2% do seu orçamento. Aumentará as suas despesas militares dos 50 mil milhões anuais de euros para 70 mil milhões e com este plano a Alemanha pretendia ser a maior potencia militar europeia. Esta era a intenção dos dirigentes alemães que, para não ofenderem os Estados Unidos, lhes iriam comprar o material, incluindo o que a Alemanha fabrica ou isoladamente ou através de consórcios. A Alemanha aceitava enfraquecer a indústria militar europeia — que constrói aviões de combate e de transporte (Eurofighter e A-400, helicópteros — Eurocopter), navios e submarinos, por exemplo, a troco de os americanos os deixarem ser o pivô da Europa.

Mas para o papel de guarda avançada na Europa Central, os Estados Unidos tinham outra peça de serventia mais fiável e submissa: a Polónia.

No início de 2023 a Polónia anunciou o seu programa de militarização e americanização com a maior aquisição de armas convencionais americanas da história. Este mês de Março, Varsóvia assinou um contrato de US$ 4,75 mil milhões em mísseis Patriot, lançou as bases para sua maior compra de tanques de todos os tempos, encomendando 250 tanques M1 Abrahms dos EUA. Comprou 180 Carros de Combate K2 à Coreia do Sul, e outros 400 até 2030. Além disso, a Polônia comprou 48 aeronaves de ataque FA50, 1.400 Blindados de combate de Infantaria, aumentará os seus efetivos para 400.000 e atribuirá entre 3% e 4% do seu orçamento em despesas militares No curto prazo, a Polónia adquiriu 500 HIMARS dos EUA.

Para além destas aquisições de armamento convencional americano — com os consequentes benefícios para o complexo militar industrial dos EUA e para a sua balança comercial, a Polónia ratificou a presença permanente do 5º Corpo do Exército dos EUA, aceitou a instalação de bases para armamento nuclear e estreitou os laços crescentes com os militares britânicos, os tradicionais agentes dos EUA na Europa.

A opção da Polónia pelos Estados Unidos merece ser analisada e ajuda a perceber o mundo no curto e médio prazo. A primeira conclusão a tirar desta opção da Polónia pela estratégia dos EUA é que a União Europeia com estes membros não necessita de inimigos para se tornar irrelevante e até sem qualquer préstimo, para ser um pequeno casino de burgueses decadentes.

A Polónia é um estado-nação muito recente, surge em 1918, na sequência de reorganização europeia após a IGG, enquanto entidade politica com os atributos de um estado-nação do tipo europeu ocidental. Antes os territórios e os povos haviam estado envolvidos nas turbulências das relações entre a Rússia e a Prússia, e também das guerras napoleónicas.

A integração da Polónia como estado vassalo de primeira linha dos EUA, a par da Inglaterra, merece reflexão aos outros estados da união Europeia e aos dirigentes desta, se tivessem engenho para tal. Devemos interrogarmo-nos, os europeus ocidentais, os europeus mediterrânicos, que União é esta em que alguns dos seus membros preferem estar debaixo do domínio dos EUA do que participar no esforço coletivo europeu de desenvolver um espaço político e social de defesa de direitos e de solidariedade, fora das imposições estratégicas da maior e mais agressiva potência imperial? Outra questão que a americanização e militarização da Polónia coloca é da posição da Alemanha, o “motor da Europa”. A militarização da Polónia significa que os Estados Unidos criaram um contraponto aos alemães, um estado-polícia que limitará a autonomia política e estratégica dos alemães (que já era pouca). Condicionada pelo poderio militar da Polónia, a Alemanha perderá acesso aos grandes mercados e aos grandes negócios na Europa e no mundo, com as consequências previsíveis no seu desempenho económico. A melhor estratégia para reduzir a Europa a um subúrbio americano é manietar a Alemanha, debilitá-la economicamente. É um dos papéis que os EUA atribuíram à Polónia. O outro é, obviamente, servir de guarda avançada na Eurásia. Para os EUA a eleição da Polónia como o seu xerife local tem ainda a vantagem de esta não pertencer à zona euro e ser, portanto, muito mais permeável às estratégias do dólar para se manter como moeda de troca mundial!

A Polónia tem todo o direito de defender o que considera serem os seus interesses, mas os europeus de outros estados e a União Europeia (o que resta dela) também, e não é aceitável (porventura a UE já aceita tudo) que estes tenham no seu seio quem apenas utiliza a União em seu proveito (uma vaca leiteira), sujeitando-se ao domínio de uma entidade estranha e não em se integrar num esforço comum europeu.

O alargamento da U E a todo o vapor promovido pela Inglaterra (por Blair, o serviçal sorridente) foi efetuado para dar estes resultados. Esta U E, com a Polónia a fazer o papel de grupo Wagner dos EUA, é um corpo em decomposição. É altura de pensar numa outra entidade que agrupe os estados ocidentais — uma entidade mais pequena, mais coesa, mais autónoma. A realidade é a existência de várias Europas. A Polónia e a Alemanha demonstram-no e estes programas de militarização de acordo com a estratégias dos EUA de satelizarem os estados europeus conduzem a um confronto que os favorece dentro do principio de dividir para reinar.

Para já, no Leste europeu, temos dois grandes estados historicamente inimigos poderosamente armados e a servirem interesses divergentes. Uma bela mecha para incendiar uma fogueira. A Leste, nada de novo…

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