QUANDO A SALVAÇÃO ESTÁ NA CONTRADIÇÃO! | Hugo Dionísio

As manchetes sobre o conflito no leste europeu ressoam dizeres sobre uma “ofensiva de primavera” a qual, segundo “entendidos” especialistas, visará cortar a ligação terrestre entre a Rússia e a Crimeia. Tal esforço, não deixará de contar com amplos apoios dos EUA e seus apêndices geográficos como a EU, a NATO, e os países do chamado AUKUS, numa consagração, “informalmente assumida”, do principio, segundo o qual, todos somos parte interessada nesta guerra de potências.

Como se provará, após a primavera, a não ser que as forças leais ao odioso regime de Z., sejam capazes de incutir uma derrota fulminante nas forças russas, pouco resultará dessa “ofensiva” que não constitua, na prática, mais um passo decisivo na derrota estrutural do Banderismo.

Para tal não suceder, não basta cortar a ligação terreste com a Crimeia. É fundamental que a ofensiva resulte numa viragem estratégica do conflito, tirando ao exército russo uma iniciativa que retém, desde o ido dia 24 de Fevereiro de 2022, provocando uma retumbante derrocada na imagem interna do presidente Putin e sua queda. Tal sucedendo, voltará à agenda dos EUA, a instalação de uma base da NATO na Crimeia e a remoção do único porto de águas quentes da federação russa, com todas as consequências que tal daí adviria, não apenas para o povo russo, mas para a própria China.

Este objectivo, por assim dizer, não se afigura nada fácil. Para além de as forças russas terem sempre assumido a iniciativa militar, obrigando o exército leal a Z., a uma postura predominantemente reactiva; desde o início da “operação militar especial”, nunca, mas mesmo nunca, as forças de Z. lograram conseguir conquistar, uma cidade ou povoação, pela via da derrota das forças inimigas. Tal não sucedeu, na região de Kharkov, em que as forças russas optaram – perante o esforço que previram como necessário empreender – por retirar, evitando perdas desnecessárias de homens e material. Tal sucedeu, ainda menos, na região de Kherson e Zaporizia, cuja retirada foi devidamente programada, no tempo e na forma.

A partir deste reposicionamento defensivo das tropas russas, nunca mais, as forças leais a Z. recuperaram 1 metro quadrado de território. Hoje, ao que nos é possível constatar, o exército russo encontra-se em movimento ofensivo e tem conquistado vantajosos locais, ao longo de toda a linha da frente. Conta, também, com enorme vantagem numérica e, segundo muitos, qualitativa, nas mais diversas áreas. Não será a colecção de obsoletos e logisticamente problemáticos blindados que fará real diferença. Se o exército ao serviço da NATO receberá cerca de 400 tanques problemáticos, as forças russas receberão mais de 1000, a juntar aos que já tem no local, novinhos em folha e dotados das mais modernas tecnologias.

Assim, alguém me explique como é que, com substancialmente menos blindados, munições, soldados, aviões, e muitas outras valências, se espera que a “ofensiva de primavera” tenha sucesso. E tudo isto, numa fase, em que as forças russas – ao contrário do que sucedeu antes – se entrincheiraram e fortaleceram com bunkers e outros obstáculos defensivos. Se a ofensiva anterior, a qual levou à retirada das forças russas para posições defensivas mais vantajosas, provocou um verdadeiro banho de sangue, desta feita, que resultado prever?

Às portas de mais um “Azovstal”, desta feita em Artemovsk (Bahkmut no dialeto ucraniano), provavelmente em Adiivka, Ugledar, Kupyansk e por aí fora, sabendo nós que as forças russas não se defendem com pás, nem com hordas humanas, muito pelo contrário (a que ridículo se chegou!!!)… Cabe perguntar… E após a ofensiva? O que sucederá?

A loucura, da elite estado unidense – os verdadeiros contendores ocidentais –, transformou, aquele que poderia ser abordado como um conflito lateral, numa guerra existencial. Se, para os russos, esta situação sempre foi existencial, para os EUA estava longe de o ser. Como potência pretensamente hegemónica, os interesses geoestratégicos estão dispersos pelo planeta. Contudo, algo levou a que o partido democrata e o clã Clinton/Biden tenham tomado a opção de tudo concentrar ali, não na Ucrânia, que é carne para canhão, mas na Rússia. O bombardeamento, por milícias pró Iranianas, das forças americanas ocupantes de parte do território Sírio, demonstra que a manta é realmente curta.

Ao contrário do que pensa muito boa gente, iludida com as intermináveis horas de propaganda sem fim, o foco dos EUA não está centrado na Ucrânia…. Está centrado na Rússia e nos seus incontáveis recursos naturais, os quais preenchem toda a tabela periódica de elementos químicos. Conseguir a Rússia, significam 20 anos de expansão imperial, mas, mais importante ainda, significa bloquear a China. A China, só é o que é, porque tem recursos naturais. Se, pelo mar, os EUA procuram o bloqueio via AUKUS, por terra, é nas terras russas que se encontra a resposta. Se a coisa apertar, é também a Rússia que detém, ainda, o poder bélico para colocar em xeque os EUA.

Daí que, esta histeria, loucura, ilusão, o que lhe queiram chamar, foi a cartada decisiva que os EUA decidiram jogar. Hoje, todas as suas forças se concentram nesta cartada. Provando que os EUA constituem, de facto, um força quezilenta, fracturante, opressora e assediadora, a realidade demonstra que, de onde saem as suas forças, rapidamente os – antes inimigos – se conciliam.

Vejamos… Os EUA saem do médio oriente e logo assistimos à conciliação entre a Siria, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. A Turquia está destinada a entender-se também com a Síria e Irão, bem como a Arábia Saudita lá encetou conversações com o seu – antes – arqui-inimigo Irão. Toda esta aproximação resultou num isolamento de Israel, que antes vivia da divisão entre Xiitas e Sunitas Wahabitas. Já, na India, segundo importantes especialistas, acredita-se que, a entente Sino-russa, que tão grande pânico provoca nos EUA, possa vir a ter um papel positivo na aproximação e entendimento entre os dois maiores países do mundo.

À medida que sucede esta aproximação, também segue de vento em popa a desdolarização. A federação russa declarou passar a fazer os seus pagamentos internacionais em Yuan, a Arábia Saudita vai iniciar o mesmo processo, o Irão já lá está e, a Indonésia, para lá caminha, pois já declarou ir desistir da rede Visa e Mastercard.

O que vemos aqui pode ser esperançoso. Afinal, representa uma autêntica revolução nas estruturas internacionais formadas a após a segunda guerra mundial e fortalecidas, em prol do império estado-unidense, principalmente, após a queda a URSS. Contudo, a relação entre esta Rota da Seda para um mundo novo, livre de centenas de anos de domínio colonial pelo ocidente, com a decisão, das elites estado-unidenses, em colocar todos os ovos no cesto russo, usando a Ucrânia como bala de canhão, torna tudo este caminho muito perigoso.

A cartada russa é, pois, vital para os EUA. A este propósito, nos últimos dias, Putin, deu mais uma machadada nessa estratégia, ao noticiar a intenção e instalar misseis nucleares na Bielorrússia. Ora, o que mais preocupa os EUA não são os mísseis em si, pois eles estão por toda a parte – seus e dos outros. O que mais preocupa os EUA, e seus apêndices europeus, é o significado ultimo da colocação dos referidos mísseis, logo na Bielorrússia. É que, esta decisão implica uma ampla intersecção entre as forças militares dos dois países e, logo quando a EU preparava uma nova leva do processo “Guaidó”, para destituir Luckachenko, Putin vem declarar: “acabaram-se as revoluções coloridas naquele país”! É que, sem exército… sem conquistar o “afecto” desta estrutura fundamental de um país, não é possível fazer funcionar uma “revolução colorida”. Lembremos que, as “revoluções coloridas” são ferreamente assistidas contra os seus povos, pois, quase sempre, são “lideradas” por nacionais estrangeiros bem-educados e vividos, no ocidente.

Caído o Cazaquistão e a Bielorrússia, mal encaminhada a Ucrânia, os EUA podem começar a ver esfumar-se a sua cartada russa. Num momento de crise estrutural do sistema – não, já não são as crises periódicas -, este império tende a fazer o mesmo que os outros antes dele: apropriar novos territórios, novas riquezas.

Eu bem sei que o que anda por aí a tese de que é que a “Ucrânia” – sabemos bem que não é a Ucrânia – que está a ganhar a guerra, que os russos estão cheios de medo e Putin está em pânico. Mas este relato foi o que levou o ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros Indiano a dizer que: chegando a Nova York e ligando a televisão, ficou atónito com o “nível de insularidade a que os EUA se estão a reduzir”. Como ele referiu, ligar uma TV nos EUA é como que “aceder a um mundo à parte” e ao contrário da realidade que se conhece no resto do planeta. Acrescentaria eu que, não é só nos EUA… Também sucede nos apêndices.

Logo, fica a pergunta: o que acontecerá quando a Ucrânia vir derrotada a sua “ofensiva de primavera”, ou, pelo menos, dela sair aniquilada por nela empreender tal esforço que, daí resulte a derrota estrutural do regime de Z.? Restando apenas os escombros, sobre os quais os EUA montaram esta arma de disparo contra a federação russa? Sem exército, com mais umas dezenas de milhares de jovens mortos, os fan boys de Bandera sairão muito desmoralizados e ficará, ainda mais transparente, a incapacidade, deste projecto ocidental, para derrotar um país da dimensão da federação russa.

Saber o que a histérica elite estado-unidense fará, para além de carregar com ainda mais propaganda, dinheiro e armas, aquele pobre povo, governado por um regime que defende interesses estrangeiros, não será propriamente um enigma. A extrapolar, pela importância vital que foi dada à conquista russa e, pela estratégia do precipício, que tem vindo a ser assumida…. Podemos mesmo estar confrontados com uma espécie de: a cura do mundo pode ser a sua morte. A submissão da elite estado unidense a derrotas constantes e crescentes, sendo absolutamente necessária, pode também tornar-se mortalmente perigosa.

Para já, não se vislumbra uma qualquer melhoria no estado actual de coisas. Sem liderança alguma, a europa está entregue a um conjunto de vice-reizetes como Macron e companhia, que fazem como qualquer funcionário lambe-botas: matam, se preciso for, para satisfazer a vontade do chefe. A Alemanha teve uma enorme greve geral, a França está em estado de guerra permanente, mas nem um, nem outro, podem – por cobardia, seguidismo e incompetência – fazer o que quer que seja. A Inglaterra caminha para a antagonização com a Escócia e para a autoflagelação. Alguém é capaz de informar aquele povo de que a vitória do Labor nada mudará? E por cá? Por cá faz-se o que mandam por lá… Logo, é igual.

Daí que, entregue a um gangue de “Bullys” que assistem – com incompetência e impotência – à desagregação do que os seus ancestrais lhes deixaram, temo prever que, após mais uma derrota – transformada em vitória retumbante pelas caixas de ressonância habituais – assistiremos, necessária e previsivelmente, a mais um passo na escalada de confrontação.

Contudo, existe algo que nos pode salvar a todos – mas não sem grande sofrimento. Michael Hudson diz “o petrodólar está morto, mas ainda não sabe que o está”; “e quem o matou foi o seu próprio dono”. Criando o petrodólar para fazer do dólar uma moeda de reserva que trouxesse estabilidade, foram os próprios EUA que, com a sua atitude prepotente, o mataram. Quando alguém fazia algo que não lhes interessava, sancionavam e roubavam as reservas. Até um dia. Até ao dia em que todos viram que, alto lá, ter dólar é muito perigoso.

Sem petrodólar não existe superpotência, não existe superexército, ou, existindo, tal só será possível à custa de, ainda mais, miséria para o seu povo e maior exploração dos apêndices geográficos, como aquele em que vivemos…

Talvez seja esta a contradição que nos salve a todos…. Pois, no final, aprenderemos que nada temos que os outros queiram ou realmente necessitem. Se, hoje, ainda temos um mercado de consumo, por este caminho, nem isso teremos. Alguém me dizia que “a Apple vai sair da China e a China vai cair”. E eu respondi: “ninguém come Iphones”; “se saírem, o que eu não acredito, farão um enorme favor aos que lá ficam, sejam quais forem”; “no final, o que conta é se comemos, bebemos, temos electricidade e dinheiro na conta”. Disse ainda, “que o que conta é o que fazemos nós próprios, como o fazemos e não o que mandamos os outros fazer por nós”! E ele percebeu que, por este caminho nada restará, nada teremos para trocar, a não ser armas que os outros também têm. Num mundo multipolar, não será a opressão que reinará, será a troca entre iguais…

Nesse dia, teremos de mudar tudo, e pode ser essa a nossa salvação.

Hugo Dionísio

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