GIRO DO HORIZONTE – O PARCEIRO BOM DO ARCO DA GOVERNAÇÃO – por Pedro de Pezarat Correia

pezaratHá uma manobra em marcha nos escombros da política nacional, às vezes mais camuflada, outras vezes mais descarada, que merece ser seguida com alguma atenção e com não menos preocupação. De resto nem sequer é totalmente inédita, tem antecedentes, que radicam mesmo no limiar do sistema democrático desta Segunda República Constitucional.

A manobra passa por fazer crer que, neste (des)governo Passos Coelho/Paulo Portas há, desde a sua posse, o parceiro bom e o parceiro mau. É um pouco a reediçãoda história do bom ladrão e do mau ladrão. O parceiro mau é o PPD/PSD, o partido maioritário do primeiro-ministro e chefe do bando, do Miguel Relvas oportunista e sinistro manipulador dos bastidores políticos e de Vítor Gaspar, o frio tecnocrata e infiltrado da tróika no executivo nacional onde impõe as receitas da austeridade custe o que custar. O parceiro mau é o da insensibilidade social, que despreza as pessoas, impõe a ditadura das finanças, falha todas as previsões, joga despudoradamente com o desemprego galopante como factor determinante do modelo económico que perfilha, a competitividade externa baseada em baixos salários.

O parceiro bom é o CDS/PP, o partido minoritário de Paulo Portas que se serve do seu cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros para se por a recato nos momentos mais comprometedores, dum ministro da caridadezinha que tenta passar despercebido e distanciar-se dos calamitosos efeitos sociais dos golpes desferidos contra o Serviço Nacional de Saúde, contra a Escola Pública, contra o factor trabalho, contra os direitos mínimos dos desempregados, dos doentes, dos aposentados. O parceiro bom é o que tenta transmitir a imagem do sacrificado, do que está no governo sem prazer e sem benefícios mas por missão, que reconhece os pecados da governação mas se esforça por minimizá-los, que tenta introduzir as boas medidas ou atenuar as más medidas. Preocupa-se com o desemprego mas não domina a pasta da economia, é contra os enormes aumentos de impostos mas não tem nada a ver com a pasta das finanças, empenha-se no fomento das exportações mas vê-se bloqueado pela ineficácia do responsável pela economia, pela avareza do senhor das finanças, pela incompetência do chefe do governo. É contra a marginalização da oposição e dos sindicatos, pelo diálogo aberto, maschoca-se com a arrogância e a inépcia do parceiro maioritário. Apela por uma remodelação profunda do executivo, mas contenta-se com um superficial arranjinho. É muito sensível às carências, às desigualdades, às ruturas sociais, mas não pode levar as críticas às últimas consequências para evitar abrir uma crise política. O parceiro bom intriga nos corredores, lança recados pela comunicação social, deixa pairar ameaças, mas acaba sempre por ceder. Por necessidade. Por patriotismo.

Este é o quadro que se pretende exibir e que tem como principal promotor, obviamente, o CDS/PP e o seu inteligente mentor, Paulo Portas. Nada de novo.

O mais interessante é que o principal destinatário desta mensagem não só se mostra receptivo como até, por sua iniciativa, se encarrega de a alimentar. Também aí, nada de novo. É recorrente, no discurso do PS, a tentativa de demarcar o CDS do PSD, o bom do mau. E não apenas com a intenção de tentar fragilizar a coligação, dividi-la, provocar a rutura. O objectivo é mais longínquo, visa o pós-governo, assegurar o parceiro à direita, no mal-afamado “arco da governação”, quando de novas eleições lhe vier a cair no regaço um poder precário de maioria relativa.

O CDS está na mesma jogada. A sua ambiguidade de parceiro bom num governo péssimo visa assegurar a futura aliança com o PS. A lógica do arco da governação que tanto gosta de proclamar é essa, manter-se como parceiro menor, mas pivot da alternância entre PS e PSD. É este o pilar do maquiavelismo realista de Paulo Portas e já está em marcha.

O eleitorado português tem embarcado neste equívoco e com que preço. Tarda a acordar para a dura realidade, a ver que tem sido este arco da governação que, desde 1976, vem sistematicamente cavando o buraco em que nos vimos enterrando. É um arco em túnel e sem saída.

15 de Abril de 2013

http://aviagemdosargonautas.net/2013/04/15/giro-do-horizonte-o-parceiro-bom-do-arco-da-governacao-por-pedro-de-pezarat-correia/ … (FONTE)

Álvaro Cunhal por Pedro de Pezarat Correia

alvaro_1998_200pcNo passado sábado, 23 de Março, numa Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa completamente lotada, teve lugar uma sessão cultural evocativa da figura de Álvaro Cunhal, que inicia um ano dedicado às comemorações do centenário do seu nascimento. Não pertencendo nem nunca tendo pertencido ao Partido Comunista Português (PCP) situo-me, porém, no grupo daqueles que consideram que o PCP se inscreve na área política que gostariam de ver o povo português escolher para liderar os destinos do país. Aqui fica o meu registo de interesses para que não haja equívocos com esta nota no GDH.

Com muito gosto aceitei o convite que me dirigiram para integrar a Comissão Promotora e estive presente na Aula Magna onde, entre muitas vantagens, beneficiei da oportunidade de ouvir mais um magnífico discurso do reitor da Universidade, professor Sampaio da Nóvoa. Guardo de Álvaro Cunhal, do cidadão, do resistente e precursor do 25 de Abril, do político, do estadista, do intelectual multifacetado, um profundo respeito. Particularmente agora, quando as figuras menores que têm passado pelo poder sem honra e sem dignidade vêm aviltando a imagem dos políticos e da democracia – e este é dos pecados maiores que lhes devem ser cobrados –, é justo e é pedagógico, evocar alguém que se empenhou profundamente na política sem mácula, sem cedências susceptíveis de violarem os princípios, os valores, os compromissos. Álvaro Cunhal era uma referência para quantos, independentemente dos sectores ideológicos e partidários em que se situassem, cultivavam o rigor na gestão da polis, na política, porque era de uma enorme exigência. Mas começava por ser exigente consigo próprio. Concordasse-se ou discordasse-se dele, confiava-se nele.

Recordo que, quando partilhei algumas responsabilidades no país e, com os meus camaradas, discutíamos ou analisávamos a situação política, o sentimento generalizado em relação a Álvaro Cunhal era o de que se tratava de um homem de carácter, credível no que dizia, fiável naquilo com que se comprometia. Aí pela década de 90, quando eu já estava reformado da vida militar e Álvaro Cunhal já deixara a liderança do PCP, encontrávamo-nos, não com muita frequência mas com alguma regularidade, por vezes com mais dois ou três amigos. Eram conversas privadas, interessantíssimas, trocas de impressões passando em revista as conjunturas nacional e internacional. E Álvaro Cunhal gostava de frisar o que mais o marcara quando teve de lidar com os militares na política no período revolucionário e nos anos em que perdurou o Conselho da Revolução e um militar na presidência da República: eram homens de palavra. E isso fora decisivo na manutenção de relações de respeito mútuo.

Há um aspecto que não posso deixar de registar. Hoje, quando a União Europeia navega em águas agitadas sem rumo perceptível e em que os chamados países periféricos sofrem as consequências de decisões que parecem tudo menos inocentes, é oportuno recordara voz lúcida de Álvaro Cunhal que na altura muitos acusaram de “velho do Restelo”. Quando os responsáveis políticos embandeiravam em arco com a adesão à Comunidade Económica Europeia e a entrada no “clube dos ricos”, quando a maioria do povo português embarcava na euforia da festa das remessas dos fundos estruturais e se empanturrava em betão a troco do abandono da agricultura, da extinção da frota pesqueira, do esvaziamento da marinha mercante, do encerramento de indústrias de base, Álvaro Cunhal alertava e repetia: os portugueses irão pagar isto. Era ouvido com cepticismo. Não me excluo, a palavra de Álvaro Cunhal levava-me a reflectir, mas deixava-me dúvidas.

Álvaro Cunhal tinha razão. Os portugueses estão a pagar isso.

25 de Março de 2013

http://resistir.info/portugal/pezarat_cunhal_25mar13.html (FONTE)