(…) À situação em que estamos | Carlos Matos Gomes in “Facebook”

A semana passada foi dominada pelos 2 primeiros personagens e por aquilo que as suas organizações representam. O novo papa da Igreja Católica, um desconhecido que de uma hora para a outra se transformou numa estrela planetária, reuniu o circo mediático para dizer o que os sacerdotes de todas as religiões há milhares de anos dizem: acreditemos nos deuses que só eles nos resolvem os problemas.

O segundo (Durão Barroso), também um apostolo da fé no pensamento comum, veio dizer-nos, através do assalto aos depositantes dos bancos de Chipre, que a sua organização faliu, mas convém que não fujamos sem sermos devidamente sangrados, como os cordeiros dos sacrificios pascais. Os dois são figuras conhecidas, omnipresentes.

Reunem à sua volta os holofotes para nos deitarem água chilra sobre as nossas chagas e contarem lengalengas para nos iludirem as dúvidas e os receios. O terceiro é um desconhecido para a maioria. Robert Castels, um pensador (filósofo?, sociólogo?) francês, que morreu na passada semana (a da eleição do papa Francisco e da inaudita medida da Uniião Europeia sacar 10% dos depósitos, para já em Chipre).

Conheci Robert Castels, no ISCTE, através dos livros, no inicio da década de 80. Ele fez-me confrontar com o paradoxo da sociedade industrial, de que a atual situação é o corolário: de tanto nos esforçamos para não termos que nos esforçar, de termos entendido o progresso como a varinha mágica que tudo se resolve com um botão de eficiência, chegámos à sociedade do mercado e do desemprego (nesta sociedade, desde que haja energia barata, tudo pode ser alcançado sem trabalho), da precaridade, da insegurança social. À sociedade em que os homens são, em primeiro lugar desnecessários, depois prejudiciais, e a seguir um custo a eliminar. À situação em que estamos. É evidente que o circo mediático coloca diante dos nossos olhos em doses macissas os que nos garantem que nada mais há a fazer que rezar, deixar-nos levar e confiar em quem nos tosquia antes de nos sacrificar.

Carlos Matos Gomes  in “Facebook”

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