31 de Janeiro de 1891 – A tentativa de uma revolução | In O Militante por Pedro Ventura

militante_logo2A partir de 1850, o sistema monárquico-constitucional português entra numa nova fase caracterizada pela luta entre facções liberais, que dariam origem à formação de um bloco social constituído para gerir os negócios públicos segundo uma estratégia desenvolvimentista subalternizada aos interesses económicos da Inglaterra, e que beneficia uma burguesia que iria prosperar através da especulação e dos negócios de importação e exportação, bloqueando o crescimento acelerado de uma burguesia nacional de inserção industrialista. Assim, Portugal torna-se, no fundo, uma «colónia» ou protectorado de Inglaterra. 

Contrariando este movimento de capitulação aos interesses estrangeiros surge uma indústria, que explorando nichos do mercado interno e aproveitando-se do crescimento acelerado das cidades, nomeadamente Lisboa e Porto, desenvolve e assenta bases ao nível da pequena burguesia, e um povo insatisfeito que cada vez mais considera que o regime político capitulou aos estrangeiros. Este período é fértil em lutas sociais que envolvem os operários, os artesãos e também o sector do comércio, como reflexo do choque entre os interesses capitalistas, as relações pré-capitalistas inferiorizadas e a aparição de propostas políticas visando a construção de uma sociedade mais justa. Um povo explorado, sujeito a longas jornadas de trabalho, com salários baixos, sem protecção social, sobrevive famintamente à crise política mas passa a beber do republicanismo o discurso político e ideológico de ruptura nas camadas sociais marginalizadas e excluídas.


A afirmação de uma data, no caso o 31 de Janeiro de 1891, contribui para balizar os episódios que levaram à instauração, através de uma revolução, do regime republicano em Portugal. João Chagas referia-se à revolta do Porto como «o mais luminoso e viril momento de emancipação que ainda sacudiu Portugal no último século». Constituiu, por isso mesmo, uma primeira tentativa para vencer o amorfismo político que se vivia.
Em Portugal, os partidários da República enfrentavam uma situação de enfraquecimento de posições. Poucos anos antes do 31 de Janeiro, Elias Garcia, então o dirigente do Partido Republicano Português (PRP), propunha a pura e simples dissolução desse partido. Tal se devia à completa impossibilidade da existência de uma organização que pudesse competir com os chamados partidos rotativos e constitucionais: o Regenerador e o Progressista, que, alternando a governação, iam disputando os principais cargos políticos e, por consequência, a administração dos negócios do Estado mais lucrativos.
A situação portuguesa em Janeiro de 1891 ainda vivia o rescaldo do Ultimatum, que desfizera os sonhos de grandeza anexionista colonial que as agremiações de cariz nacionalista alimentaram junto da opinião pública urbana. A questão colonial era, como muitas outras, um assunto internacional do momento, tal era o interesse generalizado das grandes potências europeias em disputar, através da anexação, os territórios das antigas potências medievais, no caso Portugal e Espanha. Bem conscientes de um passado de grandeza histórica, os políticos portugueses do fim de Oitocentos julgavam possível igualar nos mapas as grandes manchas imperialistas que iam colorindo África e simbolizavam, para todos os efeitos, o estabelecimento da Union Jack britânica e da Tricolor francesa em territórios inexplorados mas prometedores de farta recompensa material. A fuga para África, e em especial a corrida às matérias-primas africanas, explica o desenvolvimento de uma nova fase da economia, o capitalismo financeiro deixa as fronteiras do Ocidente e torna-se internacional, aplicando para isso todas as suas forças militares como forma de afirmação e demarcação de territórios.
O capitalismo liberal dava lugar ao capital financeiro, à época dos interesses imperialistas das principais nações desejantes de hegemonizar os povos e de redividir o mundo em prol dos seus interesses financeiros.
O Estado português, no caso corporizado pela figura do Rei, assumia algo que era impensável para a maioria da opinião pública esclarecida: o Portugal de Oitocentos tornara-se numa colónia de Inglaterra e, estando subjugado aos interesses da potência dominante, mais não era do que um «peão de brega» no complexo xadrez geo-político internacional. Paralelamente, vai crescendo a semente do nacionalismo em Portugal, sabidamente regada pelos Republicanos, que assim vão erodindo as bases do regime monárquico em Portugal.
A questão do Mapa Cor-de-Rosa consistiu num venenoso amontoado de equívocos, falsas esperanças de participação no jogo das grandes potências e, sobretudo, na cedência ao sentimento nacionalista de preservação das colónias, instigado por uma massa cada vez maior de republicanos. Uma imprensa dominada pelos sectores mais avançados do PRP publicitava ininterruptamente a incapacidade da Monarquia em defender os interesses de Portugal perante as grandes colónias.
As grandes empresas monopolistas internacionais, com o braço armado dos respectivos Estados Nação, criticavam a posição republicana portuguesa e demonstravam pelas armas, com a ocupação de territórios, que uma nova ordem mundial estava a nascer. A Inglaterra ocupa posições de Espanha em África, enquanto a França ocupou o Vale do Nilo sudanês.
As reivindicações de Portugal de soberania sobre os territórios que preenchiam o gigantesco e quase desconhecido hiato entre a costa angolana e moçambicana confirmar-se-iam poucos anos mais tarde, quando da imperiosa necessidade de plena ocupação do hinterland da então África Oriental portuguesa, através das campanhas de Mouzinho de Albuquerque, Caldas Xavier, Serpa Pinto e outros «africanistas».
O problema que o Ultimatum colocou ao regime da Monarquia Constitucional deveu-se menos à questão pendente com os ingleses – rapidamente resolvida – do que à luta política interna. Um Estado de que tantos dependiam era sempre apetecível fruto de disputa partidária, devido à necessária e quase sempre conflituosa luta pelos cargos públicos e hipóteses de administração de capitais de investimento em obras e melhoramentos, quando não da concessão de rendosos negócios.
Para o sector republicano a defesa da simples mudança na forma de representação do Estado surgia quase como garantia de um almejado renascer, propiciador de todos os possíveis progressos, numa época em que ser-se avançado era um quase sinónimo de humanidade civilizadora, ou melhor.
Esta questão colocava-se também relativamente às colónias e a sua manutenção enquanto território de administração portuguesa. Acossada pelas potências imperialistas, no caso a Inglaterra e o império Austro-húngaro, a monarquia encontrava-se dependente financeiramente destas, eclipsando as possibilidades de manutenção dos territórios africanos e asiáticos dada a sua incapacidade de administrar estes vastos territórios. Os republicanos vão catalisar para a sua causa os mais fundos sentimentos nacionalistas de preservação do que restava do antigo império português construído no século XV, afirmando-se assim quem considera que o território nacional não é apenas o continental mas um todo com representação em África e Ásia. Cria-se, desta forma, uma mentalidade colonial no seio dos republicanos contra uma falta de vigor nacionalista característica da monarquia.
Perante a inacção do Governo, o povo das duas principais cidades portuguesas acabou por coagir poderosamente quem era responsável pela negociação dos interesses nacionais. A Monarquia cedeu à palavra de ordem dos Republicanos e assim principiou a queda do Rei.
Os danos causados pelo rápido acordo com os ingleses levaram a um prejuízo maior do que aquele teoricamente infligido pelo Ultimatum, pois se o primeiro Tratado – rejeitado no Parlamento mercê da pressão da opinião pública – concedia a Portugal uma ligação fluvial entre as duas grandes colónias africanas, aquele que mais tarde seria ratificado deixava apenas a nascente – em Angola – e a parte final do grande Zambeze que desagua no Canal de Moçambique.
A independência nacional defende-se na base da comunidade de interesses nacionais básicos contra quaisquer posições sectoriais que joguem contra eles. É por isso que irromperam com particular força e um pouco por todo o mundo «explosões» sociais de afirmação ou reafirmação nacional, decapitando as monarquias visto que estas se afastaram dos propósitos de soberania nacional.
Ressacando do Ultimatum inglês de 1890, o PRP reuniu o seu congresso na Invicta a 1 de Janeiro de 1891. Num clima de patriotismo exaltante, e procurando resolver problemas internos que a família republicana atravessava, as proclamações dos chefes republicanos do Porto encontraram eco nos activistas republicanos da cidade, que acabaram por ultrapassar os desejos dos «chefes». A tensão explode a 31 de Janeiro de 1891: um grupo de Sargentos de Caçadores 9 (daí o dia do Sargento ser a 31 de Janeiro) conduziu o batalhão à actual Praça da República, então Campo de Santo Ovídio, seguindo mais uma vez os caminhos da revolução, pois fora aí que, setenta anos antes, começara a revolução liberal de 1820.
A notícia da «revolução» no Porto começou a circular rapidamente, ventilando-se os nomes e as unidades da guarnição militar da cidade que estariam envolvidos. O momento parecia propício, até porque a insatisfação no corpo de sargentos oferecia uma oportunidade para a manifestação do descontentamento do grupo.
Os revolucionários tentaram fazer sair os militares de Infantaria 18, sem efeito, apesar dos apelos e comando corajoso do Alferes Malheiro e do Tenente Coelho. Seguiu-se a aclamação de Alves da Veiga, que proclamou a República e içou a bandeira verde-rubra nos Paços do Concelho, sob forte ovação do povo da cidade. Mas as tropas fiéis à monarquia, destacando-se a Guarda Municipal, reagem e iniciam o processo de luta contra os revolucionários, logo às primeiras horas.
O 31 de Janeiro consistiu, também, num reescalar de forças internas do PRP. Ainda a anos da preponderância de Afonso Costa, Bernardino Machado, Brito Camacho e António José de Almeida, as personalidades que haviam fundado o partido há duas décadas tinham-se resignado ao status quo vigente.
Os acontecimentos demonstraram à sociedade que, para o derrube da Monarquia, a acção deveria ser melhor preparada e organizada. Os avisos de prudência emitidos por responsáveis republicanos – Basílio Telles –, iniciou-se a aventura pelas três da madrugada, quedando-se ambos os campos numa certa expectativa, até que, pelas sete da manhã, Alves da Veiga – que vaticinara o desastre – proclamava a República na varanda dos Paços do Concelho do Porto.
O governo provisório mencionava os nomes de Rodrigues de Freitas, José Maria Correia da Silva, Joaquim Bernardo Soares, José Ventura dos Santos Reis, António Joaquim de Morais Caldas, Alves da Veiga e Joaquim Azevedo Albuquerque.
Com o alvorecer, as movimentações militares transformaram-se numa genuína revolta popular, à qual aderiram militares de baixa patente, jornalistas e intelectuais, operários e camponeses das imediações da cidade, que colheu a simpatia do Porto naquele dia e para o futuro.
Não conseguindo alastrar como um rastilho ao Centro e Sul do país, tudo acabou por volta das 11 horas da manhã, quando a Guarda Municipal, apoiada por unidades militares afectas à monarquia, reprimiu violentamente os revoltosos. Com a correspondente debandada geral, tal era a desproporção de meios militares que se degladiavam, alguns elementos decidiram refugiar-se na Câmara Municipal, de onde foram desalojados por tiros de artilharia.
As baixas do 31 de Janeiro ficaram sempre na memória da cidade do Porto e, por isso, 120 anos depois, e todos os anos, os heróis do 31 de Janeiro são sempre recordados no Cemitério do Prado do Repouso, como aqueles que lançaram as sementes para a construção de um país mais democrático, justo e progressista. Os processos jurídicos que se seguiram confirmaram a sanha repressiva da Monarquia. As pesadas sentenças de deportação dos principais envolvidos antevêem um processo de resistência das instituições monárquicas a uma queda que se avizinhava.
O 31 de Janeiro serviu de referência a ulteriores sublevações, onde aos elementos militares se juntou o povo, os trabalhadores e os operários, dando-lhe um genuíno carácter popular e progressista, como aconteceu na revolução republicana de 1910.

Pedro Ventura

http://www.omilitante.pcp.pt/pt/311/Historia/578/31-de-Janeiro-de-1891—A-tentativa-de-uma-revolu%C3%A7%C3%A3o.htm

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