Vingt poèmes d amour/ une chanson désespérée | Pablo Neruda

Corps d’une femme (poème 1)

escuro07 - 545

Corps de femme, blanches collines, cuisses blanches,
l’attitude du don te rend pareil au monde.
Mon corps de laboureur sauvage, de son soc
a fait jaillir le fils du profond de la terre.

je fus comme un tunnel. Déserté des oiseaux,
la nuit m’envahissait de toute sa puissance.
pour survivre j’ai dû te forger comme une arme
et tu es la flèche à mon arc, tu es la pierre dans ma fronde.

Mais passe l’heure de la vengeance, et je t’aime.
Corps de peau et de mousse, de lait avide et ferme.
Ah! le vase des seins! Ah! les yeux de l’absence!
ah! roses du pubis! ah! ta voix lente et triste!

Corps de femme, je persisterai dans ta grâce.
Ô soif, désir illimité, chemin sans but!
Courants obscurs où coule une soif éternelle
et la fatigue y coule, et l’infinie douleur.

Pablo Neruda

O Amor | Gonçalo M. Tavares

 luzes-da-cidade - 200
Se chovesse (sempre) trezentos e sessenta e cinco dias por ano,
e as nuvens no céu se repetissem na cor,
na forma, na velocidade, e na lentidão;
e se o sol permanecesse robusto e alto, constante
como o último andar de um edifício (bem construído),
de calor assim assim mas repetindo assim assim
de calor da véspera;
se o mau e o bom tempo fossem uma linha única,
paralela aos dias; se o verão e o inverno
em vez de dois fossem um,
como uma pedra é um, e uma árvore é um,
se, enfim, quem amas permanecesse amado por ti,
hoje exactamente como ontem,
e daqui a trinta anos exactamente como hoje;
então não existiria o tempo,
e os relógios de pulso seriam pulseiras ruidosas,
mecânicas de mais para estarem tão próximas da mão
capaz de tocar com leveza.
E se não há tempo
…………………….  não podemos trair.
Gonçalo M. Tavares
em “1”

O Teu Riso | Pablo Neruda

olhos 08 - 200

 

 

 

 

 

 

 

 

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas
não me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a flor de espiga que desfias,
a água que de súbito
jorra na tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
por vezes com os olhos
cansados de terem visto
a terra que não muda,
mas quando o teu riso entra
sobe ao céu à minha procura
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, na hora
mais obscura desfia
o teu riso, e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

Perto do mar no outono,
o teu riso deve erguer
a sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero o teu riso como
a flor que eu esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
curvas da ilha,
ri-te deste rapaz
desajeitado que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando os meus passos se forem,
quando os meus passos voltarem,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas o teu riso nunca
porque sem ele morreria.

Pablo Neruda, in “Poemas de Amor de Pablo Neruda