Há 1 ano | Uma memória | Inês Salvador

Estava aqui a olhar para o terror das imagens que puseram nos maços de cigarros e a lembrar-me de uma vez que estive em Birmingham com uns amigos. Chegámos ao hotel e tratamos de fazer o habitual check in. Um a um, iam perguntando se éramos fumadores ou não fumadores. Isto já foi há uns anos, no tempo que ainda se fumava dentro dos aviões, e a questão de ser ou não fumador, colocada ali, no check in de um hotel, era para nós uma novidade. Aos que se davam à morte, dizendo que eram fumadores, propunham um quarto para fumadores, pelo que cobravam uma taxa extra. Os meus amigos deixaram imediatamente de fumar. Ter de pagar uma taxa extra foi remédio santo para que ali, e imediatamente, ainda que de forma temporária, abandonassem o vício do fumo. Fui eu a única que, por uns “couple of pounds”, não abdiquei temporariamente de ser quem era, e disse que sim, fumo e quero um quarto para pessoas como eu. Chaves distribuídas, dirigimo-nos aos quartos. Era um hotel de charme e todo o cenário parecia de filme, com as típicas remodelações inglesas, de alcatifa sobre alcatifa a afundar os sapatos e as paredes revestidas a papel de parede sobre papel de parede, criando espessura, em estonteantes e imensas e pirosas estampagens, as alcatifas e o papel de parede, nada batendo certo com nada, mas tudo batendo certo com tudo. E lá fomos, ao longo do alegórico corredor encontrando a porta do quarto que nos estava reservado. Chegada a minha vez, entrei e todo um mundo de deslumbramento não me deixava fechar a boca. O meu quarto era belíssimo. Imenso. Podia correr-se lá dentro. As janelas eram enormes e davam para um jardim. A casa de banho era outro imenso quarto, com mais janelas enormes a dar para o mesmo jardim. E sem bidé, tipicamente sem bidé. Essa maravilhosa erotizante peça que os ingleses desprezam. Essa peça de maravilhosa fonética onde se refrescam os pipis. O desprezo dos ingleses pelo bidé sempre me fez desconfiar da sexualidade dos ingleses, mas isso seria outra conversa. E continuava distraída pela decoração que acumulava história, tudo era contemplação. Havia águas, frutas, cafeteira para chás e chás, rebuçados de mentol e uma infinidade de mimos e detalhes que me faziam pensar que podia ficar ali para sempre. Saí porta fora à procura dos meus amigos. O hotel era extraordinário, tínhamos de partilhar aquilo. Desatei a bater-lhes à porta e a desolação foi chegando. Os quartos deles eram feios, pequenos, escuros, acanhados. Mostrei-lhes o meu. Fomos todos à recepção saber se havia engano. Não havia. Os fumadores precisam de espaço, de ar, de janelas. É importante prevenir que não causem incêndios. Os fumadores fumam e depois têm sede, que fumar faz sede. Fumam e depois querem livrar-se do cheiro do tabaco e, por isso, num quarto para fumador, de tudo havia para resolver as necessidades de um fumador. Fomos todos para o meu quarto fumar e beber chá com vistas para o jardim e, ali, concluímos que fumar, afinal, era uma coisa boa.

Retirado do Facebook | Mural de Inês Salvador

1 thoughts on “Há 1 ano | Uma memória | Inês Salvador

  1. Fumar é agradável, mas faz muito mal. Quase morri há 8 anos, quando uma artéria bloqueou a 100% com pura nicotina, Fumava 3 maços por dia. Faço dopplers duas vezes por ano, e tudo está bem. Mas é uma preocupação constante vigiar o corpo para ver se vivo mais uns 50 anos, pelo menos. Adoro viver. Inês, peço-lhe – deixe de fumar. É um disparate fumar.

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