Os 4 (+1) inimigos das pontes | Engº Fernando Branco com Virgílio Azevedo in Jornal Expresso

Fernando Branco, professor catedrático do Instituto Superior Técnico, explica ao Expresso quais são os fenómenos que ameaçam as pontes. E diz que o mais recente ainda não tem solução.

odas as pontes são vulneráveis e podem cair se não tiverem inspeções e obras de manutenção regulares e adequadas. A falta de manutenção é, assim, o primeiro grande inimigo global das pontes, mesmo das que foram concebidas com base nas tecnologias mais avançadas, e não apenas as construídas nos anos 60 do século passado, como a Ponte Morandi (1969), que caiu em Génova provocando a morte a 43 pessoas.

Mas há mais quatro inimigos muito concretos (e um outro mais genérico), quatro fenómenos físicos e químicos que podem levar à sua degradação progressiva e, nos casos mais extremos de incúria e de falta de manutenção, ao seu colapso fulminante: a carbonatação, os cloretos, a fadiga e a reação alcali-sílica. Fernando Branco, especialista em engenharia de estruturas e professor catedrático do Departamento de Engenharia Civil do Instituto Superior Técnico (IST), onde dirige a secção de construção, explica ao Expresso como atuam estes inimigos que ameaçam a segurança de passageiros, automóveis, motos, autocarros, camiões e comboios.

O professor é também presidente da IABSE (Zurique), a mais antiga associação científica mundial desta área (100 países membros), e ainda autor com Jorge de Brito, outro catedrático do IST, do livro “Handbook of Concrete Bridge Management”, editado em 2004 pela associação de engenheiros civis dos EUA (ASCE). O livro foi durante anos um dos manuais de referência na construção de pontes neste país e ainda hoje continua a ser vendido, apesar da evolução tecnológica dos últimos 14 anos.

OS QUATRO INIMIGOS DAS PONTES

1.CARBONATAÇÃO

“Quando é fabricado, o betão usado nas pontes tem um pH básico, mas em contacto com o dióxido de carbono (CO2) ambiental e com a humidade vai-se transformando de básico em pH ácido e gera uma frente que vai avançando pelo betão adentro. E quando esta frente ácida chega aos ferros, estes começam a corroer. A solução para atrasar esta degradação passa pelo uso de betões muito mais compactos e, nas estruturas antigas, a única coisa que se pode fazer é colocar tintas especiais para evitar que o CO2 e a humidade entrem para dentro do betão.”

2. CLORETOS

“Há um fenómeno relacionado com os cloretos, nomeadamente o sal marítimo, e é por isso que as estruturas de betão armado junto ao mar se degradam mais. O sal vai entrando pelos poros do betão e quando atinge o aço este começa a corroer, a quantidade de aço diminui e pode levar ao colapso das estruturas. Este fenómeno verifica-se ainda quando se coloca artificialmente sal no inverno por causa do gelo no asfalto, que acaba por entrar no betão e provocar também a corrosão do metal. Ao contrário do sal, a carbonatação é um fenómeno mais lento mas generalizado, isto é, todas as estruturas de betão se degradam em resultado deste processo. E a partir do momento em que estão corroídas, só há uma solução: substituí-las por betão armado novo.”

3. FADIGA

“No fabrico de peças metálicas numa siderurgia, o aço no estado líquido é posto num molde e depois deixa-se arrefecer. Ao arrefecer, o aço fica sempre com microfissuras internas que não se veem, a que chamamos ‘fadiga’. Quando uma peça metálica está sujeita a tensões cíclicas alternadas, de esticar e encolher, ou cargas sucessivas como acontece em pontes, estas microfissuras vão começando a abrir ao longo do tempo. E se não se fizer nada, a certa altura temos uma rotura na peça de aço. Este fenómeno acontece bastante em pontes metálicas e ferroviárias, onde as variações das cargas com a passagem dos comboios são importantes, como acontece na Ponte 25 de Abril. Como se resolve este problema? Com inspeções periódicas e quando se descobrem fissuras é preciso soldá-las.”

4. REAÇÃO ALCALI-SÍLICA

“Mais recentemente descobriu-se outro fenómeno muito complicado, para o qual ainda não temos solução técnica: a reação alcali-sílica. O betão é feito de pequenas pedras, areia, cimento e água, em que o cimento funciona como cola destas pedrinhas, que habitualmente são calcários ou granitos. Descobriu-se que algumas delas, em particular as calcárias, têm sílica reativa, que se chama assim porque reage na presença de humidade com os alcalis, uma componente química do cimento. Assim, as pedrinhas começam a inchar, o que provoca fissuras e leva à degradação total do betão. Em Portugal há uma ponte dos anos 80 do século passado, associada à barragem da Aguieira (rio Mondego), onde se detetou este fenómeno e teve de ser demolida. O Viaduto Duarte Pacheco (1944), em Lisboa, também conheceu o mesmo problema, mas foi alvo de obras de manutenção e tomou-se a única medida que era possível: pinturas superimpermeáveis para evitar que a humidade entre no betão.”

5. FALTA DE MANUTENÇÃO

“Todas as pontes podem cair, mesmo as mais modernas, se não tiverem inspeções regulares e obras de manutenção adequadas. E se há legislação nacional e europeia que regula a construção de pontes, não existe legislação relativa às inspeções. Há apenas boas práticas que passam pelo dono da obra as querer aplicar.”

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