Estados Unidos da América | o mais longo “shutdown” da sua História | Germano Almeida

A partir de ontem, segunda, 14 Janeiro 2019, os Estados Unidos estão já a viver o mais longo “shutdown” da sua História – e já tiveram mais de 20. Nunca se assistiu em Washington DC a um clima de paralisação e impasse político tão grave e irresolúvel como o que existe neste momento, com Presidente e liderança democrata no Congresso a terem posições aparentemente inconciliáveis sobre o financiamento do muro. Já vamos no dia 25 da paralisação parcial dos serviços federais – é certo que só afetam cerca de um quarto do total dos ministérios, mas parece-me, no mínimo, ridículo desvalorizar (como já vi um ou outro comentador da nossa praça fazê-lo) a dimensão e o alcance que isso tem: estamos a falar de mais de 800 mil funcionários públicos americanos sem ganhar há quase um mês, alguns deles já almoçam e juntam à custa da caridade. É isto “melhorar a economia americana” e “proteger o trabalhar americano”? Esqueçam. Não são só “os museus e os parques” que deixam de funcionar. Há vários serviços que não abrem, há programas de assistência que não se cumprem, há pessoas necessitadas ou dependentes que deixam de ser assistidas.

Tudo por causa de um Presidente disfuncional, que preso a um egocentrismo cego não sabe negociar politicamente – nem faz a mínima ideia do que significam as palavras “compromissos” ou “cedências”. Trump insiste em tentar virar o bico ao prego e vai dizendo que “os democratas estão a prejudicar os americanos” e está à espera que “eles comecem a trabalhar”. Mas não é assim: num impasse como este, quem tem que ter a chave da solução é, obviamente, o Presidente. Ameaças de recorrer à “emergência nacional” (utilizando fundos que estariam destinados a acontecimentos como catástrofes) não vão, desta vez, safar Donald. O que esta enorme crise política do “shutdown” está a revelar, essencialmente, é que o estilo manhoso de “artista de variedades” de Donald Trump – uma espécie de vendedor de banha de cobra com uma conversa sexy para quem é vulnerável a cair em populismos baratos e nada sustentados em factos – resultou no ambiente eleitoral da campanha de 2016 para um nicho muito significativo do eleitorado americano. Mas é curto – mesmo muito curto – para alguém que ocupa as funções (mesmo muito difíceis) de Presidente dos EUA. Trump está a exibir, nesta crise, toda a sua incompetência e todas as suas limitações políticas. Naquele sistema complexo, ser Presidente implica saber negociar, fazer compromissos, ceder um pouco para levar a sua avante. Trump tem sido o contrário disso: tem passado os últimos dias a insultar os democratas, a minimizar os efeitos do que provocou.

Não lhe está a correr bem: a cada dia que passa, a percentagem de americanos que o culpam pelo prolongar do “shutdown” aumenta: está já na ordem dos 55%. Sondagem ABC/Washington Post identifica 85% dos democratas, 53% dos independentes e até 15% dos republicanos a responsabilizarem o Presidente por este impasse. Enquanto isso, creio que muita gente ainda não se apercebeu da gravidade do momento do Presidente dos EUA. Donald Trump teve que garantir ontem que… não é um agente russo. É nisso que estamos. “Nunca na História dos presidentes americanos alguém foi questionado com suspeita tão séria, tão grave. Com tão credíveis questões em relação à lealdade que se exige a um Presidente dos EUA”, nota Michael D’Antonio, na CNN. O cerco da “Russia Collusion” aperta-se para Donald Trump.

O New York Times reportou que, depois de Trump ter despedido Michael Comey de Diretor do FBI, um setor daquele serviço de informações e inteligência iniciou investigação sobre se o Presidente seria uma ameaça de segurança aos EUA. Será daqui que se fundam as suspeitas, iniciadas na própria campanha presidencial, de que Trump pudesse estar ao serviço de interesses russos. Como é que Donald reage a isto?

Numa primeira questão que lhe foi feita numa entrevista à Fox News (sim, a própria Fox está a mudar a agulha e está também a começar a ir em cima do Presidente), mostrou-se indignado: “Essa é a pergunta mais insultuosa que alguma vez me fizeram!” Mas no dia seguinte, com vários repórteres a insistirem no tema, viu-se na necessidade de proferir um desmentido que é, todo ele, já um pouco comprometedor: “Nunca trabalhei para os russos”. A verdade é que, no novo momento político ditado pela maioria democrata na Câmara dos Representantes, há 17 (isso mesmo, 17!) investigações a decorrer ou a iniciar no Congresso americano – e um cenário de Donald Trump intimado por um “subpoena” que o obrigue a testemunhar sob juramento vai ganhando força. Michael Cohen, advogado de Donald Trump durante uma década e sentenciado a três anos de prisão, vai testemunhar no Congresso americano no próximo dia 7 de fevereiro – e tudo indica que Trump ficará, no mínimo, com as orelhas a arder.

O relatório de Robert Mueller pode estar aí a rebentar e no campo Trump o nervosismo é evidente: Rudy Giuliani, antigo conselheiro político da campanha Trump e agora advogado do Presidente, teve o desplante de dizer que fará tudo para “corrigir esse relatório antes que ele venha a público”. Donald desconversa e atira-se para o palco da campanha de reeleição – aplica imenso tempo a insultar e menorizar os candidatos que se vão perfilando do lado democrata e soma comícios com o boné da campanha Trump2020. Entre uma espécie de negação e uma insistência num estilo truculento mas politicamente muito limitado nas opções revela, o “efeito Teflon” de Donald Trump parece começar a diminuir. A sua popularidade está na casa dos 37%, menos 20 pontos que os 57% de desaprovação (há quatro meses que Trump não tinha saldo tão negativo). As notícias sobre uma suposta “imunidade” dos disparates de Trump eram, afinal, manifestamente exageradas.

Germano Almeida

Retirado do Facebook | Mural de Germano de Almeida

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