A propósito de “racismo” (título do Coordenador e Proprietário do Blog) | Bruno Sena Martins

Além de definir rígidas estruturas de desigualdade e de te expor a inúmeras violências – que serão mais quotidianas ou pontuais em função do vigor do negro na tua pele, da classe social a que pertences, da parte da cidade onde moras – o racismo em Portugal funciona como um perverso manual que te quer ensinar, às expensas de muita dor cumulada, a arte de falar baixo e de calar.

Durante décadas, joguei futebol entre pavilhões e pelados, em clubes da cidade e da província (não era suficientemente bom para relvados naturais e os sintéticos vieram tarde, com as lesões musculares). Pois bem, cada vez que entrava em campo, sabia que aos olhos do público adversário eu deixaria de ser mais um jogador entretido nos bailados do jogo e que passaria a ser o afamado Preto da Guiné, o tal que deve ir para a sua terra, logo que reclamasse uma falta, que me permitisse a uma entrada mais dura ou – escândalo – festejasse efusivamente um golo. Uma troca de palavras mais acesa com um colega de equipa poderia ser o suficiente para o racismo entrar no nosso balneário.

O racismo quer-te convencer (quando essa margem sequer existe) que te podes furtar à violência racial mantendo um perfil discreto, evitando escusadas indignações, idiossincrasias censuráveis ou quaisquer vaidades, jamais criticando a sociedade que te “recebeu” e, sobretudo, quer-te ensinar que não tens o direito a uma frase mal colocada ou a uma linha fora do tom, porque aí natural e lamentavelmente cumpres a profecia dos racistas acerca da tua ingratidão, menoridade, ou da tua propensão para colocar em perigo a paz social.

Denunciar a violência racista, recusar olimpicamente regras de bom comportamento, ousar gritar, reivindicar o universal direito a errar e falar nas alturas que a raiva te leva, são ensinamentos que vêm da perseverança de um longa luta anti-racista em portugal e que felizmente estão para ficar: negras e negros de braço erguido raivosamente gritando contra a violência e contra a violência da desigualdade seguiremos ocupando as avenidas. Este caminho não tem volta e devemos estar gratos a pessoas como o Mamadou Ba – por estes dias sumamente acossado pelo mais virulento ódio racista – pela insigne coragem de nos ajudar a rasgar as cartilhas racistas e de ousar enfrentar o racismo institucional, arriscando a própria vida. Não pode haver outra arte. A luta continua.

Bruno Sena Martins

Retirado do Facebook | Mural de Bruno Sena Martins

Poema em forma de prosa | Maria Isabel Fidalgo

nesta manhã de sol, a intensidade da luz é um oboé de esperança. sopro e ocorrem-me primaveras intensas, tanta a beleza do verde ao longe. a noite, em marés de receios é um apeadeiro de desgraças. hoje canto o dia e o mistério da claridade a sacudir os sentidos. sagrado este brilho onde o coração dos pássaros se ergue alto.
hoje celebro o dia, a manhã clara para planar numa colina de sonho onde haja futuro para os nossos voos.
depois sorrimos. és tão depressa quando me fazes sorrir depois da noite.

Brexit | Se todos querem que dê desgraça, assim será | Francisco Louçã

O desastre do Brexit não estava escrito nas estrelas, é antes o resultado de uma meticulosa construção em que nada foi deixado ao acaso. Começou pela intriga partidária, Cameron queria arrumar o Partido Conservador e prometeu o que não tencionava cumprir, até que uma inopinada maioria eleitoral o obrigou ao referendo. Aí chegado, pediu à Comissão Europeia a facilidade de incumprir normas dos tratados para mostrar músculo contra os imigrantes europeus e levou o que queria. Armado de demagogia contra a ameaça da vinda de trabalhadores, chegou à noite da contagem dos votos confortado pelas sondagens, mas amanheceu derrotado. E foi então que a intriga se adensou.

Vingança

Demitido Cameron, chegou May e a sua história conta-se em poucas palavras: foi a eleições para se reforçar e acabou minoritária e pendurada numa aliança com os unionistas irlandeses, e com um Labour renascido com Corbyn, um crítico das políticas liberais europeias que não lhe facilita a vida. A partir daí, foi uma penosa negociação em que a diplomacia britânica, tida como profissional, se afundou e descobriu que ninguém lhe dava a mão. May foi humilhada e despachada para fora da sala, ficando a saber o que é o bullying em versão bruxelense. A lição é esta: com a Suíça, com a Noruega, até com a Irlanda depois do seu referendo, com o Canadá, a negociação é para um acordo, com o Reino Unido é uma punição.

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