AMOS OZ | Já viu um fanático com sentido de humor? | ENTREVISTA POR ISABEL LUCAS EM 11 DE OUTUBRO DE 2018 | in Jornal Público

Amos Oz, 79 anos, morreu esta sexta-feira (28-12-2018), vítima de cancro, anunciou a sua filha, a historiadora Fania Oz-Salzberger. “Ele morreu… agora mesmo, após rápida deterioração, durante o sono e em paz e rodeado pelos seus entes queridos.”

Nascido em 1939, tinha quase mais nove anos do que o Estado de Israel e conhecia como poucos esse território tão disputado pelos homens em nome de Deus. Lutou até ao fim pela paz nesse lugar. É que o tal território não foi apenas o centro da sua vida, mas também o de toda a sua literatura.

Mesmo que politicamente zangado, amargo ou só, Amos Oz continua a lutar pela sua ideia de Israel e de civilização. Caros Fanáticos é uma carta endereçada a todos, porque esse é um gene universal e deve ser combatido com antídotos como a imaginação, a curiosidade ou humor.

ENTREVISTA POR ISABEL LUCAS EM 11 DE OUTUBRO DE 2018

O fanatismo, escreve Amos Oz, “é a essência perene da natureza humana, o ‘gene mau’.” Atribuí-lo a uma civilização, a um povo, a uma religião é contribuir para propagar o gene e criar políticas de ódio identitário. Num momento em que se assiste ao exacerbar do fanatismo, o escritor israelita, várias vezes mencionado como um candidato ao Nobel, reflecte sobre fé, fanatismo e os desafios de viver em conjunto no século XXI num volume que reúne três ensaios breves e incisivos. Publicado em 2017 em Israel, Caros Fanáticos traz três reflexões. De 2002, 2014 e de 2015. Oz reviu e actualizou cada uma e o resultado é um acutilante olhar para o presente do mundo, com um foco nas questões judaicas e do Estado de Israel de que tem sido um crítico atento. Uma conversa com um homem de voz calma que começou por falar de Maio deste ano, um mês que não consta deste livro e que alterou equilíbrios políticos. Foi quando os EUA mudaram a sua embaixada para Jerusalém. É de Amos Oz a primeira frase desta conversa: “O problema não é se Jerusalém é ou não a capital da Israel. O problema é como é que a outra metade de Jerusalém pode ser a capital da Palestina no futuro.”

Em Israel, como em muitos, muitos outros países, o fundamentalismo e o fanatismo estão em ascensão. As pessoas estão a tornar-se mais nacionalistas, mais chauvinistas, mais egoístas e de visão estreita, e a destilar mais ódio em relação aos estranhos, os estrangeiros. Isto está a acontecer na Europa Ocidental, na Europa do leste, Estados Unidos, na Rússia, em Israel e em muitos outros países do Médio Oriente. Preocupa-me, porque acho que se nos afastarmos dos princípios fundamentais do humanismo estabelecidos depois da II Guerra Mundial, estaremos muito depressa a viver um inferno. Os problemas estão a tornar-se mais complicados e muitas pessoas procuram respostas muito simples; procuram respostas de uma frase, capazes de pôr tudo na ordem; frases que nos digam quem são os maus, quem são os inimigos, quem são os perigosos. Acham que se souberem isso o paraíso pode vir.

É também por isso que fala de uma infantilização da sociedade?
Sim, a infantilização tem que ver com o facto de muitos milhões de pessoas acreditarem que a vida deve ser um entretenimento e que a política é um jogo divertido e a essência da vida passa por fazer compras.

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