É verdade que “os pobres” votam no PS? | Bárbara Reis in Jornal Público 1 de Novembro de 2019

Há duas formas de olhar para isto. Uma é analisar a linha de raciocínio (é uma ideia lógica?); a outra é olhar para os factos (o que sustenta a ideia?). Vamos por partes.

«Na sua estreia como deputado na Assembleia da República, João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, disse coisas extraordinárias.

Uma delas foi esta: “O PS sabe que mantendo um país amorfo e resignado tem um grupo de pobres, desesperados e dependentes do Estado que lhe irão dar o voto. A pobreza de muitos é o que segura o PS ao poder.”

A seguir, seguindo as boas práticas aristotélicas, apresentou a moral da história: como o PS só “existe para estar no poder, nunca irá resolver o problema da pobreza”, pois são os pobres que permitem ao PS “manter-se lá”.

Foi o tom de acinte com que a frase foi dita que despertou a minha curiosidade. Há duas formas de olhar para isto. Uma é analisar a linha de raciocínio (é uma ideia lógica?); a outra é olhar para os factos (o que sustenta a ideia?). Vamos por partes.

Cotrim de Figueiredo diz que “os pobres” votam no PS como se fosse um axioma, uma verdade tão óbvia e consensual que dispensa demonstração. Tão inquestionável como dizer “penso, logo existo”. Só um louco tem dúvidas sobre isso.

A seguir, o deputado apresenta as consequências da sua evidência: o PS produz pobres para se manter no poder e por isso que não os quer tirar da pobreza. Favorecer os pobres seria suicídio político. Levada a tese ao extremo, fiquei à espera que Cotrim de Figueiredo aconselhasse o PS a favorecer os ricos. Afinal, seria a melhor forma de manter os pobres na pobreza.

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Velas ou luz eléctrica? | Bárbara Reis in Jornal “Público”

Em vez de estar fechado à chave, o último relatório do Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios sobre o centro histórico do Porto devia ser debatido. Como é um documento interno, usa um tom directo e franco. E obriga-nos a pensar.

O debate sobre a descaracterização dos centros históricos faz lembrar George Orwell e o seu Politics and the English Language, um pequeno ensaio de 1946 sobre o “declínio da língua inglesa” e os “maus hábitos” da escrita. Num exemplo clássico de como começar um bom texto, o escritor diz-nos que “todo o combate contra o abuso da linguagem” é visto como um “arcaísmo sentimental, como preferir velas à luz eléctrica”.

Em Portugal estamos na mesma. Sempre que alguém diz que os centros históricos de Lisboa e do Porto correm o risco de se tornarem cenários artificiais para “turista ver”, os “progressistas” respondem uma destas três coisas: a transformação é inevitável, a Disneylândia é melhor do que o abandono e a nostalgia não pode travar o desenvolvimento.

Já foi assim com a política para os autocarros gigantes com que as agências de viagens entupiam a Baixa de Lisboa. Estava à vista de todos que os “muros com rodas” eram grandes de mais para as curvas do centro histórico e que prejudicavam o próprio objectivo do negócio: quando chegavam à Sé Catedral, os turistas viam o monumento nacional tapado pelo “muro” que os levara até lá. Durante anos, ouvimos que esse circuito turístico era “inevitável”, que sem isso a Sé ficaria vazia, que impedir o acesso dos autocarros era defender a Lisboa “do passado”. Na pior das hipóteses, éramos jurássicos; na melhor, pouco iluminados.

Em Agosto, o presidente da câmara, Fernando Medina, pôs um ponto final.

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