Maria João Cantinho e a arte de esculpir poemas | por Adelto Gonçalves

                                                 I

       Autora consagrada na área ensaística, especialmente com livros sobre o filósofo e sociólogo alemão Walter Benjamin (1892-1940), Maria João Cantinho (1963) chega ao seu quinto livro de poemas com Escopro e Luz (Guaratinguetá-SP, Editora Penalux, 2021), afirmando-se como uma das maiores poetisas (e por que não poetas?) da Língua Portuguesa dos séculos XX e XXI. Mas isto não significa que atue de maneira independente numa e noutra área do pensamento.

            Pelo contrário. Em sua poesia, percebe-se o desencanto da poetisa com o mundo em que lhe coube viver, como se visse a História pelas lentes de Walter Benjamin que, em sua crítica ao progresso, prognosticara períodos de crescimento seguidos de outros de barbárie e selvageria, antevendo o retrocesso europeu e norte-americano dos tempos atuais, o que inclui também a época de desconstrução e desagregação social por que passa o Brasil de hoje.   

            Como já anteviu o professor José Cândido de Oliveira Martins, da Universidade Católica Portuguesa, em alentado e percuciente ensaio-introdutório de 12 páginas escrito à guisa de prefácio, a palavra poética de Maria João Cantinho “tem o misterioso poder de ajudar a cicatrizar a ferida aberta, regenerando e revitalizando o corpo sofrido, assim plasmado no corpo do poema ou da poesia”. Afinal de contas, diz o professor, são estas vozes (da poesia, das lembranças da infância ou de outras proveniências) que nos resgatam da iminência do naufrágio – “São as vozes que nos salvam”.

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A Besta | Maria João Cantinho

De que tempo somos, agora
que a tempestade sopra de novo
e ao céu sobe este monte de ruínas
devastação anoitecendo o mundo

tenta lembrar-te de que lado
veio um dia o alerta, de que armário
saiu este cortejo de sombras
onde se gravou o que a história
deixou escapar, nas malhas do mito

para de novo retornar
a besta silenciosa, a que vigia
sem que as pálpebras lhe desçam
uma única vez. Silente

talvez estivéssemos nós, os do Sul,
embriagados pela torpeza do metal
e por isso ela moveu-se devagar
como se fosse cinza na minha memória

MJC, «Do Ínfimo», Editado pela editora Penalux, Brasil, 2018.

Afrin | para Hussein Habasch – Kurdish Poet | por Maria João Cantinho

Afrin

Para Hussein Habasch

Dizem que o pesadelo dos soldados do Estado Islâmico
é ser morto por uma mulher,
dizem que não terão as 72 virgens
nesse paraíso sonhado que os espera.

E elas, peshmerga, enfrentando a morte,
olhos de tigre, saltam-lhes ao caminho como demónios
livres e sem véus, implacáveis,
elas que, no amor e nos filhos, respiram a ternura
e a salvação.

Ceylan matou-se com a última bala de que dispunha,
talvez tivesse tido medo nessa hora,
mas o tempo não é para medos nem delongas
e Ceylan também não sabe ser heroína
que isso é para as ocidentais plasmadas
No tédio das suas vidas vazias,
entregues à contemplação de miragens,
criadas pelos que vendem a morte
em longínquas paragens.

Arin fez-se explodir, para não cair em mãos inimigas,
O seu corpo matou tantos quanto pôde,
em nome de um povo, que só na alma e no coração
conhece a sua pátria, ardendo
no olhar das suas crianças, quietas,
à espera do futuro, que silva entre as balas
e o sangue, as vísceras dos seus mortos.

Em Afrin, só a morte canta,
só ela floresce, petrificando,
diante da nossa indiferença gelada, muda.

Maria João Cantinho

Retirado do Facebook | Mural de Maria Cantinho

Poemas Escolhidos | W. B. Yeats

Leitura de Natal recomendada pelo Expresso

«Entre o final de oitocentos e os anos 1930, Yeats experimentou vários modos poéticos: do simbolismo ao neo-realismo, do folclore ao esoterismo, terminando num modernismo inesperadamente acutilante. Esta nova tradução, de Frederico Pedreira, mais extensa do que outras disponíveis, permite acompanhar de perto essa viagem.» [Pedro Mexia, E, Expresso, 2/12/17]

Retirado do Facebook | Mural de Maria João Cantinho

Épico de Gilgamês | Maria João Cantinho

Das melhores coisas que 2017 nos trouxe. Com tradução de Francisco Luís Parreira, uma excelente introdução e aparato crítico.
Considerado o mais antigo poema da humanidade (4000 anos), aqui se fala da lendária figura de Gilgames (noutras traduções aparece Gilgamesh) e da sua procura de imortalidade. Embora não seja a primeira tradução portuguesa – já há uma de Pedro Tamen, a partir de uma tradução inglesa de N. K. Sandars.

Maria João Cantinho

Retirado do Facebook | Mural de Maria João Cantinho

PRE-APOCALIPSE NOW | Sousa Dias em diálogo com Maria João Cantinho

«Vivemos numa época de amálgamas espúrias, que confunde pensamento e comunicação, crítica e marketing, teoria e opinião de especialista, pensador e intelectual mediático ou jornalista cultural. Época de sobre-informação mas, paradoxalmente, época antipensamento, de extravio generalizado do sentido do pensamento, de refluxo do pensamento sob todas as suas formas. E, não por acaso ou por coincidência, época de uma extrema desumanização do humano, da dessubstancialização da subjectividade humana, como diz Žižek, do mais dócil e cobarde corpo social, como diz Agamben.

Uma catástrofe do pensamento, de que o fim das ideologias é uma reverberação, e com ela um desastre do humano, desastre absoluto no qual estaremos talvez só a entrar, um pré-apocalipse espiritual para o qual não se vislumbra saída. Escreve noutro texto Agamben que, enquanto o animal pode a sua potência, variável de espécie para espécie mas definida de uma vez por todas pela sua natureza ou vocação biológica, o homem, desprovido de natureza, é aquele ser que pode a sua própria impotência. A grandeza do seu poder mede-se pelo abismo da sua impotência. A saída da presente situação do humano, a existir, passará necessariamente pelo pensamento, quer dizer, pelo poder ilimitado, desmedido, dessa impotência do homem.» (Sousa Dias)

DEVASTAÇÃO | por Maria João Cantinho in “Facebook” (título nosso)

ANIVERSARIO DEL LANZAMIENTO DE LA BOMBA ATÓMICA SOBRE HIROSHIMA Y NAGASAKI

O que se está a passar, neste país, a todos os níveis, é devastador. Ainda ontem me confirmaram que os investigadores que não tenham um vínculo institucional serão obrigados a sair dos centros de investigação. Lembro algumas coisas essenciais:

1. Alguns são bolseiros (os privilegiados), mas muitos nem isso. Estão, com habilitações como mestrados, doutoramentos e pós-doutoramentos, desempregados e sem nada à vista. Um país que é incapaz de absorver pessoas altamente habilitadas é uma caricatura.

2. Não pertencendo aos centros de investigação, eles ficarão impossibilitados de fazer qualquer actividade que contribua para o seu currículo, actividades que lhes permitiriam, eventualmente, abrir caminho.

3. Não ganham dinheiro, não são pagos, trabalham de borla, apenas pela possibilidade de realizar actividades para enriquecimento curricular. E muitos alimentam a dinâmica dos centros pela sua maior disponibilidade.

4. Que explicação encontrar para este absurdo?

DOIS POEMAS DE MARIA JOÃO CANTINHO in “Mallarmagens”

Partes lentamente da vida

num barco ébrio de sangue
onde se inscreve a pele da noite
nesse festim. Dobras o vento, esse uivo
que chega do Norte, nas pegadas de um silêncio
interdito e em que calas os nomes
desenhados na lucidez das mãos.
Ninguém lê as pedras, os sinais,
Ninguém decifra o traço de sangue desse navio
Que navega em direcção a uma ilha,
Neste arquipélago de solidão.
Os gestos são irremediáveis, no instante
Em que tudo refulge para se afundar. Ninguém ouve
Este naufrágio perdido no canto de um marinheiro
Que sabe não voltar. A viagem é sem retorno.
Tu sabes, vais a caminho.
Essa mulher que caminha no orvalho da madrugada,
de pés nus, que dança na margem do rio,
ouvindo o vento da noite,
                                  essa mulher
que canta o silêncio até onde o grito,
traz na fronte a cicatriz,
que se desenha como a luz na água, a sua loucura,
                                 ela, alheia a tudo,
dança até onde a música eleva os seus pés,
ardem-lhe os lábios, morde a dor, a vida
e nada recusa.
Dança até onde a tempestade a leva.
Maria João Cantinho: nasceu em 1963, Lisboa. É poeta, ensaísta e pensadora. Profunda conhecedora da obra e pensamento do  filósofo Walter Benjamin. Formou-se  em Filosofia e realizou  tese de mestrado em estética sobre Walter Benjamin: “O Anjo Melancólico – análise do conceito de alegoria na obra de Walter Benjamin”. Tem vindo a colaborar em várias publicações (jornais e revistas) , tanto na área da poesia, como ensaio.  Publicou entre outros  títulos: “A Garça” (contos, 2001), “Abrirás a Noite com um Sulco” (Poesia, 2002) , “O Anjo Melancólico” (ensaio, 2002), o Traço do Anjo  ( poesia 2011)
mjc

Debates do PEN | Goethe-Institut | Ideias Mortais | Maria João Cantinho | André Barata | André Teodósio

transferirIdeias Mortais

Pensar e Criar em tempos de desafio/difíceis/árduos …

Debates do PEN
18.02.2013, 19h00
Goethe-Institut
Biblioteca
Campo dos Mártires da Pátria, 37
1169-016 Lisboa
00351-2188245-10
info@lissabon.goethe.org
André Teodósio à conversa com André Barata e Maria João Cantinho. Na ordem do dia estão o pessimismo e a angústia. André Teodósio é o nosso convidado para debater formas e modos de intervenção possíveis, na nossa cultura actual. Como pensar, como agir e intervir socialmente neste contexto é o desafio que propomos neste debate, como modo de ensaiar o salto do pensamento.Maria João Cantinho é professora no Iade e no secundário. Doutorada em Filosofia Contemporânea, é também escritora, crítica e ensaísta. Publicou A Garça (ed. Diferença, 2001), O Anjo Melancólico (Ed. Angelus Novus, 2002), Sílabas de Água (ver-o-Verso, 2005), Caligrafia da Solidão (Ed. Escrituras, 2006), O Traço do Anjo (Edium, 2011). Colabora regularmente com várias revistas literárias e de Filosofia, como a Colóquio-Letras, a Ler, entre outras publicações. É membro da Direcção do Pen e da Associação portuguesa de Críticos.André Barata é Doutor em Filosofia Contemporânea pela Universidade de Lisboa. É professor na Universidade da Beira Interior, onde dirige o mestrado de Ciência Política. Nessa universidade, é ainda investigador e membro da direcção do Instituto de Filosofia Prática. É Vice-Presidente da Associação Portuguesa de Filosofia Fenomenológica. Dirigiu a revista Análise (2005/06). Publicou em 2000 Metáforas da Consciência (Porto, Campo das Letras), em 2007 Sentidos de Liberdade (Covilhã, Ta pragmata) e, em co-autoria com Rita Taborda Duarte, Experiências Descritivas(Lisboa, Caminho), em 2010 Mente e Consciência (Lisboa, Phainomenon). Co-editou em 2011 Representações da Portugalidade(Lisboa, Caminho). Publicou em 2012 uma colectânea de ensaios de teoria política intitulado Primeiras Vontades (Lisboa, Documenta).

André Teodósio, n. 1977, é um actor e encenador português de teatro. É membro fundador do Teatro Praga, tendo também integrado a companhia de teatro Casa Conveniente, e colabora assiduamente com a companhia de teatro Cão Solteiro. Para além dos trabalhos desenvolvidos com o Teatro Praga encenou a solo os espectáculos Três mulheres, de Sylvia Plath, Diário de um louco, de Nikolai Gogol, Super-Gorila e Supernova, co-criados com José Maria Vieira Mendes e André Godinho. Encenou as óperas Metanoite, de João Madureira, Outro Fim, de António Pinho Vargas, Blue Monday, de George Gershwin e Gianni Schicchi, de Giacomo Puccini . Escreve regularmente para diversas publicações sendo autor do textoCenofobia editado pela Fundação Culturgest e autor do ciclo Top Models que inclui Susana Pomba (um mito urbano) e Paula Sá Nogueira (um bestiário). É ainda co-autor do bailado Perda Preciosana Companhia Nacional de Bailado. Tem apresentado os seus trabalhos em inúmeros teatros portugueses e estrangeiros. Foi nomeado pelo jornal Expresso como um dos 100 portugueses mais influentes de 2012.