Há Palavras que Nos Beijam | Alexandre O’Neill

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O’Neill  |  “No Reino da Dinamarca”

O balde

0012
Um agricultor alentejano, já entrado nos anos, tinha uma bela barragem na sua  herdade.

Depois de algum tempo sem ir ao local, decidiu naquele dia ir dar uma olhadela geral para ver se estava tudo em ordem.

Pegou num balde para aproveitar o passeio e trazer fruta do pomar e, ao aproximar-se do lago, ouviu vozes femininas, animadas e divertidas.

Então viu um grupo de jovens a tomar banho no lago, completamente nuas.

Chegou mais perto e com isso, todas elas fugiram para a parte mais funda do lago, deixando apenas a cabeça fora de água.

Uma delas gritou: -Não saímos daqui enquanto o senhor não se for embora.

O alentejano, que não era burro, respondeu: – Calma meninas, eu não vim até aqui para as ver a nadar ou para as ver sair nuas do lago, e levantando o balde, disse:

-Eu só vim dar comida ao crocodilo…

(Idade e experiência sempre triunfarão sobre a juventude e o entusiasmo)

Charles Bukowski | um poema de amor

aros 02

todas as mulheres

todos os beijos delas as
formas variadas como amam e
falam e carecem.

suas orelhas elas todas têm
orelhas e
gargantas e vestidos
e sapatos e
automóveis e ex-
maridos.

principalmente
as mulheres são muito
quentes elas me lembram a
torrada amanteigada com a manteiga
derretida
nela.

há uma aparência
no olho: elas foram
tomadas, foram
enganadas. não sei mesmo o que
fazer por
elas.

sou
um bom cozinheiro, um bom
ouvinte
mas nunca aprendi a
dançar — eu estava ocupado
com coisas maiores.

mas gostei das camas variadas
lá delas
fumar um cigarro
olhando pro teto. não fui nocivo nem
desonesto. só um
aprendiz.

sei que todas têm pés e cruzam
descalças pelo assoalho
enquanto observo suas tímidas bundas na
penumbra. sei que gostam de mim algumas até
me amam
mas eu amo só umas
poucas.

algumas me dão laranjas e pílulas de vitaminas;
outras falam mansamente da
infância e pais e
paisagens; algumas são quase
malucas mas nenhuma delas é
desprovida de sentido; algumas amam
bem, outras nem
tanto; as melhores no sexo nem sempre
são as melhores em
outras coisas; todas têm limites como eu tenho
limites e nos aprendemos
rapidamente.

todas as mulheres todas as
mulheres todos os
quartos de dormir
os tapetes as
fotos as
cortinas, tudo mais ou menos
como uma igreja só
raramente se ouve
uma risada.

essas orelhas esses
braços esses
cotovelos esses olhos
olhando, o afeto e a
carência me
sustentaram, me
sustentaram.

(Tradução: Jorge Wanderley)