Marguerite Yourcenar | Fernando Pessoa | Cecília Meireles | Florbela Espanca | Octavio Paz e Stanley Kubrick | selecção de mlailin (Marcia Lailin Mesquita)

O que nos tranquiliza no sono é a certeza de que dele retornamos.
E ele nos cura temporariamente da fadiga pelo mais radical dos processos, isto é, arranjando para que cessemos de existir durante algumas horas.

Marguerite Yourcenar

Que é feito de tudo?
Que fiz eu de mim?
Deixa-me dormir,

Dormir a sorrir 
E seja isto o fim.

Fernando Pessoa

Ó meu Deus,
se esta é a distância
que separa a mocidade
da infância,
se são teus
estes modos de verdade,
que outros hei de querer meus?

Ó meu Deus,
se este é o caminho
que traça a tua bondade,
devagarinho
farei seus
meu amor, minha saudade,
e em tudo serei adeus.

Cecília Meireles

Gosto da noite imensa,
triste, preta, como esta estranha borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!…

Florbela Espanca

IRMANDADE

Sou homem: duro pouco
e é enorme a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
Também sou escritura
e neste mesmo instante
alguém me soletra.

Octavio Paz e Stanley Kubrick em 2001 uma Odisseia no espaço

Não te Amo | Almeida Garrett

Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma. 
E eu n’alma – tenho a calma,
A calma – do jazigo.
Ai! não te amo, não.

Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida – nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai, não te amo, não!

Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?

E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau, feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.

E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror…
Mas amar!… não te amo, não.

Almeida Garrett, in ‘Folhas Caídas’

Frases e expressões do povo no Brasil | Marcia Lailin Mesquita

NAS COXAS
As primeiras telhas dos telhados nas Casas aqui no Brasil eram feitas de Argila, que eram moldadas nas coxas dos escravos que vieram da Africa. Como os escravos variavam de tamanho e porte físico, as telhas ficavam todas desiguais devido as diferentes tipos de coxas.
Daí a expressão fazendo nas coxas, ou seja, de qualquer jeito.

VOTO DE MINERVA.
Orestes, filho de Clitemnestra, foi acusado pelo assassinato da mãe. No julgamento, houve empate entre os acusados. Coube a deusa Minerva o voto decisivo, que foi em favor do réu. Voto de Minerva é, portanto, o voto decisivo.

CASA DA MÃE JOANA
Na época do Brasil Império, mais especificamente durante a
menoridade do Dom Pedro II, os homens que realmente mandavam no país costumavam se encontrar num prostíbulo do Rio de Janeiro, cuja proprietária se chamava Joana. Como esses homens mandavam e desmandavam no país, a frase casa da mãe Joana ficou conhecida como sinônimo de lugar em que ninguém manda.

CONTO DO VIGÁRIO
Duas igrejas de Ouro Preto receberam uma imagem de santa como presente. Para decidir qual das duas ficaria com a escultura, os vigários contariam com a ajuda de Deus, ou melhor, de um burro. O negócio era o seguinte:
Colocaram o burro entre as duas paróquias e o animalzinho teria que caminhar até uma delas. A escolhida pelo quadrúpede ficaria com a santa. E foi isso que aconteceu, só que, mais tarde, descobriram que um dos vigários havia treinado o burro. Desse modo, conto do vigário passou a ser sinônimo de falcatrua e malandragem.

FICAR A VER NAVIOS
Dom Sebastião, rei de Portugal, havia morrido na batalha de Alcácer-Quibir, mas seu corpo nunca foi encontrado.
Por esse motivo, o povo português se recusava a acreditar na morte do monarca. Era comum as pessoas visitarem o Alto de Santa Catarina, em Lisboa, para esperar pelo rei.
Como ele não voltou, o povo ficava a ver navios.

NÃO ENTENDO PATAVINAS
Os portugueses encontravam uma enorme dificuldade de entender o que falavam os frades italianos patavinos, originários de Pádua, ou Padova, sendo assim, não entender patavina significa não entender nada.

DOURAR A PILULA
Antigamente as farmácias embrulhavam as pílulas em papel dourado, para melhorar o aspecto do remedinho amargo.
A expressão dourar apílula,significa melhorar a aparência de algo.

SEM EIRA NEM BEIRA
Os telhados de antigamente possuíam eira e beira, detalhes que conferiam status ao dono do imóvel. Possuir eira e beira era sinal de riqueza e de cultura. Não ter “eira nem beira” significa que a pessoa é pobre, está sem grana.

O CANTO DO CISNE
Dizia-se que o cisne emitia um belíssimo canto pouco antes de morrer. A expressão canto do cisne representa as últimas realizações de alguém.

  O facebook também é cultura 

Marcia Lailin Mesquita 

As descobertas e as invenções — não se pode descobrir o que existe! | Carlos Matos Gomes in “Medium”

A discussão sobre o nome a dar a um futuro museu das descobertas tem-me proporcionado descobertas espantosas. O argumento mais espantoso que ouvi é o de que não se pode descobrir o que já existe!

É um argumento do mesmo tipo dos que explicam não poder a Terra ser redonda pela impossibilidade de os habitantes dos antípodas viverem de cabeça para baixo! É um argumento de pés no lugar da cabeça. Na realidade só é possível descobrir o que existe. Descobrir o que não existe não é descobrir, é inventar, ou criar. O átomo foi descoberto porque existe. As minas de ferro são descobertas porque existem concentrações de rochas ferrosas. O que não existia e teve de ser inventado foi a bomba atómica, ou as utilizações do ferro como utensílios, armas, estruturas, ou o aço.

A descoberta da impossibilidade de descobrir o que existe ocorre a propósito da recusa em aceitar que os portugueses descobriram novas terras e novas gentes.

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1/8 | Breve História da Europa. Do Século XX aos nossos dias | Carlos Matos Gomes in “Medium”

Raquel Varela escreveu a «Breve História da Europa, da Grande Guerra aos Nossos Dias» (Bertrand, Lisboa, 2018). Tive o prazer de apresentar o livro em Lisboa. Raquel Varela é uma jovem e talentosa historiadora social. Aborda a História pelas dinâmicas sociais. Eu sou um velho militar reformado e a leitura da obra da Raquel Varela incentivou-me a alinhar velhas e novas ideias a partir das dinâmicas que conduzem ao poder, à sua conquista e à sua manutenção. Serão 8 textos que colocarei aqui diariamente. Não uma crítica, nem uma análise da História. Empirismo assumido. Acientificidade. Apenas ideias soltas suscitadas por uma obra, essa sim fundamentada.

O esqueleto da obra é um roteiro de pontos a visitar que a autora nos propõe. Eu vou segui-lo com a minha visão e com as minhas interpretações. Vou aproveitar a riquíssima informação para partilhar interrogações.

O motor da História

Até que ponto são as “massas” (abrangente rótulo atribuído aos que ao longo dos séculos foram designados como o povo, os servos, os camponeses, os proletários, os que vivem do seu trabalho, os que se vendem ou se oferecem) o sujeito da História? Até que ponto são as massas o determinante da História?

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Uma vida consagrada ao ensino das Letras | Massaud Moisés | por Adelto Gonçalves

I

Duvidar de Aristóteles (384 a.C.-322 a.C) é sempre necessário, ainda que seja, para mais tarde, concordar com ele. Essa frase ouvi em 1994 do professor Massaud Moisés (1928-2018), quando, ao lhe fazer um relatório verbal de minhas pesquisas nos arquivos de Portugal sobre a vida e a obra de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), mostrei-lhe a fotocópia de um documento que consta do Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa, que provava que o lisboeta Alexandre Roberto Mascarenhas morrera em 1793, no mesmo ano do casamento de sua filha com o poeta.

Portanto, ao casar com Juliana de Sousa Mascarenhas, uma jovem analfabeta de 19 anos de idade, Gonzaga não teria tido a oportunidade de ajudar o sogro a aumentar sua fortuna, como afiançara o professor e filólogo português M. Rodrigues Lapa (1897-1989), para quem o poeta casara “com a herdeira da casa mais opulenta de Moçambique em negócios de escravatura” e ainda consagrara “as horas vagas ao comércio de escravos”.

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