Grégoire Chamayou: «Pour se défendre, le néolibéralisme a fait refluer le trop-plein de démocratie» | Interview par Sonya Faure | Dessin Sylvie Serprix | in Libération

Confrontés à l’activisme des années 70 puis aux exigences éthiques des consommateurs, penseurs libéraux et directions d’entreprises ont mis au point des guides de management et des théories politiques pour défendre le capitalisme contesté. En disséquant ces discours, le philosophe dresse une brillante saga du libéralisme autoritaire.

Dans sa Théorie du drone, parue il y a cinq ans aux éditions la Fabrique, le philosophe Grégoire Chamayou se penchait sur les enjeux éthiques de cette nouvelle arme de guerre. Avec la Société ingouvernable, une généalogie du libéralisme autoritaire (la Fabrique encore), il prend à nouveau de la hauteur pour dresser une saga du néolibéralisme «par en haut», du point de vue ceux qui ont défendu les intérêts du monde des affaires, aux Etats-Unis, à partir des années 70 : dirigeants d’entreprise, lobbyistes, théoriciens comme Milton Friedman et Friedrich Hayek… Chamayou a analysé les interviews des uns, les manuels de management des autres, les comptes rendus des assemblées générales, les textes de Prix Nobel comme les récits de briseurs de syndicats… «Une littérature grise, dit-il, qui n’est pas publiée en librairie. Les zones grises, aussi, des discours des économistes. Des textes disparates à considérer comme les éléments d’un même ensemble pratique.» Au terme de ce brillant panorama, la Société ingouvernable dresse un constat : le néolibéralisme dans lequel nous évoluons n’a rien de naturel ni de pur. C’est un système chancelant qui s’est construit à hue et à dia, de manière pragmatique, en réaction à de multiples crises d’une société jamais totalement «gouvernable».

Politiquement autoritaires et économiquement libéraux, les gouvernements de Trump ou d’Orbán nous semblent des aberrations. Vous dites à l’inverse qu’ils n’ont rien de contradictoires, pourquoi ?

On se fait souvent une idée fausse du néolibéralisme comme «phobie d’Etat», anti-étatisme unilatéral. L’actualité montre à l’inverse une nouvelle fois que libéralisme économique et autoritarisme politique peuvent s’unir : le conseiller économique de Bolsonaro, Paulo Guedes, est un «Chicago boy», un ultralibéral formé à l’École de Chicago, qui a enseigné au Chili sous Pinochet. La formule de «libéralisme autoritaire» a été employée dès 1933 par un juriste antifasciste, Hermann Heller, à propos d’un discours de Carl Schmitt face à une assemblée de patrons allemands. Schmitt y défendait un Etat extrêmement fort face aux revendications sociales mais renonçant à son autorité en matière économique. «Un Etat fort pour une économie saine», résumait-il. Cinquante ans plus tard, en pleine dictature Pinochet, le théoricien néolibéral Friedrich Hayek, qui a beaucoup lu Carl Schmitt, confie à un journal chilien : «Personnellement, je préfère un dictateur libéral à un gouvernement démocratique sans libéralisme.» Mais le libéralisme autoritaire a de multiples variantes. Thatcher, elle aussi, vise «un Etat fort pour une économie libre». En pratique, cela suppose, à des degrés divers, de marginaliser la sphère parlementaire, restreindre les libertés syndicales, éroder les garanties judiciaires… A côté de ce renforcement de l’Etat, on limite, de manière paradoxale, son champ d’intervention. C’est le concept de libéralisme autoritaire : faible avec les forts et fort avec les faibles.

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“A leitura feita sobre os gilets jaunes” | Sofia Amaro

Constato que a leitura feita sobre os gilets jaunes, nestes dias, é de tal forma enviesada que até o establishment avança amiúde com acusações excessivas, como sendo a extrema-direita ou o Steve Bannon que estão por detrás dos últimos tumultos protagonizados pelo movimento. E ninguém omite o facto de existir um aproveitamento político por parte da oposição, inclusive do FN, ou por parte de grupúsculos da ultradireita, no caso de Yvan Benedetti, ex-presidente do grupo ultranacionalista “L’œuvre française”. Seria simples se fosse apenas assim, mas basta andar nas ruas e estradas e constatar in loco o mar de descontentamento que se organiza horizontalmente e avançaria, com o que me foi dito, por vários quadrantes partidários e abstencionistas. Se por um lado, Macron esticou a corda liberal, a forja da espada de Dâmocles que pesa sobretudo sobre a classe média, é o resultado de uma política levada a cabo pelos sucessivos governantes, desde Chirac a Hollande, e não posso deixar de fazer aqui uma alusão às consecutivas políticas europeias. Todos encontraram fundamento e escola no TINA, na convergência dos tratados que reduziram implacavelmente o poder económico e social das pessoas nestes últimos anos, essas mesmas que se viram com as vidas esvaziadas de sentido, empurradas para a periferia, não só territorial, mas também longe dos centros de decisão, como meros joguetes para alimentar estratégias orçamentais. Os gilets jaunes representam o descontentamento de uma população que tem sido constantemente espoliada e esmagada por estados cada vez mais repressivos, impondo garrotes fiscais que se têm revelado iníquos e asfixiantes, sendo acompanhados de forma dolosa pela depauperação dos serviços públicos. As desigualdades têm sido ao longo da história o rastilho de insurreições, e aqui vislumbramos o presságio de “sous les pavés, la plage”, com a quase idêntica ordem dos soixante-huitards ou a violência entre os manifestantes GJ e os CRS. Palavras subversivas para uma população que se encontra melindrada e sob a premissa até agora da alienação, no início utilizada para embrandecer o espírito, basta analisar o papel dos OCS na marginalização educativa nos últimos decénios, como referiu Todd, acabando por ser descartada e descartável no injusto ascensor social.

Falando agora nas taxas sobre os combustíveis, é de facto uma medida punitiva pois parte do princípio que só o consumidor final será penalizado, excluindo os principais actores como a indústria automóvel, a indústria da aviação ou do transporte marítimo. E se mencionamos as medidas ecológicas, e aqui até a demissão de Hulot nos deu uma achega, não basta taxar novamente com medidas avulsas, remediar com o saco de plástico, mas por outro lado liberalizar ainda mais a caça ou avançar com moratórias sobre o glifosato. São estas as incongruências que entram em casa de cada francês, já agora de cada um de nós. Porque, vamos lá, temos o diesel, mas depois temos por exemplo a aviação civil ou a marítima. O avião emite entre 134 e 148 gramas de CO2 por passageiro ao quilómetro, contra 2,6 gramas para o comboio, segundo a consoglobe, e cada quilómetro adicional de voo resulta em querosene adicional queimado na atmosfera. Para cada quilo de querosene usado, 3 quilos de CO2 são emitidos. Segundo dados da ACNUSA, o avião é a principal fonte de emissões locais em plataformas para a maioria dos poluentes com níveis de emissão significativos como os óxidos de nitrogénio NOx, dióxido de carbono CO2, dióxido de enxofre SO2, monóxido de carbono CO. Segundo a FNE, a ONG alemã NABU, e outras instituições, a proliferação de cargueiros e indústria marítima, que usam principalmente um subproduto do petróleo e combustível pesado, é responsável pela emissão de grandes quantidades de partículas finas, óxidos de enxofre e óxidos de nitrogénio. Este poluente é uma das principais causas do problema de acidificação das chuvas, sendo extremamente tóxica para a saúde. Depois temos o consumo excessivo de carne, responsável pela duplicação das emissões de dióxido de carbono, quando sabemos que as grandes explorações agropecuárias​ são responsáveis não só pela deflorestação mas também pela emissão de gás metano; o consumo desmedido de peixe, que fez com que os oceanos tenham entrado em falência, sendo que a pesca massiva altera o equilíbrio dos fundos marinhos, e para além do processo de acidificação, algumas espécies já pouco proliferam, nomeadamente o bacalhau no Mar do Norte.

Os alertas avançados pelas várias instâncias internacionais são vários, os estudos são públicos, mas continua o frenesi que serve apenas o expurgar da dívida, quando se legitimam as sucessivas artimanhas financeiras, deslocalizando o tesouro público amealhado para fins pouco legítimos, deixando impunes os sucessivos culposos, e desfalcando a nossa única salvaguarda social.

Quem aponta o dedo aos homens e mulheres que se têm erguido nas ruas, não compreendeu ainda o desafio com que nos deparamos, sendo que a violência tem-nos sido revelada pela epidemiologia do suicídio, que vai para além dessas figuras antitéticas de Catão e Ofélia, e das divagações plumitivas, conduzindo à abertura de associações que resguardam a pouca dignidade que resta às pessoas. E elas não são contra a mudança de paradigma, mas não à custa dos últimos euros que lhes sobram a meio do mês, esses poucos euros que não lhes permite comer bio, local… Os que os acusam de “beaufs” são os mesmos que escrevem no telemóvel último modelo, com o coltan selvaticamente explorado e responsável pela disputa do “ouro azul”, ou fazem a lista de viagens turísticas com destinos intercontinentais, lendo artigos no Le Monde sobre esse fascinante mundo do lúmpen. Somos todos muito moralistas e pífios quando se trata de apontar o dedo ao mais fraco, já quanto ao nosso comportamento somos cinicamente indulgentes. Se é para mudar, teremos de mudar radicalmente começando pelas instâncias de poder, não só as políticas mas também as económicas, e mudarmos implica um esforço que terá de se ser exponencial ou nem sequer valerá o saco de amido de milho biodegradável ou mesmo a pedalada nessa ciclovia cosmopolita, que se pode transformar neste aparato mundial, e como todas as medidas avulsas, num estafado calcanhar de Aquiles.

Sofia Amaro 

Retirado do Facebook | Mural de Sofia Amaro