TAP | Tiago Franco

(Pessoal que quer ver a TAP pelas costas é melhor parar nesta linha)

Não sou um grande fã da ficção. Claramente alinho mais com a prosa factual e histórica. Ainda assim forcei-me a ler um livro que encontrei na Fnac: “Missão em Cuba” do Nelson deMille. “Best Seller” e “número 1 em Nova Iorque” prometia quem o publicitara. Eu confesso que o chamariz estava naquela foto de capa, com o capitólio de Havana e um carro da década de 50, brilhante e colorido pelos anos de embargo. Imaginei um espião no Malecón, um rum “shaken, not stirred” e rumbas húmidas com camaradas pelo meio. Mas era só na minha cabeça. Na realidade de quem pensou a história, ao fim de 100 páginas preparavam-se para aterrar em Havana. Relembro que o nome do livro é ”Missão em Cuba”. Já estava ligeiramente irritado quando ouço lá ao fundo o Cotrim a falar na Assembleia da República. De vez em quando corto na Bossa Nova e aposto no Parlamento para música ambiente. O tema era a TAP e a sua reestruturação.

O Cotrim, como se imagina, traçava o caminho da privatização e argumentava, como bom liberal, com o erário público que na sua visão deve ser reduzido. Aos poucos aquela voz, repetindo disparates, tomou a vez do Nelson e acabei por fechar o livro. Continuávamos sem chegar a Havana pelo que, mal por mal, resolvi trocar uma irritação por outra.Dizia o Cotrim, de cátedra, que não estava surpreendido com a situação da TAP e que há muito se adivinhava a necessidade de ajuda que agora se discutia. Portanto, num ano em que as companhias aéreas um pouco por todo o mundo colocaram os aviões em terra e os países encerraram fronteiras, o Cotrim percebeu que a TAP ia ter problemas. É melhor ninguém lhe dizer que sabíamos todos, para não lhe estragarmos o vídeo de 2 minutos que meteram no canal de youtube da Iniciativa Liberal.

Um dos argumentos repetidos para que nos livremos da TAP é “não garante a coesão territorial”. Segundo o amigo Cotrim, basta olharmos para as rotas de Porto e Faro para percebermos isso. Se numa tasca em Alfama alguém de me dissesse, depois de 10 traçados, que a coesão nacional é ter o mesmo número de rotas em cada aeroporto de um país de 600 x 200 km + ilhas, eu ainda ficaria a pensar se valeria a pena responder. É que há traçados feitos com vinho que nunca viu uva e um gajo acaba a dizer umas idiotices. Mas no parlamento, segundo julgo saber, o catering é de qualidade. Quase tão bom como o da TAP.Se em países maiores do que o nosso as rotas se centram nas capitais (Roma, Paris, Madrid, Moscovo, Viena, Londres, Estocolmo, etc) ou em outros de tamanho semelhante (Bruxelas, Amsterdão, Dublin, Zurique, Copenhaga, etc), porque razão deveria a companhia de bandeira portuguesa fazer algo que manifestamente só traria prejuízo? Aí então é que os Cotrims desta vida não se calariam.Outra acha dos defensores da privatização é que a TAP nem foi a que trouxe mais turistas para Portugal em 2019. O que até pode ser verdade mas, ainda assim, não esconde a quantidade enorme que foi transportada pela TAP e, principalmente, a regularidade com que o faz.

O problema de quem pensa o futuro vendo o dinheiro que pode encaixar agora é que, por regra, tem que alterar o rumo indefinidamente. Nos últimos anos Portugal ficou na moda. Os prémios do turismo, o boom do alojamento local, a Madonna e todos os estrangeiros que se apaixonaram pelo Tejo visto das colinas. E claro, havendo procura, lá apareceram as low costs dos Urais até Barcelona com rotas para Lisboa. É bom que não se esqueçam que quando Lisboa e Porto não estavam na moda, era a TAP que nos garantia o fluxo turístico. Nem a Ryanair existia e já a TAP transportava para Portugal quem nos queria visitar ou quem a casa queria regressar. E sabem que mais? Assim continuará quando o Alentejo sair da moda ou os Clérigos forem substituídos pela próxima torre no outro lado da Europa. Isto não é um detalhe. É o que deve contar para quem prepara o futuro para lá do boom turístico e dos tuk-tuks eléctricos. Segue-se o queixume pelos salários. O custo com pessoal. Que paga muito acima da média em Portugal. Pergunto: já alguém parou para pensar que um empregador que pague 900 euros por mês a um funcionário está a pagar acima da tal média nacional? Será assim tão estranho compreender que não é a TAP que está errada? Porque razão queremos baixar a fasquia a quem paga decentemente em vez de lutarmos para subir os salários de miséria que oferecem outros empregadores, sejam eles do público ou do privado?

Sem querer entrar em grandes demagogias mas, para cortar em salários de funcionários públicos, eu iria procurar os que recebem fortunas para fazerem muito pouco (ou vá, dizerem umas coisas sobre Birkenau). Deixem lá os técnicos de manutencão em paz porque aquilo não se arranja sozinho.”Porque deve receber tanto alguém que serve cafés no ar ?”, diz o Zé indignado. Esta coisa de denegrir profissões também é algo que nunca compreendi. Achamo-nos tanto aquela bolacha do pacote que não fica presa no plástico. Há falta de dignidade em servir cafés em terra? Não, claro que não. Então qual é o problema se for no ar? E já agora, se houver algum azar, é a pessoa dos cafés que te vai socorrer portanto, é capaz de ter aprendido uma ou outra coisa, para além das colheres de açúcar, quando entrou ali. Pessoalmente, quando o avião começa a abanar olho logo para o pessoal de bordo. Se os vejo tranquilos, respiro. Certo dia, entre Gotemburgo e Bruxelas, num teco-teco de 4 motores, passei 2h agarrado à cadeira, a levar pancada de fazer bicho. Vendo a minha cor (que devia ser transparente), uma das funcionárias aproximou-se e disse-me para não me preocupar. Que iria sobreviver e que aquela seria a pior viagem da minha vida portanto, poderia ficar confiante que depois daquele voo, todos seriam melhores. Passaram já alguns anos e, confirmo, ela não se enganou. Nunca precisei deste tipo de ajuda numa esplanada mas, lá está, devo ser só eu.

Leio também alguma argumentação que defende um modelo como o norte-americano onde todas as companhias são privadas. Um mercado 25 vezes maior que o português, com o tamanho de um continente, carregado de rotas internas justificadas pelas distâncias e para onde todas as companhias do planeta voam a partir dos demais continentes. Bem, quanto a esta lógica a discussão encerra-se antes de começar.E claro, a cereja nesta conversa de quem quer ver a TAP na mão de privados é…e nós, camaradas? E os outros 5 milhões de emigrantes e luso-descendentes espalhados pelo planeta que, nas férias ou nas remessas enviadas, tanto jeito dão à economia ? Ou por acaso acharão que as rotas entre Lisboa e Caracas, Boston, Rio, Bissau, Zurique, Berlim, Joanesburgo, Maputo, Luanda, Praia, Paris entre outros, existem por aí ao pontapé e à escolha do freguês? Há cerca de 4000 portugueses na Suécia. Não sei quantos vivem na Noruega ou na Dinamarca. Imagino que o total não ultrapasse os 10 000. Pois a TAP voa para as 3 capitais, servindo portugueses. Um privado faria isto? Claro que não.

A TAP precisa de ajuda como todas as transportadoras aéreas. Eu diria, depois da catástrofe económica provocada pelo Covid, que empresas não precisam de resgate? Talvez as que fornecem internet, luz, gel e máscaras. Para as outras está mais agreste. Não discuto os detalhes da reestruturação, até porque não os conheço, mas perder uma das bandeiras de Portugal, uma das poucas empresas que é verdadeiramente global e que ainda nos orgulha nos quatro cantos do mundo, seria a machadada final.Muitos de nós, até diria que é uma espécie de complexo português, quando entramos num avião achamos que estamos a entrar na sala de operações. Queremos que aquelas 7 ou 8 pessoas nos sirvam como se não existissem mais 179 passageiros. Se é o teu caso e a TAP te desilude ou se és daqueles que preferem a Ryanair porque o bilhete é mais barato (a discussão de como chegam a esse preço dava um texto maior que este), estás no teu direito.

Se tal como Rui Rio te indignas com os 300 eur anuais para a TAP mas não fazes ideia de quanto pagas nas taxas escondidas da factura da EDP, da gasolina, do assalto do BES e das PPPs ou da enormidade consumida nos ajustes diretos das autarquias, também estás no teu direito.Se como eu, achares que a TAP devia ter administracões à prova de bala e sem gestores que recebiam do saco azul do GES, então, talvez estejamos de acordo em algo e tenhamos base para o tal tracado em Alfama.

E se nada mais servir, vê apenas os números de que todos parecem gostar tanto. Lembra-te que a queda da TAP é a queda de fornecedores e muitos serviços. São 2% do Pib e muitos milhares no desemprego. E já agora, pensa que os partidos que forçam esses despedimentos também não querem estado social. Portanto, como vês, algo falha nesta equação.

Se mesmo assim não percebes porque razão a TAP, companhia de bandeira de um país pobre, periférico, com ilhas e metade da sua populacão emigrada NÃO pode ser privada, então, resta-te acreditar no cenário que Rio, André, Cotrim e Chico andam a vender.A TAP entregue para negócio, o SNS privado e controlado pelas seguradoras, as escolas privadas e fora do alcance de 30 a 40% da populacão. A seguranca social reduzida ao mínimo possível dos 15% gerados pelos impostos. E no fim de tudo isso, tu continuarás com os 850 € por mês, ao contrário do que te venderam. O que pensavas que ia para o teu bolso acabou na Tranquilidade, no BES, no grupo Mello e nos amigos do costume.Não é a TAP que tem que baixar um patamar. Somos nós que temos que subir dois.

Tiago Franco

Retirado do Facebook | Mural de Tiago Franco

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