O belo livro “Protesto contra a realidade” de Lucas de Lazari Dranski | Breve Resenha Crítica

Toda arte é uma forma de literatura, porque toda arte é dizer qualquer coisa, disse Fernando Pessoa. A literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida por si só não basta, disse Heróstrato. Já Afrânio Coutinho preconizou que a Literatura é, assim, a vida, parte da vida, não se admitindo possa haver conflito entre uma e outra. Já para o filósofo grego Aristóteles, um dos primeiros a focar nos estudos sobre essa arte, a arte literária é mimese (imitação); é a arte que imita pela palavra” – Silas Corrêa Leite in Micro ensaio sobre a literatura itarareense.

Nesses tempos tenebrosos, de hordas fascistas no poder, em meio a uma crise pandêmica, resistir é preciso, insurgir-se é preciso, e mais, criar – a arte literária como libertação, levitação e assento desses tempos – é preciso.

Ezra Pound dizia que o artista deve ser antena de sua época, e a isso muito bem o autor se propõe, e assim se apresenta literariamente. A literatura é uma defesa contra as ofensas da vida, disse o poeta italiano Cesare Pavese.

Pelas obras literárias fazemos contato com a vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares. Por essas e outras, receber um livro de versos e prosas registrando resistências, sequelas e experiências, a crise pandêmica como um todo, é sempre um prazer imenso, mormente se o autor contemporâneo for um conterrâneo amigo, jovem pupilo, pensador, criador, estudioso com verve.

Junto com três amigos (os ditos quatro cavaleiros do apocalipse), também tive a oportunidade de criar o livro “Pandeiros, Pandemônios e Pandemias”, com o mesmo fito de resgate, de contações, de registros poéticos datados.

Se se insurgir é preciso, viver não é preciso? Pois é, em “Protesto contra a realidade”, Lucas de Lazari Dranski, muito filosoficamente, estronda a dura realidade e, nesse sentido, questiona, registra, impacta, na sua melhor releitura destes tempos, com qualidade poética enormemente bonita, ao mesmo tempo que chocante.

Depois de lançado o seu primeiro livro, “Dispersos, Diversos” (2016), que tive a oportunidade de prefaciar, entre cursos, leituras e pesquisas, Lucas de Lazari Dranski deu um salto de qualidade fora de série na sua poética, beirando a um portentoso acid rock de primeira!

São Lucas, nos Evangelhos, falava das riquezas impunes. O Lucas, jovem contemporâneo, diz desse Mondo Cane em terríveis situações – beirando o que chamo de poética da tristeza, de dor-poesia –, e, a palo seco, saca, deflagra, destila, põe seus versos para fora, protestando contra a situação não humana desse mundo nada humano, entre inumanidades locais, mundiais e sobretudo cruéis.

Já no belíssimo e rico prefácio, Luísa Coquemala, doutoranda em Teoria Literária pela USP (da qual sou admirador e fã), já muito bem apresenta a obra, prefaciando-a, dizendo sobre as indagações ferinas, respostas sisudas e questionamentos vários do autor.

E nesse fulcro se lê o livro, esplendidamente editado, talentosamente ilustrado, com uma capa chocante e poemas mordazes. Como estou ficando velho, indo ao terreno da chamada terceira idade, fico feliz em ver que o tempo-rei, por assim dizer, está renovando o estoque de loucos; nesse fio e pavio, Lucas, Luísa e Matheus (com suas ilustrações geniais) me representam.

Por demais, redigiu Luísa Coquemala: “Dranski segue os passos dos autores que admira, se espelhando ele também nos clássicos […]: vale lembrar que Drummond se voltou para Dante, como Dante se inspirou em Homero e Vergílio para relatar seu inferno pessoal […]”.

“O inferno são os outros” é uma das frases célebres de Sartre, filósofo e escritor francês. E é nesse correr de letras que Dranski, parece-me, provoca rompantes de ideias, atiça a imaginação, abre veios nas riquezas dos versos, nos dando um sentimento de indignação.

O livro tem textos em inglês, que poderiam ter sua tradução no rodapé da página, embora o Google Tradutor esteja aí para alguém idoso como eu, que adora a nossa portentosa língua mátria, e que tem trauma, principalmente, do inglês, tão necessário neste mundo…

“O que tua mente diz?/Torna-te quem tu és”, assenta o autor, citando em alemão Friedrich Nietzsche, paráfrase do livro “Gaia Ciência”. E assim Dranski faz, pensa, sente, decodifica: pensa o sentir, sente o pensar, e, então, se retrata todo sensível, se incomoda feito um insurgente poeta, criando a ferro e fogo…

“A despeito de o tempo lhe consumir a essência,/O cálice de sépalas embebeda a coroa da natureza,/Contradizendo sua obsolescência e/Dando sentido à sua pureza […]” (p. 82). Nem sempre se lê lágrimas no escuro, parafraseando Lobão, ou, citando um e outro poeta, o importante é que a emoção sobreviva. A isso se propõe Lucas; o que faz bem.

Assino embaixo no cordão desse protesto contra a realidade. Quando não podemos suportar a fera realidade, produzimos artes, para nos protegermos de nós, da vida irada, da sociedade pústula, da civilização destrambelhada; escrevemos!, ou, como em Maiakovski, nos atiramos e… fim? Um sonho no exílio de nós mesmos? Temos que parir essa montanha que é a nossa sensibilidade ferida. “Não se compreendendo o vazio,/Segue-se o erro da existência […]” diz o poeta à p. 102 do livro. Sim, não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente, disse o pensador Jiddu Krishnamurti.

Acabei de ler “Protesto contra a realidade” e fiquei com minhocas na cabeça. É a ideia dum livro como se um machado a abrir cérebros, tal-qualmente preconizou Franz Kafka. Grande livro, de capa, de conteúdo, além de técnico-editorialmente perfeito, com encantadoras ilustrações.

Não se assustem, caros leitores. Leiam-no! Afinal, Renato Russo cantou, e não por acaso, que: “Tudo é dor/E toda dor vem do desejo/De não sentirmos dor […]” (in Quando o sol bater na janela de teu quarto).

Bravo, Lucas de Lazari Dranski!

Silas Corrêa Leite, poeta e professor. Autor de “Cavalos Selvagens”, romance, coedição das Editoras Kotter (PR) e LetraSelvagem (SP). E-mail: <poesilas@terra.com.br>. Site: <www.poetasilascorrealeite.com.br>.

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