Eu quero viver num país decente! | Carlos Matos Gomes

Eu quero viver num país decente. Não quero o paraíso. Quero o melhor possível. O que começa por respeito pelos meus semelhantes.

A que vêm estas frases? Ao tratamento que está a ser dado a um nosso concidadão na África do Sul. João Rendeiro.

A justiça popular, os adeptos dos pelourinhos e das fogueiras dos autos de fé exultaram com a prisão de João Rendeiro na África do Sul.

Os açuladores das matilhas – as televisões, em claro – transformaram um ser humano num animal de vingança, no gato a que se ateava uma chama ao rabo, ao coelho lançado para o meio dos cães, no judeu.

Excitaram o pior de cada um de nós. De tal modo que um energúmeno em campanha eleitoral pode propor sem escândalo a prisão perpétua, a castração de homens e a excisão de ovários a mulheres!

Revolto-me ao  ver e ao ler e ao ouvir o que está a ser dito a propósito das condições da prisão de João Rendeiro. Conheci a África do Sul no tempo do apartheid. Sei da violência acumulada. Acredito que as atuais prisões sul-africanas sejam assim; acredito que o que se soube do tratamento a prisioneiros na Costa dos Esqueletos na Namíbia e que, passe a publicidade, referi ao de leve no romance Angoche – se replique hoje em dia.

Sei que não é politicamente correto defender João Rendeiro, mas é a minha consciência.

Não sendo religioso, conheço a frase bíblica de ser preferível perdoar a um pecador que condenar um inocente. João Rendeiro não é, pela atual justiça (pela antiga seria), inocente, mas não merece ser condenado a uma morte lenta, a tortura – porque se trata de tortura e de tratamento desumano aquilo que estamos a assistir e a admitir com o nosso silêncio.

Haverá quem defenda esses processos. Haverá quem se cale por conveniência. Eu não. Eu quero viver num país onde todos, mesmo os que praticam crimes, tenham a dignidade de seres humanos. Quero deixar essa herança aos meus netos. E vou votar para me ajudar a ficar de bem comigo.

Retirado do Facebook | Mural de Carlos Matos Gomes