O que está a acontecer no Congo? | João Melo, 21 Fevereiro 2023 | in DN

Oleste do Congo Democrático é palco há trinta anos de um conflito alimentado por milícias rebeldes (atuam na região mais de uma centena de grupos armados), o que já causou mais de 10 milhões de mortos, além de um sem número de atrocidades de que os cidadãos são alvo todos os dias. A ONU destacou para a região uma missão de paz com cerca de 14 mil efetivos, a qual, entretanto, se tem mostrado absolutamente ineficaz.

O Papa Francisco esteve recentemente na região e, num dos seus encontros, esteve com alguns dos sobreviventes desse trágico conflito, alguns dos quais exibindo as marcas das sevícias de que foram alvo. O líder máximo da Igreja Católica não poupou nas palavras para acusar os interesses estrangeiros que tentam dividir o referido país, a fim de continuar a explorar criminosamente as suas enormes riquezas. “Há uma noção — que sai do inconsciente de tantas culturas e pessoas — que África deve ser explorada. Isso é terrível. A exploração política deu lugar a um ‘colonialismo económico’ e igualmente escravizador”, disse ele.

“O veneno da ganância manchou os diamantes [da RDC] com sangue”, afirmou o Papa Francisco, para depois fazer um apelo que deverá calar fundo no coração e na mente de todos: — “Parem de sufocar África: não é uma mina a ser explorada, nem uma terra a ser saqueada.” O Sumo Pontífice não tem dúvidas: o que se passa na República Democrática do Congo é “um genocídio esquecido”.

Algo parecido foi dito pelo secretário geral da ONU, o português António Guterres, no passado sábado, 18 de fevereiro, quando discursava na abertura da cimeira da União Africana, em Adis Abeba. Resumidamente, ele acusou o sistema financeiro internacional de “extorsão” do continente africano. Conforme explicou, tal “extorsão” consiste no facto de o sistema financeiro internacional, em regra, negar aos países africanos o alívio da dívida ou qualquer financiamento em condições favoráveis, ao mesmo tempo que cobra juros exorbitantes.

“Os países africanos não podem investir em áreas fundamentais, como a saúde, a educação, a tecnologia ecológica, a proteção social ou a criação de empregos sustentáveis, ao mesmo tempo que são obrigados a subir a escada do desenvolvimento com uma mão amarrada atrás das costas” – afirmou o principal funcionário das Nações Unidas.

Ora, é disso que falo quando, em ocasiões variadas, realço a hipocrisia do Ocidente, tão ocupado com a suposta “batalha pela democracia” em certas áreas do planeta, escolhidas a dedo, mas não hesitando em abdicar da sua alegada luta pela liberdade quando isso puser em causa os seus interesses económicos, em especial se se tratar de regiões fora do seu espaço geopolítico, levando, pois, a política de dois pesos e duas medidas até ao máximo do seu perverso esplendor.

Retornando ao Congo, Félix Tshisekedi, presidente do país, pôs o dedo na ferida, acusando frontalmente os responsáveis por essa trágica situação: — “(…) grupos armados pelas potências estrangeiras ávidas dos minerais que existem no nosso subsolo cometem, com o apoio direto do nosso vizinho Ruanda, crimes cruéis”, disse, aquando da recente visita do Papa Francisco a essa grande nação africana.

O papel do Ruanda na crónica crise persistente na RDC precisa, de facto, de ser estudado, o que talvez faça em futuros textos. Por ora, o ponto principal para o qual quero chamar a atenção é o beneplácito e incentivo com que as autoridades ruandesas contam por parte das principais potências ocidentais. Se dúvidas houvesse em relação à hipocrisia dessas potências, que criticam certos ditadores e autocratas e apoiam outros, que condenam determinadas invasões, mas não todas e nem em todas as regiões do planeta, a atitude das mesmas relativamente ao papel do Ruanda na situação no leste da RDC dissipá-las-ia num ápice.

A verdade — insista-se — é que a persistência de muitos conflitos e problemas internacionais se deve à hipocrisia do Ocidente. No caso do Congo, o lítio e outras riquezas existentes explicam tudo.


Escritor e jornalista angolano
Diretor da revista África 21

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