António Dacosta no CAM

A exposição do centenário do nascimento de António Dacosta (Angra do Heroísmo, 1914 – Paris, 1990) acompanha a publicação do catálogo raisonné digital do artista – primeiro catálogo digital produzido sobre um artista português e iniciativa pioneira na área da investigação artística e das novas plataformas digitais. Visitar aqui: www.dacosta.gulbenkian.pt

 

António Dacosta 1914 | 2014 procura dar uma imagem de conjunto da obra deste artista juntando obras inéditas, menos conhecidas ou menos vistas. No seu conjunto a exposição é uma combinação entre núcleos perfeitamente demarcados no tempo (o Surrealista de 1939-1942), com outros em que diferentes tempos se cruzam e completam.

 A exposição começa com uma evocação do Coelho da Alice no País das Maravilhas, estudo concebido para a estação do Metro do Cais do Sodré, encomenda do Metropolitano de Lisboa que Dacosta não conseguiu concluir a tempo. Na sala contígua, é apresentada alguma documentação, ilustrações, bibliografia, iconografia significativa e, sobretudo, desenhos e apontamentos, testemunhos do espírito inquieto e de permanente pesquisa de António Dacosta. O corpo de obra principal está patente na Galeria 1 do CAM.

 António Dacosta nasceu a 3 de Novembro de 1914 em Angra do Heroísmo; vinha de uma família habituada ao trabalho da mão, com o pai marceneiro e o avô entalhador e restaurador.

Em 1928 começa a pintar, assinalando uma vocação artística que o leva a abandonar as Ilhas em 1935, instalando-se em Lisboa onde frequenta a Escola de Belas-Artes.

 Um rosto de 1936/37, O Passarinheiro, é o mais antigo sinal de uma inquietação criadora que se vai acentuar com o correr dos anos e dos encontros, com especial relevo para a cumplicidade que vai forjar com António Pedro (1909 – 1966), parceiro de aventura surrealista; aliás, a exposição que ambos fazem, conjuntamente com Pamela Boden (1905 – 1981), em 1940, é fundadora, e considerada a primeira exposição surrealista em Portugal. A incerteza trazida pelas guerras que cercam Portugal tem fortíssima tradução no trabalho de António Dacosta no início dos anos quarenta, num surrealismo que é um teatro da inquietação, umaAntítese da Calma portuguesa, onde a consciência e o inconsciente trabalham de mãos dadas. A partir de 1942, a obra aquieta-se e Dacosta inicia uma curta série de experiências onde é patente a influência de Picasso. Entretanto, em 1943, inicia uma outra faceta do seu trabalho: a crítica de arte que vai exercer, em Lisboa e em Paris, até 1980. É curioso verificar que essa actividade, que sempre considerou com displicência (“croniquetas” lhes chamava), coincide no seu início com um abrandamento da obra plástica, e, no fim, com o reaparecimento público do pintor.

 Paris é o seu destino em 1947; António Dacosta vai permanecer nessa cidade até ao fim da sua vida, gozando “a exaltante capacidade de admirar” que a distingue. Paris requer ser vivida, mesmo que para tal a pintura esmoreça; foi o que aconteceu, não só porque viver a vida se impôs, como pela consciência aguda de uma crise das artes que o leva a perguntar, em 1948: “será que se interrompeu o ritmo criador?”

 A pintura e o desenho continuaram na relação com amigos e parentes; mas, para a crítica e para a história, Dacosta permaneceu como uma figura de ausência, “uma perda da maior importância para a pintura portuguesa” (como disse José-Augusto França em 1973).

 Tal ausência só veio dar maior relevo ao seu público aparecimento em 1983 (Galeria 111, Lisboa); o seu regresso, paulatino, privado e íntimo, à pintura começara mais cedo, ajudado provavelmente, “por aquilo que os meninos sabem e os adultos precisam aprender”, com a presença de Carlos e Lisa, os filhos que tivera de Miriam Rewald, com quem casara em 1967. Dacosta reaparece com uma pintura nova de um olhar cristalino sobre as mais simples coisas, organizada ora em séries temáticas, ora em singularidades exaltadas, e vai afirmar-se com uma intensa produção artística, numa obra em evolução para uma renovada gravidade que o sentimento do tempo que passa e do efémero da vida e da arte vão marcando.

O corpo principal da exposição está organizado em cinco tramos, desiguais dadas as características da obra. Os dois primeiros, Cena Aberta e Crise Mitológica, são os únicos rigorosamente cronológicos já que se ocupam do surgir convulsivo do pintor surrealista entre 1939 e 1942 e da crise que se lhe segue, antecedendo a interrupção da prática da pintura. O restante percurso será temático, iniciado pelo Sul, uma poética onde geografia, memória e imaginação se combinam, pelas Séries, em que muitas obras vêm organizadas e que conduzem ao Alfa e Ómega final, de acentuado contraponto entre obras de tempos bem diferentes.

António Dacosta

1914 | 2014

Curadoria: José Luís Porfírio
17 de outubro de 2014 a 25 de janeiro de 2015
CAM – Sala A e Sala B, Galeria 1

Fonte: Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian.

Assista a um vídeo da visita guiada pelo curador.

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