Francisco Louçã | A quadratura do círculo venceu?

francisco louca

Triunfo de António Costa, depois de últimas horas de negociações difíceis, dizem agora alguns jornais (mesmo naqueles onde se escrevia que o Orçamento era uma geringonça e que a Comissão ia varrer esta tropa fandanga à bordoada, como ela sem dúvida merece, acrescentavam). Os corajosos porradistas foram-se desvanecendo à medida que os porta-vozes de Bruxelas iam amenizando o tom, e acabaram mesmo a comunicar altivamente que, “a bem da Pátria”, preferem ficar calados. Bruxelas reserva entretanto – e majestaticamente – a decisão de aceitar o Orçamento que só por regra de abuso institucional é sujeito à sua consideração. Até os juros desceram. Tudo termina como tinha que terminar.

Do que se conhece do Orçamento, ele cumpre as regras mínimas dos compromissos que sustentam o governo (redução da sobretaxa, aumento do salário mínimo, devolução dos salários da função pública, descongelamento de pensões) e vai mesmo mais longe (extensão da tarifa social da energia) e não agrava impostos sobre o trabalho. Introduz uma excelente novidade: o fim da isenção em IMI para os fundos financeiros imobiliários, que o PS não tinha aceite na negociação anterior dos acordos de governo e a que agora se resigna. Tem um aumento dos impostos sobre gasolina e outros produtos, com impacto nos custos dos transportes e portanto na vida das pessoas, mesmo que em escala incomparável com os aumentos recentes do IRS, e mantém o aperto orçamental, uma política restritiva. É uma viragem e uma viragem visível, demonstra que podem ser aplicados critérios diferentes dos da austeridade contra os trabalhadores e os pensionistas. Mesmo que seja somente o início de uma viragem, mesmo que falte uma política social contra a pobreza, em particular dos pensionistas, e uma política de investimento para o emprego, é mesmo uma viragem. De facto, faltam recursos a este Orçamento para responder de forma completa ao seu compromisso com o país, mas percebe-se a vontade de forçar uma nova via.

A mudança de agulha foi portanto saudada e é uma vitória para o governo e para os partidos que negociaram o Orçamento. Estou certo de que uns e outros têm também a percepção clara de duas limitações. A primeira é que a execução orçamental será muito difícil, sobretudo se factores externos, como a bolha financeira internacional ou simplesmente a pressão política das agências de notação, prejudicarem o contexto da economia portuguesa. Se assim for, a Comissão Europeia, que agora foi forçada a ceder, voltará nos próximos meses à carga exigindo mais medidas para uma austeridade como a que aprecia. Vai haver conflito ainda antes do Verão.

A segunda limitação é que este orçamento não tem dinheiro. Portugal só terá recursos para políticas sustentáveis de recuperação económica quando abater o custo da sua dívida externa, pública e privada. Não existiu nem vai existir outro caminho. Entretanto, só pode escolher entre austeridade (Passos Coelho e Portas) e contenção e pequenos aumentos da procura (o governo actual). A escolha nem é indiferente nem é pequena. Pelo contrário, é significativa. Mas não basta, porque não há emprego sem investimento e reconversão da estrutura produtiva.

Portanto, Costa ganhou. Mostrou que podia fazer frente à Comissão, mesmo que a solução fosse previsível. Mostrou que os cortes nas pensões e salários não são o destino que nos foi reservado pelos céus. Mas é melhor que saiba também, e sabe, que está ainda no fio da navalha e que as decisões maiores para o futuro de Portugal ainda não foram tomadas, mesmo que sejam urgentes. A quadratura do círculo nunca se consegue, a não ser em jogos geométricos que não são da nossa vida.

(no blog tudomenoseconomia, no Público online, emhttp://blogues.publico.pt/…/04/a-quadratura-do-circulo-ven…/)

(Retirado do Facebook, com a devida vénia)

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