SOBRE O AQUECIMENTO GLOBAL | António Galopim de Carvalho

No tempo que estamos a viver, em que todos os dias se fala, e bem, do aquecimento global e consequentes manifestações atmosféricas, com magnitudes extremas, não raras vezes catastróficas, a acontecerem com frequência alarmante, fora das épocas e do lugares. Estamos a assistir a mudanças climáticas que constantemente ouvimos dizer serem da inegável responsabilidade da sociedade de consumo, um processo que continua a passar ao largo das preocupações do presidente do segundo país mais poluidor do mundo (o primeiro é a China).

Não em defesa da estúpida teimosia do senhor Trump, importa, todavia, reflectir sobre o que tem sido o sobe e desce da temperatura do planeta, nos derradeiros milhares de anos, à escala global, e o consequente sobe e desce do nível geral da superfície do mar.

Nos últimos dois milhões de anos da história da Terra foram registadas seis grandes glaciações intercaladas por cinco períodos de aquecimento global, ditos interglaciários, no pico dos quais os níveis do mar subiram muito acima do nível actual. A mais recente destas seis glaciações, ocorrida entre há 80 000 e 10 000 anos, conhecida por “Würm”, na Europa, e por Wisconsin, na América do Norte, não será certamente a última, e nós estamos a viver o período interglaciário entre esta e a próxima, a acontecer, muito provavelmente, daqui a uns bons milhares de anos. Assim sendo, potenciada, menos ou mais, por gases com efeito de estufa, de origem antrópica, libertados para a atmosfera, a temperatura global vai elevar-se e, em consequência do inevitável degelo, o nível do mar vai subir e muito.
Há cerca de 18 000 mil anos, no Paleolítico, já as mais antigas gravuras rupestres se disseminavam pelas paredes rochosas do Vale do Côa, atingia-se o máximo de rigor e de extensão da última glaciação, a calote glaciária em torno do Pólo Norte, espessa de dois a três milhares de metros, alastrava até latitudes que, na Europa, atingiam o norte da Alemanha, deixando toda a Escandinávia submersa numa imensa capa de gelo, capa que cobria igualmente todo o Canadá, a Gronelândia e grande parte da Sibéria. No Pólo Sul a calote antárctica crescia sobre os oceanos circundantes.

No Atlântico Norte, a frente polar, ou seja, o encontro entre as águas polares, com icebergs à deriva, e as águas temperadas, situava-se à latitude da nossa costa, entre Aveiro e o Porto. O nível do mar estaria, ao tempo, uns 140 metros abaixo do actual, pondo a descoberto uma vasta superfície, hoje submersa, levemente inclinada para o largo e que corresponde à actual plataforma continental.

Da linha de costa de então (alguns quilómetros ao largo da actual) descia-se rapidamente para os grandes fundos oceânicos, com 4000 a 5000 metros de profundidade. A temperatura média das nossas águas rondaria, então, os 4 ºC.

As Serras da Estrela e do Gerês, à semelhança de outras montanhas no país vizinho, tinham os cimos permanentemente cobertos de gelo, alimentando línguas glaciárias (glaciares de vale) e desenvolvendo processos de erosão próprios dessa situação climática, cujos efeitos ainda se podem observar em importantes testemunhos, tais como moreias, rochas estriadas e aborregadas, blocos erráticos.

Nos relevos menos proeminentes, mais a sul e menos afastados do litoral como, por exemplo, as serras calcárias do Sicó, Aires, Candeeiros e Montejunto, encontram-se ainda, da mesma época, vestígios bem conservados e evidentes de acções periglaciárias. Desses vestígios sobressaem certas coberturas de cascalheiras soltas, brechóides, sem matriz argilosa, essencialmente formadas por fragmentos de calcário muito achatados e angulosos, em virtude da sua fracturação pelo frio, que deslizaram ao longo das vertentes geladas, destituídas de vegetação e de solo, e se acumularam na base desses declives. A conhecida pincha de Minde teve a sua origem nesta altura e através deste processo.

A partir de então verificou-se uma importante melhoria climática e consequente degelo. A temperatura sofreu uma elevação gradual e as grandes calotes geladas começaram a fundir e a retrair-se, debitando, nos oceanos, toda a imensa água até então aprisionada. Em consequência desse degelo, o nível geral das águas iniciou a última grande subida, conduzindo a uma nova invasão das terras, conhecida por transgressão flandriana.

Praticamente, todos os rios portugueses, do Minho ao Guadiana, terminam em estuários, que não são mais do que vales fluviais escavados (algumas dezenas de metros a baixo do nível de base actual) durante a última glaciação (“Würm) e posteriormente invadidos pelo mar, no decurso desta transgressão

Pelos estudos realizados na nossa plataforma continental sabemos que, há cerca de 12 000 anos e na continuação do degelo global, o nível do mar coincidia com uma linha aí bem marcada, à profundidade de 40 metros. Uns mil anos mais tarde, a tendência geral de aquecimento generalizado foi perturbada por uma crise de arrefecimento à escala mundial. Na sequência desta crise, as calotes glaciárias polares, não só interromperam o degelo, como reinvadiram as latitudes entretanto postas a descoberto. Em resultado desta nova retenção das águas, o nível do mar desceu de um valor estimado em 20 metros e assim permaneceu durante cerca de mil anos. No hemisfério Norte, a frente polar que recuara até latitudes mais setentrionais, avançou de novo e atingiu o paralelo da Galiza, pelo que as temperaturas das nossas águas voltaram a descer, rondando os 10 ºC. No final deste episódio de inversão climática, a que se dá o nome de “Dryas recente”, há uns 10 000 anos, a transgressão retomou o seu curso. O clima tornou-se mais quente e mais chuvoso, entrando-se no que designamos por pós-glaciário. Há 6 a 7 mil anos, a temperatura média, na nossa latitude, atingia cerca de 5 ºC acima dos valores normais no presente. Foi o recomeço da subida generalizada do nível do mar, que se vinha a verificar desde o início do degelo, à razão de cerca de 2 cm por ano, em valor médio, embora a ritmo não constante e com algumas oscilações. Este episódio, conhecido por “Óptimo climático”, coincidiu, em parte, com o Mesolítico português, estando bem exemplificado nos magníficos concheiros de Muge, no Ribatejo.

O nível marinho actual começou a ser atingido há cerca de 5000 anos, em pleno Megalítico ibérico, iniciando-se, então, o que é corrente referir como “Período climático subatlântico”, marcado por relativa humidade. A partir de então verificaram-se pequenas oscilações na temperatura, marcadas por moderadas e curtas crises de frio, com correspondentes recuos do mar, designados por “Baixo nível romano”, há 2 000 anos, “Baixo nível medievo”, em plena Idade Média (séculos XIII e XIV) e “Pequena idade do gelo”, nos séculos XVI a XVIII, bem assinalada na Europa do Norte pelo congelamento de rios e lagos, facto bem testemunhado em pinturas da época. Posteriormente a esta crise de frio a temperatura do planeta subiu para os níveis actuais, e vai, muito provavelmente, continuar a subir, mesmo sem a ajuda das emissões antropogénicas do agora tão falado dióxido de carbono e dos outros gases com efeito de estufa.

Incautamente, a espécie humana continua a agredir e a conspurcar esta sua única “casa”. À semelhança do que sempre fez, ao longo de uma enormidade de tempo, a Terra saberá recompor-se e para tal dispõe de ainda outra eternidade. E nós ficaremos, certamente, pelo caminho.

A questão é saber se teremos engenho e arte para lhe assegurar a habitabilidade que nos tem disponibilizado. E por quanto tempo mais?

António Galopim de Carvalho

Retirado do Facebook | Mural de António Galopim de Carvalho

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