Três sonetos de Luiz Vaz de Camões

Primeiro soneto:

Amor é um fogo que arde sem se ver;
é ferida que doi e não se sente;
é um contentamento descontente;
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealmente.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Segundo soneto:

Quem vê, Senhora, claro e manifesto
o lindo ser de vossos olhos belos,
se não perder a vista só em vê-los,
já não paga o que deve a vosso gesto.

Este me parecia preço honesto;
mas eu, por de vantagem merecê-los,
dei mais a vida e alma por querê-los,
donde já me não fica a  mais de resto.

Assim que a vida e alma e esperança
e tudo quanto tenho, tudo é vosso,
e o proveito disso eu só o levo.

Porque é tamanha bem-aventurança
O dar-vos quanto tenho e quanto posso
Que, quanto mais vos pago, mais vos devo. 

Terceiro soneto:

Por que quereis, Senhora, que ofereça
a vida a tanto mal como padeço?
se vos nasce do pouco que mereço,
bem por nascer está quem vos mereça.

Sabei que, enfim, por muito que vos peça,
que posso merecer quanto vos peço;
que não consente Amor, que em baixo preço
tão alto pensamento se conheça.

Assi que a paga igual de minhas dores,
com nada se restaura, mas devei-ma,
por ser capaz de tantos desfavores.

E se o valor de vossos servidores
houver de ser igual convosco mesma,
vós só convosco mesma andai de amores.

 

Luiz Vaz de Camões

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