Pode um ateu ser admirador do Papa Francisco? | Carlos Esperança

Pope Francis gestures to the crowd as he arrives on November 6, 2013for his general audience in St.-Peter’s square at the Vatican.PINTO/AFP/Getty Images

Parafraseando o Papa, prefiro um católico humanista a um ateu malformado. Prefiro os que defendem os direitos humanos aos que os atropelam, as religiões que defendem a paz às que praticam terrorismo, os líderes que denunciam a exploração dos países africanos, aos que procuram pela força das armas submetê-los, os que levam uma mensagem de paz aos que trazem uma encomenda de armamento.

Francisco está no Congo, onde forças do Estado Islâmico (EI) assassinam e estropiam os cristãos, católicos e protestantes. Já denunciou a apropriação dos seus recursos por países ricos e a violência sectária que atinge o País.

Francisco é um homem corajoso e bom. A crença do idealista e o materialismo do ateu não nos separam, une-nos igual desejo da paz, harmonia e justiça social. Agora que Bento 16 morreu, já debilitado de saúde, passou a ser o único Papa, o Papa a quem este ateu tem a honra de homenagear e desejar sucesso na viagem corajosa ao Congo depois de a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) ter estado à beira de um novo cisma.

A luta entre Bento XVI e Francisco foi a ponta do iceberg que emergiu após o funesto e longo pontificado de JP2, que os corifeus da direita reacionária incensaram, e da continuidade do papa B16, muito mais inteligente e arguto, que o temor da Cúria fez abdicar da tiara sem renunciar às crenças.

O cardeal guineense Robert Sarah, que JP2 nomeou arcebispo aos 34 anos, um clérigo profundamente reacionário, foi apoiado pela ala mais retrógrada dos cardeais para ser o primeiro papa negro, mas um discreto jesuíta atravessou-se nos seus desígnios.

Quem vê a Igreja católica sul-americana, com bispos progressistas, em contraste com o clero espanhol, italiano, húngaro, polaco, austríaco ou francês, percebe que não há só a luta pelo poder, mas um confronto ideológico que passa pela sociedade, onde se jogam posições geoestratégicas e a consolidação da direita neoliberal e fascistoide, que domina os EUA e grassa em numerosos países europeus.

Francisco foi a pomba caída no ninho de falcões que povoavam o Vaticano, e viram o poder esvaziado e as suas posições reacionárias postas em xeque.

Robert Sarah, de 74 anos, cardeal desde 2010, encabeçou o movimento conservador que encontrou no Papa Francisco o obstáculo que urgia remover e a que não foram indiferentes a presidência americana de Trump e os seus aliados mundiais.

Não foi por retirar o nome de um livro que B16 deixou de legitimar a autenticidade das crenças que perfilhava e colidiam com as do seu sucessor, nem de deliberadamente o fragilizar.

Francisco é hoje o único líder religioso preocupado com a paz, o respeito pelo ambiente, as alterações climáticas e a defesa da liberdade religiosa e dos direitos humanos.

A guerra entre B16 e Francisco foi a metáfora da religião que podia ter sido a referência dos crentes humanistas, dividida no confronto entre o tradicionalismo de um alemão que não se rendeu e um argentino que o poupou, cada um com os seus partidários.

Em Itália, segundo sondagens, eram em maior número os bispos que apoiavam Salvini, líder de extrema-direita, do que o Papa que os cardeais elegeram alumiados pelo Divino Espírito Santo.

Certamente que estarão, ainda hoje, ao lado do governo fascista que chegou ao poder. O que os dividiu não foi Deus, a criação humana que podia ter sido boa ideia e se converteu em pesadelo, mas as opções políticas e as alianças geoestratégicas.

B16 e F1 eram dois clérigos com rara inteligência e enorme cultura, ambos com a noção de que podiam destruir a Igreja, e nenhum capitulou, embora só Francisco tivesse legitimidade para fazer doutrina. O primeiro perdeu a infalibilidade quando a preservação da vida se sobrepôs à continuidade no cargo, e a infalibilidade é um dogma de Pio IX, deixado em herança, e em que nenhum deles acreditava. Só crentes do tipo da Aura Miguel ou do João César das Neves eram capazes de defender tal anacronismo na luta entre dois infalíveis.

Nas alfurjas do Vaticano e nas sucursais espalhadas pelo mundo travou-se a luta entre a tradição e a modernidade. O ruído foi, e é, o grito de desespero dos que temem perder o próximo conclave apesar da tentativa que se adivinha para comprar votos cardinalícios e os favores de uma entidade em vias de extinção, o Divino Espírito Santo.

Agora, quando B16 continua morto, é desejável que Francisco continue a criar cardeais que desejem a paz e aceitem a modernidade. A ICAR, apesar das nódoas que a corroem, continua a referência de milhões de crentes, e a mais aceitável das religiões abraâmicas.

Hoje, em Portugal, a viagem de Francisco ao Congo é notícia menos relevante do que a decisão de M. – O PR mandar Moedas substituir o coordenador da JMJ, nomeado pelo Governo, como se o autarca tivesse legitimidade para tal e não houvesse presidente da Câmara de Loures.

Apostila – O autor é ateu.

Foto LUSA/EPA

Retirado do Facebook | Mural de Carlos Esperança

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.