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No meio do caminho | Carlos Drummond de Andrade

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

…………………………………………………….

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Fernando Pessoa 
…………………………………………………….

Rubem Alves

É na escuta que o amor começa.
E é na não-escuta que ele termina.

…………………………………………………….

oh yes | Charles Bukowski

there are worse things than
being alone
but it often takes decades
to realize this
and most often
when you do
it’s too late
and there’s nothing worse
than
too late.

…………………………………………………….

Peter Gabriel | The Carpet Crawlers

Peter Gabriel | The Carpet Crawlers
(URL DO VÍDEO)

There is lambswool under my naked feet.
The wool is soft and warm,
gives off some kind of heat.
A salamander scurries into flame to be destroyed.
Imaginary creatures are trapped in birth on celluloid.
The fleas cling to the golden fleece,
Hoping they’ll find peace.
Each thought and gesture are caught in celluloid.
There’s no hiding in my memory.
There’s no room to void.

The crawlers cover the floor in the red ochre corridor.
For my second sight of people, they’ve more lifeblood than before.
They’re moving. They’re moving in time to a heavy wooden door,
Where the needle’s eye is winking, closing in on the poor.
The carpet crawlers heed their callers:
“We’ve got to get in to get out
We’ve got to get in to get out.”

There’s only one direction in the faces that I see;
It’s upward to the ceiling, where the chambers said to be.
Like the forest fight for sunlight, that takes root in every tree.
They are pulled up by the magnet, believing that they’re free.
The carpet crawlers heed their callers:
“We’ve got to get in to get out
We’ve got to get in to get out.”

Mild mannered supermen are held in kryptonite,
And the wise and foolish virgins giggle with their bodies glowing bright.
Through a door a harvest feast is lit by candlelight;
It’s the bottom of a staircase that spirals out of sight.
The carpet crawlers heed their callers:
“We’ve got to get in to get out
We’ve got to get in to get out.”

The porcelain mannikin with shattered skin fears attack.
The eager pack lift up their pitchers- the carry all they lack.
The liquid has congealed, which has seeped out through the crack,
And the tickler takes his stickleback.
The carpet crawlers heed their callers:
“We’ve got to get in to get out
We’ve got to get in to get out.”

…………………………………………………….

Cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser…

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto…
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço…

Álvaro de Campos, in “Poemas”
Heterónimo de Fernando Pessoa

…………………………………………………….

Dorme a vida a meu lado, mas eu velo.
(Alguém há-de guardar este tesoiro!)
E, como dorme, afago-lhe o cabelo, 
Que mesmo adormecido é fino e loiro.

Só eu sinto bater-lhe o coração,
Vejo que sonha, que sorri, que vive;
Só eu tenho por ela esta paixão
Como nunca hei-de ter e nunca tive.

E logo talvez já nem reconheça
Quem zelou esta flor do seu cansaço…
Mas que o dia amanheça
E cubra de poesia o seu regaço!

Miguel Torga | in ‘Diário (1946)

…………………………………………………….

HEROS | David Bowie

I, I will be king
And you, you will be queen
Though nothing will drive them away
We can beat them, just for one day
We can be Heroes, just for one day

And you, you can be mean
And I, I’ll drink all the time
‘Cause we’re lovers, and that is a fact
Yes we’re lovers, and that is that

Though nothing, will keep us together
We could steal time, just for one day
We can be Heroes, for ever and ever
What d’you say?

I, I wish you could swim
Like the dolphins, like dolphins can swim
Though nothing, nothing will keep us together
We can beat them, for ever and ever
Oh we can be Heroes, just for one day

I, I will be king
And you, you will be queen
Though nothing will drive us away
We can be Heroes, just for one day
We can be us, just for one day

I, I can remember (I remember)
Standing, by the wall (by the wall)
And the guns, shot above our heads
(over our heads)
And we kissed, as though nothing could fall
(nothing could fall)
And the same, was on the other side
Oh we can beat them, for ever and ever
Then we could be Heroes, just for one day

We can be Heroes
We can be Heroes
We can be Heroes
Just for one day
We can be Heroes

We’re nothing, and nothing will help us
Maybe we’re lying, then you better not stay
But we could be safer, just for one day

Oh-oh-oh-ohh, oh-oh-oh-ohh, just for one day

…………………………………………………….

So Long Marianne by Leonard Cohen

Come over to the window, my little darling,
I’d like to try to read your palm.
I used to think I was some kind of Gypsy boy
before I let you take me home.
Now so long, Marianne, it’s time that we began
to laugh and cry and cry and laugh about it all again.Well you know that I love to live with you,
but you make me forget so very much.
I forget to pray for the angels
and then the angels forget to pray for us.Now so long, Marianne, it’s time that we began …We met when we were almost young
deep in the green lilac park.
You held on to me like I was a crucifix,
as we went kneeling through the dark.Oh so long, Marianne, it’s time that we began …Your letters they all say that you’re beside me now.
Then why do I feel alone?
I’m standing on a ledge and your fine spider web
is fastening my ankle to a stone.Now so long, Marianne, it’s time that we began …For now I need your hidden love.
I’m cold as a new razor blade.
You left when I told you I was curious,
I never said that I was brave.Oh so long, Marianne, it’s time that we began …Oh, you are really such a pretty one.
I see you’ve gone and changed your name again.
And just when I climbed this whole mountainside,
to wash my eyelids in the rain!Oh so long, Marianne, it’s time that we began …
…………………………………………………….
O Poema | Natália Correia

O poema não é o canto
que do grilo para a rosa cresce. 
O poema é o grilo
é a rosa
e é aquilo que cresce.

É o pensamento que exclui
uma determinação
na fonte donde ele flui
e naquilo que descreve.
O poema é o que no homem
para lá do homem se atreve.

Os acontecimentos são pedras
e a poesia transcendê-las
na já longínqua noção
de descrevê-las.

E essa própria noção é só
uma saudade que se desvanece
na poesia. Pura intenção
de cantar o que não conhece.

in Poemas (1955)

……………………………………………………..

POEMA | CÉLIA MOURA

Adormecem mamilos gretados
De indignação
Em cada palavra
Que não ouso.

Gemem catadupas de papoilas
Entre o trigo
E por isso as digo
As escrevinho
Grito-as aqui
Neste papel de ninguém!

E que prazer é
Mordê-las!

Saborear-lhes o sangue
Expulso das artérias
Libertando-as de mim
Desta clausura
Onde tentam amordaçar-me
Todas elas
As mais insolentes
As deliciosas
As mordazes
E até as mais voluptuosas!

Que prazer,
Enamorá-las
Consenti-las
Dar-lhes permissão
Para logo a seguir
As arremessar certeiras
Fugidias ou sarcásticas
Como flores ou como dardos
Aguçando-lhes a destreza
Verbalizá-las todas,
Libertando-as do sémen
Que nos fecunda a seara
Do Bem e do Mal
Arrancando ervas daninhas
Pelos dentes.

© Célia Moura – A publicar “Terra de lavra” (2012)
(Imagem – Justin Grant Photography)

 

 

 

 

 

……………………………………………………..

“La Reine de Saba” | Malika Mellal | toile de Hocine Ziani

Amour de Reine

Mon voyage vers toi , mon roi
Moi la grande reine de Saba
Simple femme devant toi
Mon cœur loin du tiens est aux abois

Je te porte myrrhe , encens et élixirs
Pour parfumer tes nuits de mille désirs
Caravanes pleines d’or et de trésors
Dignes d’un roi au palais d’or.

Oiseaux de paradis et génies
Offrandes au roi au bel esprit
Contes et légendes pour t’éblouir
J’aime éveiller les sens de mon Sire.

Étoffes précieuses des plus belles soies
Pour accueillir nos beaux émois
Des huiles rares et précieuses
Sercrets de caresses délicieuses.

Ma beauté digne des houris
Sera tienne toutes les nuits
Tes bras dont je me languis
Me font traverser tous ces pays.

Amour Royal et majestueux
Plaisirs infinis et savoureux
Lien fabuleux et mystérieux
Amour légendaire béni des cieux.

Deuxième version (Le roi Salomon)

Ma reine arrive

Elle arrive ma belle et sa caravelle
Bel ange descendu du ciel
Je ferai taire les langues infidèles
Qui doutent de sa beauté éternelle

Sur ce sol façonné tel un miroir
J’ai fondé tout mes espoirs
Démontrer à jamais , graver l’histoire
D’un reflet divin à ma gloire
Je les ferai tous choir.

Ma belle reine attendrie
Pardonne mon acte de duperie
N’y vois aucunes fourberies
Seul une preuve d’amour, un démenti

Ma reine d’amour aux feux ardents
Ils t’imaginent velues aux sabots d’argent
Ta crainte de tremper tes beaux habits
Te fera lever le bas de tes soies serties
Apparaîtra tes chevilles d’une peau éblouie.

Moi qui sait ton corps d’une beauté innouie
Je serai roi d’amour d’un cœur embelli
Pour ma maîtresse reine aux charmes de vie
Tu ensorceles mon âme et mon esprit
Je suis glorieux par ton corps soumis
À mes rêves d’amour infini.

Malika Mellal 03/04/2018
malika mellal@copyright

D’après la toile de Hocine Ziani

” La reine de Saba ”

 

 

 

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Poema | neorrealismo
Manuel da Fonseca

A menina tonta passa metade do dia
a namorar quem passa na rua,
que a outra metade fica
p’ra namorar-se ao espelho.

A menina tonta tem olhos de retrós preto,
cabelos de linha de bordar,
e a boca é um pedaço de qualquer tecido vermelho.

A menina tonta tem vestidos de seda
e sapatos de seda,
é toda fria, fria como a seda:
as olheiras postiças de crepe amarrotado,
as mãos viúvas entre flores emurchecidas,
caídas da janela,
desfolham pétalas de papel…

No passeio em frente estão os namorados
com os olhos cansados de esperar
com os braços cansados de acenar
com a boca cansada de pedir…

A menina tonta tem coração sem corda
a boca sem desejos
os olhos sem luz…

E os namorados cansados de namorar…
Eles não sabem que a menina tonta
tem a cabeça cheia de farelos.

Manuel da Fonseca

 

 

 

 

 

 

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Poema | Pablo Neruda

Já não se encantarão os meus olhos nos teus olhos,
já não se adoçará junto a ti a minha dor.

Mas para onde vá levarei o teu olhar
e para onde caminhes levarás a minha dor.

Fui teu, foste minha. O que mais? Juntos fizemos
uma curva na rota por onde o amor passou.

Fui teu, foste minha. Tu serás daquele que te ame,
daquele que corte na tua chácara o que semeei eu.

Vou-me embora. Estou triste: mas sempre estou triste.
Venho dos teus braços. Não sei para onde vou.

Do teu coração me diz adeus uma criança.

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Fiz um conto para me embalar | Natália Correia

Fiz com as fadas uma aliança.
A deste conto nunca contar.
Mas como ainda sou criança
Quero a mim própria embalar.
Estavam na praia três donzelas
Como três laranjas num pomar.
Nenhuma sabia para qual delas
Cantava o príncipe do mar.

Rosas fatais, as três donzelas
A mão de espuma as desfolhou.
Nenhum soube para qual delas
O príncipe do mar cantou.

Natália Correia

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Histórias da História | Paulo Fonseca

Histórias de luta e de afecto
e de vidas em directo.
Longa lista leva já,
a história da humanidade…
mártires,
guerreiros,
heróis,
ternos da liberdade…
voz dos simples,
batutas de luz
contra as pautas da injustiça…
também ingenuidade
de criança,
de noviça…
Poetas do sonho
que fez mudar o mundo
enfadonho.
imundo…
Jesus Cristo,
Madre Teresa,
Mandela,
Che Guevara,
Luther King,
Xanana,
Malala,
Gandhi,
Pepe Mujica,
Salgueiro Maia,
Gorbatchov e
agora Lula…
lavradores do afecto,
verbo e complemento directo,
todos mal tratados
na horta que semearam…
suor bento
que corre de emoção,
hino triunfal da devoção
aos outros,
ao mundo,
ao coração…

Paulo Fonseca





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Confissão | Charles Bukowski

À espera da morte
como um gato
que saltará sobre a
cama

Sinto terrivelmente por
minha esposa

Ela verá este
corpo
duro e
branco

Vai sacudi-lo uma vez, depois
quem sabe
outra:

“Hank!”

Hank não
responderá.

Não é minha morte o que
me preocupa, é minha mulher
abandonada com este
monte de
nada.

Quero
no entando
que ela saiba
que todas as noites
dormindo
ao seu lado

Que mesmo as discussões
inúteis
sempre foram
esplêndidas

E que as palavras
difíceis
que sempre temi
dizer
podem agora ser
ditas:

Eu te
amo.

Charles Bukowski
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Quando fala o amor, a voz de todos os deuses deixa o céu embriagado de harmonia.

William Shakespeare
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In the end, we’re all just humans, and love, only love, can heal our brokenness.

Et à la fin, nous sommes tous juste des humains, et l’amour, seul l’amour peut guérir notre brisement.

Y al final, todos somos humanos, y el amor, solo el amor puede sanar nuestro quebrantamiento.

E no final, todos nós somos apenas humanos, e o amor, somente o amor pode curar nosso quebrantamento.

F. Scott Fitzgerald

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Mulheres à Beira-Mar | Sophia de Mello Breyner Andresen

Confundido os seus cabelos com os cabelos
do vento, têm o corpo feliz de ser tão seu e
tão denso em plena liberdade.

Lançam os braços pela praia fora e a brancura
dos seus pulsos penetra nas espumas.

Passam aves de asas agudas e a curva dos seus
olhos prolonga o interminável rastro no céu
branco.

Com a boca colada ao horizonte aspiram longa
mente a virgindade de um mundo que nasceu.

O extremo dos seus dedos toca o cimo de
delícia e vertigem onde o ar acaba e começa.

E aos seus ombros cola-se uma alga, feliz de
ser tão verde.

Sophia de Mello Breyner Andresen


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Não basta conquistar a sabedoria, é preciso usá-la.

Cícero

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Cântico Negro | José Régio

“Vem por aqui” – dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui!”
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
– Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãeNão, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: “vem por aqui!”?Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios…
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
– Sei que não vou por aí!José Régio, in ‘Poemas de Deus e do Diabo’https://www.youtube.com/watch?v=qKyWRJZnu2o
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Blues da morte de amor | Vasco Graça Moura

já ninguém morre de amor, eu uma vez
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de humores bem sacudidos,
depressões sincopadas, bem graves, minha querida,
mas afinal não morri, como se vê, ah, não,
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz,
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite dentro, minha querida.a gente sopra e não atina, há um aperto
no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca tive jeito, ah, não,
eu nunca tive queda para kamikaze,
é tudo uma questão de swing, de swing, minha querida,
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.há ritmos na rua que vêm de casa em casa,
ao acender das luzes, uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
no lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a gente do bairro,
e então murmurarei, a ver fugir a escala
do clarinete: — morrer ou não morrer, darling, ah, sim.Vasco Graça Moura, in “Antologia dos Sessenta Anos”

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Se Tu Viesses Ver-me… | Florbela Espanca

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços…

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca… o eco dos teus passos…
O teu riso de fonte… os teus abraços…
Os teus beijos… a tua mão na minha…

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca…
Quando os olhos se me cerram de desejo…
E os meus braços se estendem para ti…

Florbela Espanca, in “Charneca em Flor”

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Não Deixeis um Grande Amor | José Tolentino Mendonça

Aos poucos apercebi-me do modo
desolado incerto quase eventual
com que morava em minha casa

assim ele habitou cidades
desprovidas
ou os portos levantinos a que
se ligava apenas por saber
que nada ali o esperava

assim se reteve nos campos
dos ciganos sem nunca conseguir
ser um deles:
nas suas rixas insanas
nas danças de navalhas
na arte de domar a dor

chegou a ser o melhor
mas era ainda a criança perdida
que protesta inocência
dentro do escuro

não será por muito tempo
assim eu pensava
e pelas falésias já a solidão
dele vinha

não será por muito tempo
assim eu pensava
mas ele sorria e uma a uma
as evidencias negava

por isso vos digo
não deixeis o vosso grande amor
refém dos mal-entendidos
do mundo

José Tolentino Mendonça, in ‘Longe não Sabia’

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Marguerite Yourcenar

in De olhos abertos

 

Acredito que a amizade, como o amor do qual participa, exige quase tanta arte como uma figura de dança bem conseguida. É preciso um grande entusiasmo e uma grande contenção, muitas trocas de palavras e muitos silêncios. E, sobretudo, muito respeito. O sentimento da liberdade do outro, da dignidade do outro, a aceitação, sem ilusões, mas também sem a menor hostilidade ou o mínimo desprezo, de um ser tal como ele é.

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William Shakespeare | Ser ou não Ser

Hamlet: Ser ou não ser, essa é a questão: será mais nobre suportar na mente as flechadas da trágica fortuna, ou tomar armas contra um mar de obstáculos e, enfrentando-os, vencer? Morrer — dormir, nada mais; e dizer que pelo sono se findam as dores, como os mil abalos inerentes à carne — é a conclusão que devemos buscar. Morrer — dormir; dormir, talvez sonhar — eis o problema: pois os sonhos que vierem nesse sono de morte, uma vez livres deste invólucro mortal, fazem cismar. Esse é o motivo que prolonga a desdita desta vida.

William Shakespeare, in “Hamlet”

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William Shakespeare | O Vil Metal

Timão: Ouro amarelo, fulgurante, ouro precioso! (…) Basta uma porção dele para fazer do preto, branco; do feio, belo; do errado, certo; do baixo, nobre; do velho, jovem; do cobarde, valente. Ó deuses!, por que isso? O que é isso, ó deuses? (…) [O ouro] arrasta os sacerdotes e os servos para longe do seu altar, arranca o travesseiro onde repousa a cabeça dos íntegros. Esse escravo dourado ata e desata vínculos sagrados; abençoa o amaldiçoado; torna adorável a lepra repugnante; nomeia ladrões e confere-lhes títulos, genuflexões e a aprovação na bancada dos senadores. É isso que faz a viúva anciã casar-se de novo (…). Venha, mineral execrável, prostituta vil da humanidade (…) eu o farei executar o que é próprio da sua natureza.

William Shakespeare, in “Timão de Atenas”

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William Shakespeare  | A Censura de Um Deve Pesar Mais que uma Plateia de Ignorantes

Hamlet (para um dos actores): Portanto, nada de contenção exagerada. O seu discernimento deve ser o seu guia. Ajuste o gesto à palavra, a palavra ao gesto, e cuide de não perder a simples naturalidade. Pois tudo o que é forçado foge do propósito da actuação, cuja finalidade, tanto na origem como agora, era e é erguer um espelho diante da natureza. Mostrar à virtude as suas feições; ao orgulho, o desprezo, e a cada época e geração, sua figura e estampa. O exagero e a imperícia podem divertir os incultos, mas causam apenas desconforto aos judiciosos; àqueles cuja censura, ainda que de um só, deve pesar mais em sua estima que toda uma plateia de ignorantes.

William Shakespeare, in “Hamlet”

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Gonçalo M. Tavares | O Amor não Rende Juros

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É verdade «que um baixo amor os fortes enfraquece»
mas também o grande amor torna ridículos os grandes,
pois o amor é, em energia material sobre o mundo, um roubo — apesar de, em sensações, ser magnífico. 0 amor será útil internamente,
mas externamente não carrega um tijolo.
Disso nunca tive dúvidas.

138
A vida, é certo, não será um sítio excepcional para as paixões.
Nos países humanos, o amor mistura-se muito
com palavras equívocas.
0 fogo que existe numa lareira, por exemplo,
é um fogo servil, cultural, educado.
Uma coisa vermelha, mas mansa,
que nos obedece.
Só é natureza, o fogo na lareira,
quando, vingando-se, provoca um incêndio.
E o amor assim funciona. Mas é preferível o contrário.

139
É desarranjo de estratégias e planos,
surpresa ritmada, uma ilegalidade exaltante que não prejudica
os vizinhos.
Mas atenção, de novo: o amor não faz bem aos países,
não desenvolve as suas indústrias, nem a economia.
Disso nunca tive dúvidas. E por isso é preferível não.

140
No entanto, qual é o país que pode impedir que o amor
entre? Não é mercadoria traficada em caixas,
que as caixas são objectos que se abrem ao meio
— e é possivel, com uma lanterna, olhar lá para dentro.

141
0 amor não se vê como
se fosse uma presença.
É demasiado completo
para ter uma forma. E como jamais
se conseguiram obter juros de uma coisa
que não ocupa espaço, é preferível não,
parece-me.

Gonçalo M. Tavares, in “Uma Viagem à Índia”

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Gonçalo M. Tavares | As Mulheres Sempre Foram Mais Minuciosas na Vingança

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As mulheres sempre foram mais

minuciosas na vingança — disse Bloom.

Folheiam-na sem saltar uma página.

E tratam das unhas

antes de pegar no machado.

Pelo contrário, um homem com raiva

e ressentimento é atabalhoado, desastrado,

incapaz de encontrar a pronúncia perfeita da violência,

28

como se pegasse em ferramentas

despropositadas: a charrua

para arrancar uma flor,

o martelo para ver mais perto.

 

Gonçalo M. Tavares, in “Uma Viagem à Índia”


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Simone de Beauvoir

Não se apaixone por uma mulher que goste de ler, uma mulher que sente muito, uma mulher que escreve…
Não se apaixone por uma mulher culta, bruxa, delirante, louca.
Não se apaixone por uma mulher que pensa, que sabe o que sabe e também sabe voar, uma mulher segura de si mesma.
Não se apaixone por uma mulher que ri ou chora ao fazer amor, que sabe fazer da sua carne, espírito, muito menos uma que ama poesia (estas são as mais perigosas), ou que possa ficar meia hora contemplando uma pintura e não é capaz de viver sem música .
Não se apaixone por uma mulher que se interesse por política e que é rebelde e manifeste horror pelas injustiças. Por uma que goste de jogos de futebol e beisebol e que não goste de assistir TV. Ou por uma mulher que seja bonita, não importam as características de seu rosto e corpo.
Não se apaixone por uma mulher intensa, por uma mulher divertida e lúcida e irreverente .
Não queira se apaixonar por uma mulher assim. Porque quando você se apaixonar por uma mulher assim, ela pode ficar com você ou não, ela pode amar você ou não, mas de uma mulher como essa, nunca se regressa.

Simone de Beauvoir


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Mia Couto

Sou feliz só por preguiça.
A infelicidade dá uma trabalheira pior que a doença.

Mia Couto In: Mar me Quer

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Outra cama | Charles Bukowski

outra cama
outra mulher

mais cortinas
outro banheiro
outra cozinha

outros olhos
outro cabelo
outros
pés e dedos.

todos à procura.
a busca eterna.

você fica na cama
ela se veste para o trabalho
e você se pergunta o que aconteceu
à última
e à outra antes dela…
é tudo tão confortável —
esse fazer amor
esse dormir juntos
a suave delicadeza…

após ela sair você se levanta e usa
o banheiro dela,
é tudo tão intimidante e estranho.
você retorna para a cama e
dorme mais uma hora.

quando você vai embora é com tristeza
mas você a verá novamente
quer funcione, quer não.

você dirige até a praia e fica sentado
em seu carro. é meio-dia.

— outra cama, outras orelhas, outros
brincos, outras bocas, outros chinelos, outros
vestidos
cores, portas, números de telefone.

você foi, certa vez, suficientemente forte para viver sozinho.
para um homem beirando os sessenta você deveria ser mais
sensato.

você dá a partida no carro e engata a primeira,
pensando, vou telefonar para janie logo que chegar,
não a vejo desde sexta-feira.

Tradução: Pedro Gonzaga

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Lao Zi, in Tao Te Ching

Só temos consciência do belo, quando conhecemos o feio.
Só temos consciência do bom, quando conhecemos o mau.

Porquanto, o Ser e o Existir, se engendram mutuamente.
O fácil e o difícil se complementam. o grande e o pequeno são complementares.
O alto e o baixo formam um todo.

O som e o silêncio formam a harmonia.
O passado e o futuro geram o tempo.
Eis porque o sábio age pelo não agir, e ensina sem falar.
Aceita tudo que lhe acontece, produz tudo e não fica com nada.
O sábio tudo realiza e nada considera seu.
Tudo faz – e não se apega à sua obra.

Não se prende aos frutos da sua atividade
Termina a sua obra
E está sempre no princípio
E por isto a sua obra prospera.

Lao Zi

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Mahmoud Darwish | Também Nós Amamos a Vida

Também nós amamos a vida quando podemos.
Dançamos entre dois mártires e no meio deles
erguemos um minarete de violetas ou uma
palmeira.

Também nós amamos a vida quando podemos.

Ao bicho-da-seda roubamos um fio para tecer o
nosso céu e estancar o êxodo.
Abrimos a porta do jardim para que o jasmim saia
para a rua como um dia bonito.

Também nós amamos a vida quando podemos.

Na morada que escolhemos, cultivamos plantas
vivazes e recolhemos os mortos.
Sopramos na flauta a cor da distância,
desenhamos um relincho no pó do caminho.
E escrevemos os nossos nomes, pedra a pedra. Tu,
ó raio, ilumina a nossa noite, ilumina-a um pouco.

Também nós amamos a vida quando podemos.

Mahmoud Darwish 
in Pequena Antologia da Poesia Palestiniana Contemporânea
Selecção e tradução de Albano Martins

 

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Poema | Carlos Drummond de Andrade

O homem, bicho da terra tão pequeno
Chateia-se na terra
Lugar de muita miséria e pouca diversão,
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
Toca para a lua
Desce cauteloso na lua
Pisa na lua
Planta bandeirola na lua
Experimenta a lua
Coloniza a lua
Civiliza a lua
Humaniza a lua.

Lua humanizada: tão igual à terra.
O homem chateia-se na lua.
Vamos para marte – ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em marte
Pisa em marte
Experimenta
Coloniza
Civiliza
Humaniza marte com engenho e arte.

Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro – diz o engenho
Sofisticado e dócil.
Vamos a vênus.
O homem põe o pé em vênus,
Vê o visto – é isto?
Idem
Idem
Idem.

O homem funde a cuca se não for a júpiter
Proclamar justiça junto com injustiça
Repetir a fossa
Repetir o inquieto
Repetitório.

Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira terra-a-terra.
O homem chega ao sol ou dá uma volta
Só para te ver?
Não-vê que ele inventa
Roupa insiderável de viver no sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o sol, falso touro
Espanhol domado.

Restam outros sistemas fora
Do solar a col-
Onizar.
Ao acabarem todos
Só resta ao homem
(estará equipado?)
A dificílima dangerosíssima viagem
De si a si mesmo:
Pôr o pé no chão
Do seu coração
Experimentar
Colonizar
Civilizar
Humanizar
O homem
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
A perene, insuspeitada alegria
De con-viver.

Carlos Drummond de Andrade

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Reza da Manhã de Maio | Sophia de Mello Breyner Andresen

Senhor, dai-me a inocência dos animais
para que eu possa beber nesta manhã
a harmonia e a força das coisas naturais.
Apagai a máscara vazia e vã
de humanidade
apagai a vaidade,
para que eu me perca e me dissolva
na perfeição da manhã
e para que o vento me devolva
a parte de mim que vive
à beira dum jardim que só eu tive.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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Federico García Lorca | ESTE É O PRÓLOGO

Deixaria neste livro
toda a minha alma.
este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.

Que pena dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam!

Que tristeza tão funda
é olhar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta!

Ver passar os espectros
de vida que se apagam,
ver o homem desnudo
em Pégaso sem asas,

ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se olham e se abraçam.

Um livro de poesias
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,

e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes incute nos peitos
– entranháveis distâncias.

O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchas
de chorar o que ama.

O poeta é o médium
da Natureza
que explica sua grandeza
por meio de palavras.

O poeta compreende
todo o incompreensível
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chamas.

Sabe que as veredas
são todas impossíveis,
e por isso de noite
vai por elas com calma.

Nos livros de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristes
e eternas caravanas

que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.

Poesia é amargura,
mel celeste que emana
de um favo invisível
que as almas fabricam.

Poesia é o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
corações e chamas.

Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
sem rumo a nossa barca.

Livros doces de versos
sãos os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
suas estrofes de prata.

Oh! que penas tão fundas
e nunca remediadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam!

Deixaria neste livro
toda a minha alma…

Federico García Lorca | tradução: William Agel de Melo

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AUTO-RETRATO | Maria Teresa Horta

Eu sou outra em mim mesma
e sou aquela

Sou esta
dançando sobre as lágrimas

Sou o gozo
no gosto de ser espelho
e me faz multiplicar em todo o lado

Eu sou múltipla
veneno em minha veia

Estrangeira
rasgando o seu passado

Sou cruel
dúplice e sedenta
mil vezes morri no desamparo

Eu sou esta que nego
e a outra onde me afirmo
faço nela e naquela o meu retrato

E se na história desta me confirmo
na vida da outra não me traio

Feita de ambas à beira do abismo
sou a mesma mulher nascida em Maio”

Maria Teresa Horta, Poesia Reunida, Lisboa, Publicações Dom Quixote,

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Portugal em Paris | Manuel Alegre

Solitário
por entre a gente eu vi o meu país.
Era um perfil
de sal
e abril.
Era um puro país azul e proletário.
Anónimo passava. E era Portugal
que passava por entre a gente e solitário
nas ruas de Paris.

Vi minha pátria derramada
na Gare de Austerlitz. Eram cestos
e cestos pelo chão. Pedaços
do meu país.
Restos.
Braços.
Minha pátria sem nada
sem nada
despejada nas ruas de Paris.

E o trigo?
E o mar?
Foi a terra que não te quis
ou alguém que roubou as flores de abril?
Solitário por entre a gente caminhei contigo
os olhos longe como o trigo e o mar.
Éramos cem duzentos mil?
E caminhávamos. Braços e mãos para alugar
meu Portugal nas ruas de Paris.

Manuel Alegre

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JOÃO LUÍS BARRETO GUIMARÃES

§

este poema foi escrito ontem hoje não
vou escrever (na face nego sorrisos como
quem fecha janelas) hoje só preciso de

mim (este poema é grátis: não está
incluído no preço do livro). hoje
não tocarei o corpo da Corona Four

uma azerty americana já com uma certa
idade (ainda é das que escreve poesia a
preto e ranco) faz um mês que se perdeu
a tecla da letra « » só por isso não

tenho escrito sobre o rilho dos teus
olhos. o meu copo está vazio (hoje
não é poedia) depois eu mando alguém
uscar as minhas palavras

in “Este Lado para Cima” (1994)

 

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JOSÉ GOMES FERREIRA

Nunca encontrei um pássaro morto na floresta.

Em vão andei toda a manhã
a procurar entre as árvores
um cadáver pequenino
que desse o sangue às flores
e as asas às folhas secas…

Os pássaros quando morrem
caem no céu.

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RICARDO REIS

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

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GONÇALO M. TAVARES | ENERGIA E ÉTICA

Sei isto: a minha energia está canalizada
Para a palavra fazer, gosto da ideia da construção
E o que dela existe nos movimentos normais.
Agrada-me a palavra engenharia e o que ela
Representa: não saias de um sítio sem deixares algo
Atrás de ti. Dirijo-me apenas às coisas que me excitam
Positivamente e me levam a fazer outras coisas, dirijo-me
Às pessoas de que gosto, nunca às de que não gosto;
Sempre me pareceu insensato que se pare,
Nem que por um momento, de admirar, há
Sempre actos e coisas que nos ajudam
neste cálculo infernal da distância entre o dia de hoje
e a nossa morte. E qualquer pessoa dar um passo que seja
em direcção ao que não aprecia, para insultar, ou derrubar,
parece-me brutal perda de tempo, uma falha grave
no órgão de admirar o mundo
(deves combater uma ou duas vezes na vida,
se combateres duzentas vezes
é porque os combates são fracos).
Não sei pois como viver. O que li e vi
Serve-me apenas para ser mais lúcido, não
Para ser melhor pessoa. Adquiri esta regra (ou nasci com ela):
– e é talvez uma moral –
mover-me apenas em direcção ao que gosto.
Se o prédio alto, escuro, feio
me impede de ver o sol, não fico a insultá-lo, não
moverei um dedo para o deitar abaixo:
contorno sim os edifícios necessários
até chegar ao espaço de onde possa receber aquilo que
quero. Se chegar lá de noite, montarei acampamento.

GONÇALO M. TAVARES

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JORGE DE SENA | Ganimedes (1969)

Os pensamentos pastam na verdura,
balindo mansamente em torno dele,
e o rio corre sussurrante em pedras
que as sombras do arvoredo fazem negras.

Numa árvore se encosta o tronco magro
que os cotovelos finca nos erguidos joelhos,
enquanto as finas ancas pousam na verdura
e de uma sombra entre elas pende uma brancura.

Delicados e firmes, os lábios se contraem
na tersa flauta em que os seus dedos dançam
ao mesmo tempo segurando-a leves.
Quase é silêncio a curta melodia.

Do fundo e vítreo azul que imobiliza
o campo e o arvoredo, um ponto negro vem
crescendo em asas, garras, bico adunco
entreaberto à frente de sanguíneos olhos.

E adeja no alto, imensa e monstruosa,
uma ave gigantesca. Os pensamentos sentem-na,
que os faz fugir, dispersos, assustados.
A melodia se suspende. O pastor olha.

Numa surpresa vê que as asas se desabam
sobre ele, escurecendo e recobrindo tudo.
Quando abre os olhos, elas voam vastas
entre ele e o azul, e as garras pela cinta o cingem.

Lá em baixo o rio brilha entre o arvoredo,
e pontos brancos, vagos, são o seu rebanho.
O bico hiante à sua boca chega
numa doçura a atormentá-lo inteiro.

E a negridão se acende pouco a pouco
de um resplendor de carne que é o do céu em volta,
e que o rodeia e rasga de um calor ardente
em que o seu corpo avança como um róseo dardo.

Mas quem avança em quem? O deus se entrega,
ou é quem viola, e como, o corpo arrebatado?
Quem é o senhor de quem? Ou sempre, ou mutuamente?
Ou cada um se humilha à sujeição do outro.

E mais: sem que o soubesse, aquele humano estava
já destinado às garras longamente curvas?
Ou por acaso foi que o deus se apaixonou?
E essa paixão durou? E que destino teve

o rebanho dispersado em susto? E a flauta
que entre a verdura mal se vê, perdida?
E o corpo do pastor, que pensa agora?
Só isto – o decisivo – não sabemos.

Jorge de Sena

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ANA HATHERLY | A verdadeira mão

A verdadeira mão que o poeta estende
não tem dedos:
é um gesto que se perde
no próprio acto de dar-se

O poeta desaparece
na verdade da sua ausência
dissolve-se no biombo da escrita

O poema é
a única
a verdadeira mão que o poeta estende

E quando o poema é bom
não te aperta a mão:
aperta-te a garganta

ANA HATHERLY | O Pavão Negro (2003)

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FERNANDO PESSOA

A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo

A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.

Fernando Pessoa

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Não te Amo | Almeida Garrett

Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma.
E eu n’alma – tenho a calma,
A calma – do jazigo.
Ai! não te amo, não.

Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida – nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai, não te amo, não!

Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?

E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau, feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.

E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror…
Mas amar!… não te amo, não.

Almeida Garrett, in ‘Folhas Caídas’

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Chanson de la plus haute tour | Arthur Rimbaud

Oisive jeunesse
A tout asservie,
Par délicatesse
J’ai perdu ma vie.
Ah ! Que le temps vienne
Où les coeurs s’éprennent.

Je me suis dit : laisse,
Et qu’on ne te voie :
Et sans la promesse
De plus hautes joies.
Que rien ne t’arrête,
Auguste retraite.

J’ai tant fait patience
Qu’à jamais j’oublie ;
Craintes et souffrances
Aux cieux sont parties.
Et la soif malsaine
Obscurcit mes veines.

Ainsi la prairie
A l’oubli livrée,
Grandie, et fleurie
D’encens et d’ivraies
Au bourdon farouche
De cent sales mouches.

Ah ! Mille veuvages
De la si pauvre âme
Qui n’a que l’image
De la Notre-Dame !
Est-ce que l’on prie
La Vierge Marie ?

Oisive jeunesse
A tout asservie,
Par délicatesse
J’ai perdu ma vie.
Ah ! Que le temps vienne
Où les coeurs s’éprennent !

Arthur Rimbaud, Derniers vers

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DE PÉ | Paulo Fonseca

AInda daí.
Anda
cuidar do sonho
e dele fazer embondeiro….
Anda…
vamos
nas ondas do mar,
na terna picada da vida….
Emoções em primeiro.
Anda daí….
Vamos a toque de abraços,
vamos… de carreiro em carreiro….
Vamos…
de liana em liana,
voando
com a vida na mão
fechada na alma…
Vamos….
Não saram as crostas nas costas,
não selam as gretas nos pés,
não dormem as chagas do mal….
Ainda assim, vamos….
Fervem os sangues, intrépidos…
Cantam os hinos da vida…
Pulsam carrilhões de desejo….
Vamos,
anda daí….
vamos detonar o enxofre…
vamos plantar o jardim….
de flores….
de louvores
e de outros carinhos….
Vamos,
fazer dos carreiros,
caminhos….
Vamos….
navegar….
e cantar
os Amores….

Paulo Fonseca

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A CANÇÂO DE AMOR DE J. ALFRED PRUFROCK | T. S. Eliot

Sigamos então, tu e eu,
Enquanto o poente no céu se estende
Como um paciente anestesiado sobre a mesa;
Sigamos por certas ruas quase ermas,
Através dos sussurrantes refúgios
De noites indormidas em hotéis baratos,
Ao lado de botequins onde a serragem
Às conchas das ostras se entrelaça:
Ruas que se alongam como um tedioso argumento
Cujo insidioso intento
É atrair-te a uma angustiante questão . . .
Oh, não perguntes: “Qual?”
Sigamos a cumprir nossa visita.

No saguão as mulheres vêm e vão
A falar de Miguel Ângelo.

A fulva neblina que roça na vidraça suas espáduas,
A fumaça amarela que na vidraça seu focinho esfrega
E cuja língua resvala nas esquinas do crepúsculo,
Pousou sobre as poças aninhadas na sarjeta,
Deixou cair sobre seu dorso a fuligem das chaminés,
Deslizou furtiva no terraço, um repentino salto alçou,
E ao perceber que era uma tenra noite de outubro,
Enrodilhou-se ao redor da casa e adormeceu.

E na verdade tempo haver á
Para que ao longo das ruas flua a parda fumaça,
Roçando suas espáduas na vidraça;
Tempo haverá, tempo haverá
Para moldar um rosto com que enfrentar
Os rostos que encontrares;
Tempo para matar e criar,
E tempo para todos os trabalhos e os dias em que mãos
Sobre teu prato erguem, mas depois deixam cair uma questão;
Tempo para ti e tempo para mim,
E tempo ainda para uma centena de indecisões,
E uma centena de visões e revisões,
Antes do chá com torradas.

No saguão as mulheres vêm e vão
A falar de Miguel Ângelo.
E na verdade tempo haverá
Para dar rédeas à imaginação. “Ousarei” E . . “Ousarei?”
Tempo para voltar e descer os degraus,
Com uma calva entreaberta em meus cabelos
(Dirão eles: “Como andam ralos seus cabelos!”)
– Meu fraque, meu colarinho a empinar-me com firmeza o
queixo,
Minha soberba e modesta gravata, mas que um singelo alfinete
apruma
(Dirão eles: “Mas como estão finos seus braços e pernas! “)
– Ousarei
Perturbar o universo?
Em um minuto apenas há tempo
Para decisões e revisões que um minuto revoga.

Pois já conheci a todos, a todos conheci
– Sei dos crepúsculos, das manhãs, das tardes,
Medi minha vida em colherinhas de café;
Percebo vozes que fenecem com uma agonia de outono
Sob a música de um quarto longínquo.
Como então me atreveria?

E já conheci os olhos, a todos conheci
– Os olhos que te fixam na fórmula de uma frase;
Mas se a fórmulas me confino, gingando sobre um alfinete,
Ou se alfinetado me sinto a colear rente à parede,
Como então começaria eu a cuspir
Todo o bagaço de meus dias e caminhos?
E como iria atrever-me?

E já conheci também os braços, a todos conheci
– Alvos e desnudos braços ou de braceletes anelados
(Mas à luz de uma lâmpada, lânguidos se quedam
Com sua leve penugem castanha!)
Será o perfume de um vestido
Que me faz divagar tanto?
Braços que sobre a mesa repousam, ou num xale se enredam.
E ainda assim me atreveria?
E como o iniciaria?

…….

Diria eu que muito caminhei sob a penumbra das vielas
E vi a fumaça a desprender-se dos cachimbos
De homens solitários em mangas de camisa, à janela
debruçados?

Eu teria sido um par de espedaçadas garras
A esgueirar-me pelo fundo de silentes mares.

…….

E a tarde e o crepúsculo tão .docemente adormecem!
Por longos dedos acariciados,
Entorpecidos . . . exangues . . . ou a fingir-se de enfermos,
Lá no fundo estirados, aqui, ao nosso lado.
Após o chá, os biscoitos, os sorvetes,
Teria eu forças para enervar o instante e induzi-lo à sua crise?
Embora já tenha chorado e jejuado, chorado e rezado,
Embora já tenha visto minha cabeça (a calva mais cavada)
servida numa travessa,
Não sou profeta – mas isso pouco importa;
Percebi quando titubeou minha grandeza,
E vi o eterno Lacaio a reprimir o riso, tendo nas mãos meu
sobretudo.
Enfim, tive medo.

E valeria a pena, afinal,
Após as chávenas, a geléia, o chá,
Entre porcelanas e algumas palavras que disseste,
Teria valido a pena
Cortar o assunto com um sorriso,
Comprimir todo o universo numa bola
E arremessá-la ao vértice de uma suprema indagação,
Dizer: “Sou Lázaro, venho de entre os mortos,
Retorno para tudo vos contar, tudo vos contarei.”
– Se alguém, ao colocar sob a cabeça um travesseiro,
Dissesse: “Não é absolutamente isso o que quis dizer
Não é nada disso, em absoluto.”

E valeria a pena, afinal,
Teria valido a pena,
Após os poentes, as ruas e os quintais polvilhados de rocio,
Após as novelas, as chávenas de chá, após
O arrastar das saias no assoalho
– Tudo isso, e tanto mais ainda? –
Impossível exprimir exatamente o que penso!
Mas se uma lanterna mágica projetasse
Na tela os nervos em retalhos . . .
Teria valido a pena,
Se alguém, ao colocar um travesseiro ou ao tirar seu xale às
pressas,
E ao voltar em direção à janela, dissesse:
“Não é absolutamente isso,
Não é isso o que quis dizer, em absoluto.”

Não! Não sou o Príncipe Hamlet, nem pretendi sê-lo.
Sou um lorde assistente, o que tudo fará
Por ver surgir algum progresso, iniciar uma ou duas cenas,
Aconselhar o príncipe; enfim, um instrumento de fácil
manuseio,
Respeitoso, contente de ser útil,
Político, prudente e meticuloso;
Cheio de máximas e aforismos, mas algo obtuso;
As vezes, de fato, quase ridículo
Quase o Idiota, às vezes.

Envelheci . . . envelheci . . .
Andarei com os fundilhos das calças amarrotados.

Repartirei ao meio meus cabelos? Ousarei comer um
pêssego?
Vestirei brancas calças de flanela, e pelas praias andarei.
Ouvi cantar as sereias, umas para as outras.

Não creio que um dia elas cantem para mim.

Vi-as cavalgando rumo ao largo,
A pentear as brancas crinas das ondas que refluem
Quando o vento um claro-escuro abre nas águas.

Tardamos nas câmaras do mar
Junto às ondinas com sua grinalda de algas rubras e castanhas
Até sermos acordados por vozes humanas. E nos afogarmos.

T. S. Eliot | (tradução: Ivan Junqueira)

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Solidão | Rainer Maria Rilke

A solidão é como uma chuva.
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.

Cai como chuva nas horas ambíguas,
quando todas as vielas se voltam para a manhã
e quando os corpos, que nada encontraram,
desiludidos e tristes se separam;
e quando aqueles que se odeiam
têm de dormir juntos na mesma cama:

então, a solidão vai com os rios…

Rainer Maria Rilke, in “O Livro das Imagens”
Tradução de Maria João Costa Pereira

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Jamais tive eu amor senão por ti | Daniel Jonas

Jamais tive eu amor senão por ti.
Paixões o vento as trouxe e as levou
Qual ave migratória que pousou
Em temporário ninho onde vivi.

Amor, porém, é ave que povoa
O coração da gente e nele exulta
E ocupa de outra ave mais estulta
O coração partido e o perdoa.

Mas que fazer, se amor o dei ao vento
E sinto o coração ninho vazio
E sinto um grão calor e grande frio.

E amo em oração no meu convento?
Eu amo quem amei e me deixou;
Não amo quem pousou – só quem voou.

Daniel Jonas, in Oblívio.

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Se cada dia cai | Pablo Neruda

Se cada dia cai,
dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

Pablo Neruda


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Caminante no hay camino | Antonio Machado Ruiz

Todo pasa y todo queda
Pero lo nuestro es pasar
Pasar haciendo caminos
Caminos sobre la mar

Nunca perseguí la gloria
Ni dejar en la memoria
De los hombres mi canción
Yo amo los mundos sutiles
Ingrávidos y gentiles
Como pompas de jabón

Me gusta verlos pintarse de sol y grana
Volar bajo el cielo azul
Temblar súbitamente y quebrarse
Nunca perseguí la gloria
Caminante son tus huellas el camino y nada más
Caminante, no hay camino se hace camino al andar

Al andar se hace camino
Y al volver la vista atrás
Se ve la senda que nunca
Se ha de volver a pisar
Caminante no hay camino sino estelas en la mar

Hace algún tiempo en ese lugar
Donde hoy los bosques se visten de espinos
Se oyó la voz de un poeta gritar
Caminante no hay camino, se hace camino al andar

Golpe a golpe, verso a verso
Murió el poeta lejos del hogar
Le cubre el polvo de un país vecino
Al alejarse, le vieron llorar
“Caminante, no hay camino, se hace camino al andar”

Golpe a golpe, verso a verso
Cuando el jilguero no puede cantar
Cuando el poeta es un peregrino
Cuando de nada nos sirve rezar
Caminante no hay camino, se hace camino al andar

Golpe a golpe, verso a verso

Antonio Machado, Cantares


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O Rapto de Proserpina | Gian Lorenzo Bernini

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“Pero Rodrigues, da vossa mulher,
Não acrediteis no mal que vos digam.
Tenho eu a certeza que muito vos quer.
Quem tal não disser quer fazer intriga.
Sabei que outro dia quando eu a fodia,
Enquanto gozava, pelo que dizia,
Muito me mostrava que era vossa amiga.

Se vos deu o céu mulher tão leal,
Que vos não agaste qualquer picardia,
Pois mente quem dela vos for dizer mal.
Sabei que lhe ouvi jurar outro dia
Que vos estimava mais do que a ninguém;
E para mostrar quanto vos quer bem,
Fodendo comigo assim me dizia.”

MARTIM SOARES
(escrito entre 1241 e 1244)

in DICIONÁRIO SENTIMENTAL DO ADULTÉRIO | FILIPA MELO, autora

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Há homens que atravessam a rua
sem olhar
Levam nos ombros pedaços da noite
e não há cor que os vista
São homens cinzentos
indiferentes ao sol ou à borrasca
Quem os vê diz
ali vão os homens tristes
mas nem eles sabem o tamanho
da tristeza ou da improvável alegria
O chão da rua conhece
a cadência incerta
a leveza ausente
dos passos destes homens
Há quem lhes chame homens de bruma
porque vagos são
os seus contornos
Virá uma manhã sem homens tristes
Ninguém perguntará
para onde foram
Alguém escreverá a sua história
no livro branco
do esquecimento
A rua permanece

Licínia Quitério

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I will see my life, family, fellow citizens,
This planet Earth suspended in an amplitude
Of stars, as a single water-drop loosed from
A lotus petal, spreading drowsy circles in a lake.

Ravi Shankar

(Ravi Shankar is a poet, translator and professor of poetry, based in Connecticut, USA)

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25 de Abril | Sophia de Mello Breyner Andresen

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

in ‘O Nome das Coisas’

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POVO
Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!Meu cravo branco na orelha!
Minha camélia vermelha!
Meu verde manjericão!
Ó natureza vadia!
Vejo uma fotografia…
Mas a tua vida, não!Fui ter à mesa redonda,
Bebendo em malga que esconda
O beijo, de mão em mão…
Água pura, fruto agreste,
Fora o vinho que me deste,
Mas a tua vida, não!Procissões de praia e monte,
Areais, píncaros, passos
Atrás dos quais os meus vão!
Que é dos cântaros da fonte?
Guardo o jeito desses braços…
Mas a tua vida, não!Aromas de urze e de lama!
Dormi com eles na cama…
Tive a mesma condição.
Bruxas e lobas, estrelas!
Tive o dom de conhecê-las…
Mas a tua vida, não!Subi às frias montanhas,
Pelas veredas estranhas
Onde os meus olhos estão.
Rasguei certo corpo ao meio…
Vi certa curva em teu seio…
Mas a tua vida, não!Só tu! Só tu és verdade!
Quando o remorso me invade
E me leva à confissão…
Povo! Povo! eu te pertenço.
Deste-me alturas de incenso,
Mas a tua vida, não!Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado,
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!
Pedro Homem de Mello, in “Miserere”

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Et je fus plein alors de cette Vérité:
Que le meilleur trésor que Dieu garde au Génie
Est de connaître à fond la terrestre Beauté
Pour en faire jaillir le Rythme et l’harmonie.

CHARLES BAUDELAIRE

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No tires las cartas de amor

Ellas no te abandonarán

El tiempo pasará, se borrará el deseo

-esta flecha de sombra-y los sensuales rostros, bellos e inteligentes,

se ocultarán en ti, al fondo de un espejo.

Caerán los años. Te cansarán los libros.

Descenderás aún más

e, incluso, perderás la poesía.

El ruido de ciudad en los cristales

acabará por ser tu única música,

y las cartas de amor que habrás guardado

serán tu última literatura.

 

No tires las cartas de amor (1998) | Joan Margarit 

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Quando eu não te tinha

Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo.
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria.
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima.
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor
Tu não me tiraste a Natureza …
Tu mudaste a Natureza …
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as cousas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou. 

Só me arrependo de outrora te não ter amado.

Alberto Caeiro, in ‘O Pastor Amoroso’

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  • Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons.
  • Só é lutador quem sabe lutar consigo mesmo.

Carlos Drummond de Andrade

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E quando eu te via, não via mais as flores, nem as pombas, nem as estrelas: mas quando pensava em ti, via-te delicada como todas as flores, voluptuosa como todas as pombas, luminosa como todas as estrelas.

Eça de Queiroz, Notas marginais in “Prosas Bárbaras”

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Nous avons l’art pour ne pas mourir de la vérité.

Friedrich Nietzsche

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É sempre no amor que pouso os ramos
e nele planto acácias ou faço florescer
rosas e cerejas no inverno gélido.
Dir-me-ás que repito as flores e os frutos
que massacro de primavera os versos
que soletro gorjeios violáceos
para falar de amor.
E eu dir-te-ei que sim
que é sempre no amor que pouso os ramos
e que nele colho o sémen a bússola a maravilha.
Porque o amor faz-me dançar nas árvores altas
faz-me correr nos bosques
castiga-me de estrelas
traz-me um tempo de palavras cálidas
nas cordas do frio rigoroso.
Por isso,
é sempre no amor que pouso os ramos
e crescem-me galhos de aves no coração.

Maria Isabel Fidalgo | Sou viagem | Poesia

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Um Dia, Uma Vida  |  Ruy Belo  |  dito por Luís Miguel Cintra

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NATALIA PETROVNA OSIPOVA

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O QUE SE PASSA NA CAMA

(O que se passa na cama
é segredo de quem ama.)
É segredo de quem ama
não conhecer pela rama
gozo que seja profundo,
elaborado na terra
e tão fora deste mundo
que o corpo, encontrando o corpo
e por ele navegando,
atinge a paz de outro horto,
noutro mundo: paz de morto,
nirvana, sono do pénis.
Ai, cama, canção de cuna,
dorme, menina, nanana,
dorme a onça suçurana,
dorme a cândida vagina,
dorme a última sirena
ou a penúltima… O pénis
dorme, puma, americana
fera exausta. Dorme, fulva
grinalda de tua vulva.
E silenciem os que amam,
entre lençol e cortina
ainda húmidos de sémen,
estes segredos de cama.”
—
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
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“Poema à Mãe”, Eugénio de Andrade, dito por Manuel Capitão

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha – queres ouvir-me? –
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda ouço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio de um laranjal…

Mas – tu sabes – a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

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Anna Netrebko & Elīna Garanča | Offenbach: Les Contes d’Hoffmann: Barcarolle

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Mia Couto | Vozes Anoitecidas
O que mais dói na miséria é a ignorância que ela tem de si mesma.
Confrontados com a ausência de tudo, os homens abstêm-se do sonho, desarmando-se do desejo de serem outros.
Existe no nada essa ilusão de plenitude que faz parar a vida e anoitecer as vozes.
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It is not the position, but the disposition!
Susan Sontag
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“Não são os que têm saúde que precisam

de médico, mas sim os doentes.

Eu não vim para chamar justos,

mas pecadores”.

Marcos 2:17

Pois, que adiantará ao homem ganhar o

mundo inteiro e perder a sua alma?

Mateus 16:26

Amem-se uns aos outros. Como eu os amei,

vocês devem amar-se uns aos outros.

João 13:34

 

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DEUS sive NATURA | BENTO  DE ESPINOSA

« Não zombar, não lamentar-se, não detestar, mas compreender.»

«É certo que, se o caminho que eu indiquei parece muito árduo, pode, todavia, ser percorrido. E com certeza deve ser árduo aquilo que muito raramente se encontra. De facto, como seria possível, se a salvação estivesse à mão e pudesse encontrar-se sem grande trabalho, que ela fosse negligenciada por quase todos? Mas todas as coisas notáveis são tão difíceis como raras»

 

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  1. Querer ser livre é também querer livres os outros.
  2. A mulher é tão necessária à alegria do homem e ao seu triunfo, que se pode dizer que, se ela não existisse, os homens a teriam inventado.

       SIMONE DE BEAUVOIR

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Contes de la Folie Ordinaire | Charles Bukowski

"Para que servem os poetas em tempos de aflição"? – perguntou Hölderlin
"Além do pesadelo da história existe a perfeição do amor". Philippe Sollers, Le Nouvel Observateur.
"Orgasmo e loucura são a nova fronteira dos libertadores do amor onde Bukowski fica de guarda". Jacques Cabau, Le Point

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La educación es como una erección. Si la tienes, se nota.

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  1. Deus é um mecanismo imanente da natureza e do universo. Deus e natureza: dois nomes para a mesma coisa.

2. Paz não é a ausência de guerra. É uma virtude, um estado mental, uma disposição para a benevolência, confiança e justiça.

BARUCH SPINOZA

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“Acredito no Deus de Espinosa, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, e não no Deus que se interessa pela sorte e pelas ações dos homens. Todos podem atingir a religião em um último grau, raramente acessível em sua pureza total.

Dou a isto o nome de religiosidade cósmica e não posso falar dela com facilidade já que se trata de uma noção muito nova, à qual não corresponde conceito algum de um Deus antropomórfico”

“A experiência mais bela e profunda que o homem pode ter é a do mistério”

Albert Einstein

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“Eterno é tudo aquilo que dura uma fracção de segundo, mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força o resgata!”

Carlos Drummond de Andrade

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Ética (Espinoza)

1) O necessitarismo e o imanentismo de Espinoza, interpretados como materialismo, levaram Ludwig Feuerbach e Friedrich Engels a ver nele um precursor das próprias teses.

A Ética foi estudada e apreciada mesmo por Schopenhauer, enquanto Nietzsche considerou de importância fundamental alguns pontos da filosofia de Espinoza (a negação do livre arbítrio, do finalismo, do ordenamento axiológico da natureza, do mal e de qualquer princípio não egoístico da ação humana).

2) Além da metafísica e da teologia de Espinoza, ou seja, além do primeiro livro da Ética, a teoria do conhecimento de Espinoza foi estudada e apreciada pelos empiristas do século XVIII, em particular, por John Locke e David Hume.

Este último retomou também a teoria de Espinoza sobre o papel da paixão para motivar as pessoas a agir de acordo com o que a razão determina como útil e também a sua teoria da imitação dos afetos, que explica a empatia, na qual, segundo Hume, assenta o sentido moral.

3) Algumas categorias espinozistas para a explicação da relação entre eventos físicos e eventos mentais foram reutilizadas mais tarde, do final do século XIX ao início do século XX, por Ernst Mach e, depois, por William James e Bertrand Russell.

4) Entre os séculos XIX e XX, também por causa da reedição das obras de Espinoza (e até mesmo pela redescoberta de uma delas, o Breve Tratado, em 1851), houve uma proliferação de estudos sobre Espinoza, em geral, e sobre a Ética, em particular.

Relevante, no século XX, foi a influência da filosofia espinozana sobre Giovanni Gentile, que dirigiu uma importante edição italiana da Ética, publicada em 1915, e sobre Piero Martinetti, para quem Espinoza era uma das referências que o levaram a desenvolver o seu "espiritualismo metafísico de modo racionalista».

5) Digno de nota é o comentário de Giorgio Colli, na introdução da edição em italiano de 1959:

"A Ética exige leitores não preguiçosos, discretamente dotados e sobretudo que tenham muito tempo disponível. Se a ela se concede tudo isso, em contrapartida, oferece muito mais do que se pode razoavelmente esperar de um livro:

  • - revela o enigma desta nossa vida e aponta o caminho da felicidade, duas dádivas que ninguém pode desprezar."

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

……………………………………….

Maria Vinogradova - Bolshoi Ballet

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Rita Hayworth

Natalia Petrovna Osipova

……………………………………….

DEUS sive NATURA

Resumo sobre a Filosofia de Spinoza (clicar)

Tag Archives: Alagna

Halte-la! Je vais danser. Carmen | Garanca, Alagna

2018/01/09 by Das Culturas

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Posted in Ópera, Música, Videoteca. Com as etiquetas Alagna, Garanca

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Os homens, com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes, que se comem uns aos outros (…) e os grandes comem os pequenos. »»» Padre António Vieira »»» in Sermão de Santo António aos Peixes

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Albert Camus, Carnets III

“Qu’est-ce que l’amour ajoute au désir ?

Une chose inestimable, l’amitié”

…………………………………………

Para Sempre | Carlos Drummond de Andrade

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
– mistério profundo –
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

…………………………………………

Oh, que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves! Que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava,
Melhor é exprimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pode exprimentá-lo.

Os Lusíadas, (Canto IX, 83)

Luis Vaz de Camões

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CITAÇÃO

O homem comum é exigente com os outros; o homem superior é exigente consigo mesmo.

Marco Aurelio

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3. A propriedade e coordenação são do Vítor Coelho da Silva, também conhecido na Web como Manolo e Don Manolo.

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5. Os textos colocados de outros autores não reflectem necessariamente as opiniões do Coordenador Vítor Coelho da Silva.

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TEMPLO | MARIA ISABEL FIDALGO

Ainda templo, mãe
a quente alegria
desse ventre
concha limpa
branco tempo
onde de rosas
teu odor
foi meu canto
e meu sustento.

Tenho água na saudade
e só não grito
para não acordar
o teu sono repousado
nesse cais estrelado
em que te habito.

………………………………………….

TÃO DOCE | MARIA TERESA HORTA

Tão doce quanto secreta
tão secreta
e tão vazia

Tem no peito um leopardo
e alma de malvasia

Tão duvidosa e perene
tão ardente que despia

Do coração a pantera
que no corpo lhe crescia

Tão macia quando era
se era meiga
e sedenta

Veneno de beladona
doce de cereja preta

…………………………………………..

VASCO GRAÇA MOURA | VAI-SE A LASCIVA MÃO

vai-se a lasciva mão devagarinho
no biquinho do peito modelando
como nuns versos conhecidos quando
uma mulher a meio do caminho

era de vento e nuvens, sombras, vinho,
e sonoras risadas como um bando.
os dedos lestos vão desenredando
roupa,cabelos, fitas, desalinho.

a noite desce e a nudez define-a
por contrastes de luz e de negrume
ponto por ponto, alínea por alínea.

memória e amor e música e ciúme
transformados nos cachos da glicínia,
macerando no verão sombra e perfume.

……………………………………….

FLORBELA ESPANCA

Eu queria mais altas as estrelas,
Mais largo o espaço, o Sol mais criador,
Mais refulgente a Lua, o mar maior,
Mais cavadas as ondas e mais belas;

Mais amplas, mais rasgadas as janelas
Das almas, mais rosais a abrir em flor,
Mais montanhas, mais asas de condor,
Mais sangue sobre a cruz das caravelas!

E abrir os braços e viver a vida:
– Quanto mais funda e lúgubre a descida,
Mais alta é a ladeira que não cansa!

E, acabada a tarefa… em paz, contente,
Um dia adormecer, serenamente,
Como dorme no berço uma criança!

……………………………………….

E quando me escrevias, era tão belo o que me contavas que me despia para ler as tuas cartas. Só nua eu te podia ler | Mia Couto

……………………………………….

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

Pudesse eu não ter laços
nem limites
Ó vida de mil faces
transbordantes
Para poder responder
aos teus convites
Suspensos na surpresa
dos instantes!

………………………………………..

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

Côncavas de ter
Longas de desejo
Frescas de abandono
Consumidas de espanto
Inquietas de tocar e não prender.

…………………………………………

CASIMIRO DE BRITO

Quando os teus joelhos
encobrem as tuas águas
meu desejo aumenta

Tépidos os seios
que me dás a beber
mas antes mil beijos

Cubro-te de flores
carnais. Que mais te darei?
Tudo o que pedires

Entro e desfaleço
no altar em que teu corpo
dócil se transforma

Tentação de beijos
os seios que adivinho
sob o teu vestido

Descendo elevo-me
ao jardim do teu corpo
tanta flor a colher

Degusto encantado
o mel das tuas carícias
todo o meu te dou

…………………………………………

PABLO NERUDA

Saberás que não te amo e que te amo
pois que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem a sua metade de frio.

Amo-te para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo ainda.

Amo-te e não te amo como se tivesse
nas minhas mãos a chave da felicidade
e um incerto destino infeliz.

O meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo.

…………………………………………

CHARLES BUKOWSKI

Long walks at night
that’s what good for the soul
peeking into windows
watching tired housewives
trying to fight off
their beer-maddened husbands.

…………………………………………

ALBERTO CAEIRO | FERNANDO PESSOA

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa)
Do livro “O Guardador de Rebanhos”

…………………………………………

CARLOS DRUMMOMD DE ANDRADE

Amor, amor, amor
o braseiro radiante que me dá, pelo orgasmo, a explicação do mundo.

…………………………………………

CARLOS DRUMMOMD DE ANDRADE

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

…………………………………………

FERREIRA GULLAR | TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

…………………………………………

Álvaro de Campos: “Ora porra!”

Ora porra!

Então a imprensa portuguesa é
que é a imprensa portuguesa?
Então é esta merda que temos
que beber com os olhos?
Filhos da puta! Não, que nem
há puta que os parisse.

…………………………………………

Federico García Lorca

A las cinco de la tarde.
Eran las cinco en punto de la tarde.
Un niño trajo la blanca sábana 
a las cinco de la tarde.
Una espuerta de cal ya prevenida
a las cinco de la tarde.
Lo demás era muerte y sólo muerte
a las cinco de la tarde.

El viento se llevó los algodones
a las cinco de la tarde.
Y el óxido sembró cristal y níquel
a las cinco de la tarde.
Ya luchan la paloma y el leopardo
a las cinco de la tarde.
Y un muslo con un asta desolada
a las cinco de la tarde.
Comenzaron los sones de bordón
a las cinco de la tarde.
Las campanas de arsénico y el humo
a las cinco de la tarde.
En las esquinas grupos de silencio
a las cinco de la tarde.
¡Y el toro solo corazón arriba!
a las cinco de la tarde.
Cuando el sudor de nieve fue llegando
a las cinco de la tarde
cuando la plaza se cubrió de yodo
a las cinco de la tarde,
la muerte puso huevos en la herida
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
A las cinco en Punto de la tarde.

Un ataúd con ruedas es la cama
a las cinco de la tarde.
Huesos y flautas suenan en su oído
a las cinco de la tarde.
El toro ya mugía por su frente
a las cinco de la tarde.
El cuarto se irisaba de agonía
a las cinco de la tarde.
A lo lejos ya viene la gangrena
a las cinco de la tarde.
Trompa de lirio por las verdes ingles
a las cinco de la tarde.
Las heridas quemaban como soles
a las cinco de la tarde,
y el gentío rompía las ventanas
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
¡Ay, qué terribles cinco de la tarde!
¡Eran las cinco en todos los relojes!
¡Eran las cinco en sombra de la tarde!

…………………………………………

To be, or not to be | William Shakespeare

[Hamlet]

To be, or not to be: that is the question:
Whether ‘tis nobler in the mind to suffer
The slings and arrows of outrageous fortune,
Or to take arms against a sea of troubles,
And by opposing end them. To die: to sleep;
No more; and by a sleep to say we end
The heart-ache, and the thousand natural shocks
That flesh is heir to, ‘tis a consummation
Devoutly to be wish’d. To die, to sleep;
To sleep: perchance to dream: aye, there’s the rub;
For in that sleep of death what dreams may come,
When we have shuffled off this mortal coil,
Must give us pause: there’s the respect
That makes calamity of so long life;
For who would bear the whips and scorns of time,
The oppressor’s wrong, the proud man’s contumely,
The pangs of despised love, the law’s delay,
The insolence of office, and the spurns
That patient merit of the unworthy takes,
When he himself might his quietus make
With a bare bodkin? who would fardels bear,
To grunt and sweat under a weary life,
But that the dread of something after death,
The undiscover’d country from whose bourn
No traveler returns, puzzles the will,
And makes us rather bear those ills we have
Than fly to others that we know not of?
Thus conscience does make cowards of us all,
And thus the native hue of resolution
Is sicklied o’er with the pale cast of thought,
And enterprises of great pith and moment
With this regard their currents turn awry
And lose the name of action.

…………………………………………

INVICTUS

Poema de Inspiração de Nelson Mandela

William Ernest Henley

Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds and shall find me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.

——

INVICTO

William Ernest Henley

Da noite escura que me cobre,
Como uma cova de lado a lado,
Agradeço a todos os deuses
A minha alma invencível.

Nas garras ardis das circunstâncias,
Não titubeei e sequer chorei.
Sob os golpes do infortúnio
Minha cabeça sangra, ainda erguida.

Além deste vale de ira e lágrimas,
Assoma-se o horror das sombras,
E apesar dos anos ameaçadores,
Encontram-me sempre destemido.

Não importa quão estreita a passagem,
Quantas punições ainda sofrerei,
Sou o senhor do meu destino,
E o condutor da minha alma.

——

(ver os 2 vídeos sem e com tradução, declamado por Alan Bates)

…………………………………………

LUÍS VAZ DE CAMÕES

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Algũa cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Luís Vaz de Camões, in “Sonetos”

…………………………………………

POESIA PALACIANA | João Roiz Castell-Branco

Senhora, partem tam tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tam tristes, tam saudosos,
tam doentes da partida,
tam cansados, tam chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tam tristes os tristes,
tam fora d’ esperar bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

in Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (1516)

…………………………………………

ESTE INFERNO DE AMAR | ALMEIDA GARRETT

Este inferno de amar – como eu amo! –
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida – e que a vida destrói –
Como é que se veio a atear,
Quando – ai quando se há-de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez… – foi um sonho –
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar…
Quem me veio, ai de mim! despertar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? – Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei…

in ‘Folhas Caídas’

 

…………………………………………

A confissão de um vagabundo | Serguei Iessiênin

Nem todos sabem cantar
Não é dado a todos ser maçã
Para cair aos pés dos outros.

Esta é a maior confissão
Que jamais fez um vagabundo.

Não é à toa que eu ando despenteado,
Cabeça como lâmpada de querosene sobre os ombros.
Me agrada iluminar na escuridão
O outono sem folhas de vossas almas,
Me agrada, quando as pedras dos insultos
Voam sobre mim, granizo vomitado pelo vento.
Então limito-me a apertar mais com as mãos
A bolha oscilante dos cabelos.

Como eu me lembro bem então
Do lago cheio de erva e do som rouco do amieiro
E que nalgum lugar vivem meu pai e minha mãe,
Que pouco se importam com meus versos,
Que me amam como a um campo, como a um corpo,
Como à chuva que na primavera amolece o capim.
Eles, com seus forcados, viriam aferrar-vos
A cada injúria lançada contra mim.

Pobres, pobres camponeses,
Por certo, estão velhos e feios,
E ainda temem a Deus e aos espíritos do pântano.
Ah, se pudessem compreender
Que o seu filho é, em toda a Rússia,
O seu melhor poeta!
Seus corações não temiam por ele
Quando molhava os pés nos charcos outonais?
Agora ele anda de cartola
E sapatos de verniz.

Mas sobrevive nele o antigo fogo
De aldeão travesso.
A cada vaca, no letreiro dos açougues,
Ele saúda à distância.
E quando cruza com um coche numa praça,
Lembrando o odor de esterco dos campos nativos,
Lhe dá vontade de suster o rabo dos cavalos
Como a cauda de um vestido de nooiva.

Amo a terra.
Amo demais a minha terra!
Embora a entristeça o mofo dos salgueiros,
Me agradam os focinhos sujos dos porcos
E, no silêncio das noites, a voz alta dos sapos.
Fico doente de ternura com as recordações da infância.
Sonho com a névoa e a umidade das tardes de abril,
Quando o nosso bordo se acocorava
Para aquecer os ossos no ocaso.
Ah, quantos ovos nos ninhos das gralhas,
Trepando nos seus galhos, não roubei!
Será ainda o mesmo, com a copa verde?
Sua casca será rija como antes?

E tu, meu caro
E fiel cachorro malhado?!
A velhice te fez cego e resmungão.
Cauda caída, vagueias no quintal,
Teu faro não distingue o estábulo da casa.
Como recordo as nossas travessuras,
Quando eu furtava o pão de minha mãe
E mordíamos, um de cada vez,
Sem nojo um do outro.

Sou sempre o mesmo.
Meu coração é sempre o mesmo.
Como as centáureas no trigo, florem no rosto os olhos.
Estendendo as esteiras douradas de meus versos
Quero falar-vos com ternura.

Boa noite!
Boa noite a todos!
Terminou de soar na relva a foice do crepúsculo…
Eu sinto hoje uma vontade louca
De mijar, da janela, para a lua.

Luz azul, luz tão azul!
Com tanto azul, até morrer é zero.
Que importa que eu tenha o ar de um cínico
Que pendurou uma lanterna no traseiro!
Velho, bravo Págaso exausto,
De que me serve o teu trote delicado?
Eu vim, um mestre rigoroso,
Para cantar e celebrar os ratos,
Minha cabeça, como agosto,
Verte o vinho espumante dos cabelos.

Eu quero ser a vela amarela
Rumo ao país para o qual navegamos.

Expoente de uma ramificação das vanguardas, o Imagismo, Serguei Iessiênin  simbolizou a tragédia vivida pelos grandes poetas soviéticos: viveu 30 anos de grande furor literário e pessoal, foi casado com a precursora da dança moderna. Isadora Duncan, e encerrou sua vida suicidando-se num quarto de hotel.

…………………………………………

Ergo uma rosa | José Saramago

Ergo uma rosa, e tudo se ilumina
Como a lua não faz nem o sol pode:
Cobra de luz ardente e enroscada
Ou ventos de cabelos que sacode.
Ergo uma rosa, e grito a quantas aves
O céu pontua de ninhos e de cantos,
Bato no chão a ordem que decide
A união dos demos e dos santos.
Ergo uma rosa, um corpo e um destino
Contra o frio da noite que se atreve,
E da seiva da rosa e do meu sangue
Construo perenidade em vida breve.
Ergo uma rosa, e deixo, e abandono
Quanto me doi de mágoas e assombros.
Ergo uma rosa, sim, e ouço a vida
Neste cantar das aves nos meus ombros.

José Saramago

…………………………………………

POEMA | JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA

 

Perdemos repentinamente

a profundidade dos campos

os enigmas singulares

a claridade que juramos conservar

mas levamos anos

a esquecer alguém

que apenas nos olhou.

 

 in A Noite Abre Meus Olhos

José Tolentino Mendonça

…………………………………………

A Minha Religião é o Novo | Gonçalo M. Tavares

A minha Religião é o Novo.
Este dia, por exemplo; o pôr do Sol,
estas invenções habituais: o Mar.
Ainda:
os cisnes a Ralhar com a água. A Rapariga mais bonita que
ontem.
Deus como habitante único.
Todos somos estrangeiros a esta Região, cujo único habitante
verdadeiro é Deus (este bem podia ser o Rótulo do nosso
Frasco).
Dele também se podia dizer, como homenagem:
Hóspede discreto.
Ou mais pomposamente:
O Enorme Hóspede discreto.
Ou dizer ainda, para demorar Deus mais tempo nos lábios ou
neste caso no papel, na escrita, dizer ainda, no seu epitáfio que
nunca chega, que nunca será útil, dizer dele:
em todo o lado é hóspede,
e em todo o lado é Discreto.

Gonçalo M. Tavares, in “Investigações. Novalis”

…………………………………………

A LÍNGUA LAMBE | Carlos Drummond de Andrade

 

A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.

 

Carlos Drummond de Andrade

…………………………………………

Soneto 23 | William Skakespeare

 

Como no palco o ator que é imperfeito
Faz mal o seu papel só por temor,
Ou quem, por ter repleto de ódio o peito
Vê o coração quebrar-se num tremor,Em mim, por timidez, fica omitido
O rito mais solene da paixão;
E o meu amor eu vejo enfraquecido,
Vergado pela própria dimensão.Seja meu livro então minha eloqüência,
Arauto mudo do que diz meu peito,
Que implora amor e busca recompensaMais que a língua que mais o tenha feito.
Saiba ler o que escreve o amor calado:
Ouvir com os olhos é do amor o fado.

William Skakespeare

…………………………………………

Temos a arte para não morrer da verdade.

Friedrich Nietzsche

…………………………………………

A uma senhora que me pediu versos | Machado de Assis

Pensa em ti mesma, acharás
Melhor poesia,
Viveza, graça, alegria,
Doçura e paz.Se já dei flores um dia,
Quando rapaz,
As que ora dou têm assaz
Melancolia.Uma só das horas tuas
Valem um mês
Das almas já ressequidas.Os sóis e as luas
Creio bem que Deus os fez
Para outras vidas.

Machado de Assis

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Devemos julgar um homem mais pelas suas perguntas que pelas respostas.

Voltaire
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Ton silence | Malika Mellal

Écouter le silence
N’arrive qu’à me faire peur
Je préfère écouter le bruit
Que le silence de la nuit
Le bruit parle à mon cœur
Il est pour moi une chance.

Le bruit me sourit
Il me rappelle à la vie
Le bruit accords de vibrations
Merveilleux mélange de sons

Le bruit du vent dans mes cheveux
Caresses de souffles merveilleux
Celui du clapotis de pluie sur le toit
Jolie symphonie de perles d’éclats

Le bruit des jeux d’enfants
Qui figent un moment le temps
Le bruit des oiseaux dans leurs nid
Qui annonce que le printemps fleurit.

Le bruit de ton amour
Que je refuse sourd
Celui même de ta colère
Sera toujours moins amer
Que ce silence que tu opères
Qui me ronge et m’exaspère.

Comment le silence peut-il me parler
Quand il est absence désespérée
Que veux tu que j’entende
D’un silence qui distande

Je préfère les éclats de voix
À ce silence qui broie
Je vis de mots murmurés
De mots hurlés , jamais trafiqués
J’aime la vérité au silence déguisé.

Malika Mellal février 2018

Copyright@mellalmalika | Gustav Klimt

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A Giganta | Charles Baudelaire

No tempo em que a Natura, augusta, fecundanta,
Seres descomunais dava à terra mesquinha,
Eu quisera viver junto d’uma giganta,
Como um gatinho manso aos pés d’uma rainha!

Gosta de assistir-lhe ao desenvolvimento
Do corpo e da razão, aos seus jogos terríveis;
E ver se no seu peito havia o sentimento
Que faz nublar de pranto as pupilas sensíveis

Percorrer-lhe a vontade as formas gloriosas,
Escalar-lhe, febril, as colunas grandiosas;
E às vezes, no verão, quando no ardente solo

Eu visse deitar, numa quebreira estranha estranha,
Dormir serenamente à sombra do seu colo,
Como um pequeno burgo ao sopé da montanha!

Charles Baudelaire, in “As Flores do Mal”
Tradução de Delfim Guimarães

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Quando um Homem Quiser | José Carlos Ary dos Santos

 

Tu que dormes à noite na calçada do relento
numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
és meu irmão, amigo, és meu irmão

E tu que dormes só o pesadelo do ciúme
numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
e sofres o Natal da solidão sem um queixume
és meu irmão, amigo, és meu irmão

Natal é em Dezembro
mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
é quando um homem quiser
Natal é quando nasce
uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto
que há no ventre da mulher

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
tu que inventas bonecas e comboios de luar
e mentes ao teu filho por não os poderes comprar
és meu irmão, amigo, és meu irmão

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
és meu irmão, amigo, és meu irmão

Ary dos Santos, in ‘As Palavras das Cantigas’


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Amor é um Fogo que Arde sem se Ver | Luís Vaz de Camões

Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís Vaz de Camões, in “Sonetos”


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Amo-te Muito, Meu Amor, e Tanto | Jorge de Sena

Amo-te muito, meu amor, e tanto
que, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda
depois de ter-te, meu amor. Não finda
com o próprio amor o amor do teu encanto.

Que encanto é o teu? Se continua enquanto
sofro a traição dos que, viscosos, prendem,
por uma paz da guerra a que se vendem,
a pura liberdade do meu canto,

um cântico da terra e do seu povo,
nesta invenção da humanidade inteira
que a cada instante há que inventar de novo,

tão quase é coisa ou sucessão que passa…
Que encanto é o teu? Deitado à tua beira,
sei que se rasga, eterno, o véu da Graça.

Jorge de Sena, in “Poesia, Vol. I”


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Ser ou não Ser | William Shakespeare

Hamlet: Ser ou não ser, essa é a questão: será mais nobre suportar na mente as flechadas da trágica fortuna, ou tomar armas contra um mar de obstáculos e, enfrentando-os, vencer? Morrer — dormir, nada mais; e dizer que pelo sono se findam as dores, como os mil abalos inerentes à carne — é a conclusão que devemos buscar. Morrer — dormir; dormir, talvez sonhar — eis o problema: pois os sonhos que vierem nesse sono de morte, uma vez livres deste invólucro mortal, fazem cismar. Esse é o motivo que prolonga a desdita desta vida.

William Shakespeare, in “Hamlet”


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Ausência | William Shakespeare

Sofremos muito com o pouco que nos falta e gozamos pouco o muito que temos.
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Três Poemas de João Guimarães Rosa, do livro “Magma”

Gargalhada

Quando me disseste que não mais me amavas,
e que ias partir,
dura, precisa, bela e inabalável,
com a impassibilidade de um executor,
dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias…
Mas olhei-te bem nos olhos,
belos como o veludo das lagartas verdes,
e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos,
tive pena de ti, de mim, de todos,
e me ri
da inutilidade das torturas predestinadas,
guardadas para nós, desde a treva das épocas,
quando a inexperiência dos Deuses
ainda não criara o mundo…

—

Revolta

Todos foram saindo, de mansinho,
tão calados,
que eu nem sei
se fiquei mesmo só.

Não trouxe mensagem
e nem deram senha…

Disseram-se que não iria perder nada,
porque não há mais céu.
E agora, que tenho medo,
e estou cansado,
mandam-me embora…

Mas não quero ir para mais longe,
desterrado,
porque a minha pátria é a minha memória.
Não, não quero ser desterrado,
que a minha pátria é a memória…

—

Elegia

Teu sorriso se abriu como uma anêmona
entre as covinhas do rosto infantil.
Estavas de pijama verde,
nas almofadas verdes,
os pezinhos nus, as pernas cruzadas,
pequenina,
como um ídolo de jade
que teve por modelo uma princesa anamita.
Tuas mãos sorriam,
teus olhos sorriam,
o liso dos teus cabelos pretos sorria,
e mesmo me sorriste,
e foi a única vez…

Não pude calçar, com beijos os teus pezinhos,
e não pudeste caminhar para mim…
Mas é bem assim que os meus sonhos se possuem.

do livro “Magma”

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Mia Couto | Para Ti

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

Mia Couto, in “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”

—

Mia Couto | Pergunta-me

Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer

Mia Couto, in ‘Raiz de Orvalho’

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José Gomes Ferreira | (Junto a minha voz ao coro dos poetas mais novos.
Recuso-me a ter mais de vinte anos.)

Não, não queremos cantar
as canções azuis
dos pássaros moribundos.

Preferimos andar aos gritos
para que os homens nos entendam
na escuridão das raízes.

Aos gritos como os pescadores quando puxam as redes
em tardes de fome pitoresca para quadros de exposição.
Aos gritos como os fogueiros que se lançam vivos nas fornalhas
para que os navios cheguem intactos aos destinos dos outros.
Aos gritos como os escravos que arrastaram as pedras no Deserto
para o grande monumento à Dor Humana do Egipto.
Aos gritos como o idílio dum operário e duma operária
a falarem de amor
ao pé duma máquina de tempestade
a soluçar cidades de fome
na cólera dos ruídos…

Aos gritos, sim, aos gritos.

E não há melhor orgulho
do que o nosso destino
de nascer em todas as bocas…
Nós, os poetas viris
que trazemos nos olhos
as lágrimas dos outros.

José Gomes Ferreira

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O pássaro azul | Charles Bukowski

há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo, fique aí, não deixarei que ninguém o veja.
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.
há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo,
fique aí,
quer acabar comigo?
(…) há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
eu digo: sei que você está aí,
então não fique triste.
depois, o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro, não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
como nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar,
mas eu não choro,
e você?

Tradução: Pedro Gonzaga

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Tive amigos que morriam, amigos que partiam
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
Odiei o que era fácil
Procurei-me na luz, no mar, no vento.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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É um privilégio feminino ser insensata.

Marlene Dietrich

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Uma guitara perpetua o verão | maria isabel fidalgo

Longínqua, uma guitarra perpetua o verão
na larga casa da saudade.
Abro as janelas do mar
e no clamor das ondas
o sol de agosto desce calmo
sobre os barcos.
Sou jovem em qualquer lado
onde há o brilho indomável
dos anos, antes destes,
e de outros, longe de ti.
Chegam pescadores do lado
dos búzios e dos limos
com os pés calçados de sargaço
e a tarde é um farol nas nossas mãos.
Cada palavra que dizes
é um rio junto à fonte,
uma claridade a abrir,
a subir a pique sobre o mundo.
Ouso pedir-te
que te escondas comigo
nesta ilusão de juventude
plasmada na minha varanda
aberta sobre o mar;
que não apresses a voz;
que me deixes cerzida num abraço,
e que a tarde caia sobre nós
fulgente de ouro e luz
alheia ao peso do cansaço.

maria isabel fidalgo

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A Náusea | Jean Paul Sartre

Os homens. É preciso amar os homens. Os homens são admiráveis. Sinto vontade de vomitar – e de repente aqui está ela: a Náusea. Então é isso a Náusea: essa evidência ofuscante? Existo – o mundo existe -, e sei que o mundo existe. Isso é tudo. Mas tanto faz para mim. É estranho que tudo me seja tão indiferente: isso me assusta. Gostaria tanto de me abandonar, de deixar de ter consciência de minha existência, de dormir. Mas não posso, sufoco: a existência penetra em mim por todos os lados, pelos olhos, pelo nariz, pela boca… E subitamente, de repente, o véu se rasga: compreendi, vi. A Náusea não me abandonou, e não creio que me abandone tão cedo; mas já não estou submetido a ela, já não se trata de uma doença, nem de um acesso passageiro: a Náusea sou eu.

Jean-Paul Sartre

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Jean Paul Sartre | Pensamento

É preciso explicar por que o mundo de hoje, que é horrível, é apenas um momento do longo desenvolvimento histórico e que a esperança sempre foi uma das forças dominantes das revoluções e das insurreições. E eu ainda sinto a esperança como minha concepção de futuro.

Jean-Paul Sartre

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Simone de Beauvoir | Pensamento

Não mais me deitar no feno perfumado ou deslizar na neve deserta.
Onde eu exatamente me encontro?
O que me surpreende é a impressão de não ter envelhecido, embora eu esteja instalada na velhice.
O tempo é irrealizável.
Provisoriamente o tempo parou para mim.
Provisoriamente.
Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra, como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro.
O meu passado é a referência que me projeta e que eu devo ultrapassar.
Portanto, ao meu passado, eu devo o meu saber e a minha ignorância, as minha necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo.
Hoje, que espaço o meu passado deixa para a minha liberdade hoje? Não sou escrava dele.
O que eu sempre quis foi comunicar unicamente da maneira mais direta o sabor da minha vida. Unicamente o sabor da minha vida.
Acredito que eu consegui fazê-lo.
Vivi num mundo de homens, guardando em mim o melhor da minha feminilidade.
Não desejei e nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos.

Simone de Beauvoir 

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O Captain! My Captain! | BY WALT WHITMAN

O Captain! my Captain! our fearful trip is done,
The ship has weather’d every rack, the prize we sought is won,
The port is near, the bells I hear, the people all exulting,
While follow eyes the steady keel, the vessel grim and daring;
But O heart! heart! heart!
O the bleeding drops of red,
Where on the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.

O Captain! my Captain! rise up and hear the bells;
Rise up—for you the flag is flung—for you the bugle trills,
For you bouquets and ribbon’d wreaths—for you the shores a-crowding,
For you they call, the swaying mass, their eager faces turning;
Here Captain! dear father!
This arm beneath your head!
It is some dream that on the deck,
You’ve fallen cold and dead.

My Captain does not answer, his lips are pale and still,
My father does not feel my arm, he has no pulse nor will,
The ship is anchor’d safe and sound, its voyage closed and done,
From fearful trip the victor ship comes in with object won;
Exult O shores, and ring O bells
But I with mournful tread,
Walk the deck my Captain lies,
Fallen cold and dead.

WALT WHITMAN | Source: Leaves of Grass (David McKay, 1891)

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A FLOR | ALMADA NEGREIROS

Pede-se a uma criança. Desenhe uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase nâo resistiu.
Outras eram tâo delicadas que apenas o peso do lápis já era demais.

Depois a criança vem mostrar estas linhas às pessoas:
Uma flor !

As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor.
Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!

Almada Negreiros

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LETANÍA DE MIS DEFECTOS | Guadalupe Teresa Amor Schmidtlein

“Soy vanidosa, déspota, blasfema,
Soberbia, altiva, ingrata, desdeñosa;
pero conservo aún la tez de rosa.
La lumbre del infierno a mi me quema.
Es de cristal cortado mi sistema.
Soy ególatra, fría, tumultuosa.
Me quiebro frágil como mariposa.
Yo misma he construido mi anatema.
Soy perversa, malvada, vengativa.
Es prestada mi sangre y fugitiva.
Mis pensamientos son muy taciturnos.
Mis sueños de pecado son nocturnos.
Soy histérica, loca desquiciada;
pero a la eternidad ya sentenciada”

Guadalupe Teresa Amor Schmidtlein

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As balas | Fernando Assis Pacheco

São de ferro. Ou de aço?
Diz-se que fazem à entrada
um pequeno orifício,
seguido de uma grande
devastação de carnes
sangrentas. Por isso matam.
Li tudo sobre a morte.
Escrevi sobre a minha
e depois embebedei-me.
A bala vem pelo ar
(ruído onomatopaico) e
crava-se, cava, ceva-se
nessas carnes. Era a minha.
Tive uma bala marcada:
à última hora telefonei
a desistir. ‘da-se!
Pior para o Soares que entra
nestes versos já morto.
São de ferro. A tua era,
ó Soares, ou de aço,
e «agora choro contigo»
ausente uma vila
branca do Alentejo: tu.

Diz-se que fazem assim
um pequeníssimo estúpido
orifício (não quis ver)
como um botão mas
destroem tudo, devastam
tecidos, vísceras nobres,
e então trazem até nós
a morte sanguinolenta.
Se ainda as fabricam
como no meu tempo, creio
que matam num, ah pois,
infinitésimo de segundo.
É brutal. Eu ouvi-as:
perde-se a tesão por um século.

Fernando Assis Pacheco
in A Musa Irregular

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Fyodor Dostoyevsky

Why was I calling you, wishing for you, why was I longing and thirsting for you with every curve of my soul and even with my ribs?

Fyodor Dostoyevsky, The Brothers Karamazov.

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Samuel Beckett

I know your sorrow and I know that for the likes of us there is no ease for the heart to be had from words or reason and that in the very assurance of sorrow’s fading there is more sorrow. So I offer you only my deeply affectionate and compassionate thoughts and wish for you only that the strange thing may never fail you, whatever it is, that gives us the strength to live on and on with our wounds.

Samuel Beckett, The Letters of Samuel Beckett Volume III: 1957-1965 (Cambridge University Press 10/16/2014)

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HERBERTO HELDER | (A CARTA DA PAIXÃO)

Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os seus recessos negros
onde se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se: O mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, essa lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.

Herberto Helder

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AL BERTO | VIGÍLIAS

pernoito
no interior do corpo desarrumado
o medo invade o penumbroso corredor
descubro uma cintilação de água no estuque
uma cicatriz de cristais de bolor abre-se
porosa ao contacto dos dedos indica
que não haverá esquecimento ou brisa
para limpar o tempo imemorial da casa

deste simulado sono ficou-lhe o amargo iodo
as madeiras enceradas cobertas de poeira
ervas secas à chuva molhos de rosmaninho
junquilhos, bocas de lobo silenas, trevo
mas nenhuma fuga foi recomeçada
a infância permanece triste onde a abandonei
quase não vive
no entanto ouço-a respirar dentro de mim

agora tudo é diferente
recomeço a viver a partir do vazio
da treva dos dias em silêncio
por entre a pele e um feixe de magnificas veias
sinto o pássaro da velhice arrastando as asas

onde desenvolve o calmo voo lunar

enumero cuidadosamente os objectos, classifico-os
por tamanhos por texturas, por funções
quero deixar tudo arrumado quando a loucura vier
da extremidade aguçada do corpo alado
e o rosto for devassado por um estilhaço de asa

então a vida abater-se-á sobre a folha de papel
onde verso a verso
me ilumino e me desgasto.

Al Berto

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IRMANDADE

Sou homem: duro pouco
e é enorme a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
Também sou escritura
e neste mesmo instante
alguém me soletra.

Octavio Paz e Kubrick em 2001 uma Odisseia no espaço

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Que é feito de tudo?
Que fiz eu de mim?
Deixa-me dormir,

Dormir a sorrir
E seja isto o fim.

Fernando Pessoa

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Gosto da noite imensa,
triste, preta, como esta estranha borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!…

Florbela Espanca

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O que nos tranquiliza no sono é a certeza de que dele retornamos.
E ele nos cura temporariamente da fadiga pelo mais radical dos processos, isto é, arranjando para que cessemos de existir durante algumas horas.

Marguerite Yourcenar

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O respeito pelo passado – eis o traço que distingue a instrução da barbárie; as tribos nómadas não possuem nem história, nem nobreza.

Alexander Pushkin

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Amar? Para quê? Por um tempo, não vale a pena.
E, para sempre, é impossível.

Alexander Pushkin

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A melhor universidade é a felicidade de viver.

Alexander Pushkin

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AOS MEUS AMIGOS | Alexander Pushkin

Os deuses ainda vos dão
Dias e noites de alegria,
E amáveis moças vos estão
A examinar com simpatia.

Folgai, cantai, ficai a fruir
A noite, amigos, passageira,
E a vosso prazer sem canseira
Hei-de, entre lágrimas, sorrir.

Alexander Pushkin

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Eu amei-te; mesmo agora devo confessar,
Algumas brasas desse amor estão ainda a arder;
Mas não deixes que isso te faça sofrer,
Não quero que nada te possa inquietar.
O meu amor por ti era um amor desesperado,
Tímido, por vezes, e ciumento por fim.
Tão terna, tão sinceramente te amei,
Que peço a Deus que outro te ame assim.

Alexander Pushkin

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Todos dizem: “Não há justiça na terra.” Mas também não há justiça lá no alto!

Alexander Pushkin

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A Extraordinária Aventura vivida por Vladimir Maiakóvski.
No Verão, na Datcha.

A tarde ardia em cem sóis
O verão rolava em julho.
O calor se enrolava
no ar e nos lençóis
da datcha onde eu estava,
Na colina de Púchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casca dos telhados.
E atrás da aldeia,
um buraco
e no buraco, todo dia,
o mesmo ato:
o sol descia
lento e exato
E de manhã
outra vez
por toda a parte
lá estava o sol
escarlate.
Dia após dia
isto
começou a irritar-me
terrivelmente.
Um dia me enfureço a tal ponto
que, de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
¿Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!

E grito ao sol:
¿Parasita!
Você aí, a flanar pelos ares,
e eu aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!

E grito ao sol:
¿Espere!
Ouça, topete de ouro,
e se em lugar
desse ocaso
de paxá
você baixar em casa
para um chá?

Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.
Não quero mostra medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas
a massa
solar vem abaixo
e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego,
me diz o sol com a voz de baixo:
¿Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá,
pegue a compota, poeta!

Lágrimas na ponta dos olhos
– o calor me fazia desvairar, eu lhe mostro
o samovar:
¿Pois bem,
sente-se, astro!

Quem me mandou berrar ao sol
insolências sem conta?
Contrafeito
me sento numa ponta
do banco e espero a conta
com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo
pouco a pouco
a palestrar com o astro.
Falo
disso e daquilo,
como me cansa a Rosta²,
etc.
E o sol:
¿Está certo,
mas não se desgoste,
não pinte as coisas tão pretas.
E eu? Você pensa
que brilhar
é fácil?
Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!¿
Conversamos até a noite
ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro
estou batendo no seu ombro.
E o sol, por fim:
¿Somos amigos
pra sempre, eu de você,
você de mim.
Vamos, poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu
com seus versos.

¿O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
Gente é pra brilhar
que tudo o mais vá prá o inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.

Vladimir Maiakóvski


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Carpe Diem | Walt Whitman

Aproveita o dia,
Não deixes que termine sem teres crescido um pouco.
Sem teres sido feliz, sem teres alimentado teus sonhos.
Não te deixes vencer pelo desalento.
Não permitas que alguém te negue o direito de expressar-te, que é quase um dever.
Não abandones tua ânsia de fazer de tua vida algo extraordinário.
Não deixes de crer que as palavras e as poesias sim podem mudar o mundo.
Porque passe o que passar, nossa essência continuará intacta.
Somos seres humanos cheios de paixão.
A vida é deserto e oásis.
Nos derruba, nos lastima, nos ensina, nos converte em protagonistas de nossa própria história.
Ainda que o vento sopre contra, a poderosa obra continua, tu podes trocar uma estrofe.
Não deixes nunca de sonhar, porque só nos sonhos pode ser livre o homem.
Não caias no pior dos erros: o silêncio.
A maioria vive num silêncio espantoso. Não te resignes, e nem fujas.
Valorize a beleza das coisas simples, se pode fazer poesia bela, sobre as pequenas coisas.
Não atraiçoes tuas crenças.
Todos necessitamos de aceitação, mas não podemos remar contra nós mesmos.
Isso transforma a vida em um inferno.
Desfruta o pânico que provoca ter a vida toda a diante.
Procures vivê-la intensamente sem mediocridades.
Pensa que em ti está o futuro, e encara a tarefa com orgulho e sem medo.
Aprendes com quem pode ensinar-te as experiências daqueles que nos precederam.
Não permitas que a vida se passe sem teres vivido…

Walt Whitman

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A Grande Inteligência é Sobreviver | Gonçalo M. Tavares

A grande Inteligência é sobreviver.
As tartarugas portanto não são teimosas nem lentas, dominam;
SIM, a ciência.
Toda a tecnologia é quase inútil e estúpida,
porque a artesanal tartaruga,
a espontânea TARTARUGA,
permanece sobre a terra mais anos que o homem.
Portanto,
como a grande inteligência é sobreviver,
a tartaruga é Filósofa e Laboratório,
e o Homem que já foi Rei da criação
não passa, afinal, de um crustáceo FALSO,
um lavagante pedante;
um animal de cabeça dura. Ponto.

Gonçalo M. Tavares, in “Investigações”

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A Minha Religião é o Novo | Gonçalo M. Tavares

A minha Religião é o Novo.
Este dia, por exemplo; o pôr do Sol,
estas invenções habituais: o Mar.
Ainda:
os cisnes a Ralhar com a água. A Rapariga mais bonita que
ontem.
Deus como habitante único.
Todos somos estrangeiros a esta Região, cujo único habitante
verdadeiro é Deus (este bem podia ser o Rótulo do nosso
Frasco).
Dele também se podia dizer, como homenagem:
Hóspede discreto.
Ou mais pomposamente:
O Enorme Hóspede discreto.
Ou dizer ainda, para demorar Deus mais tempo nos lábios ou
neste caso no papel, na escrita, dizer ainda, no seu epitáfio que
nunca chega, que nunca será útil, dizer dele:
em todo o lado é hóspede,
e em todo o lado é Discreto.

Gonçalo M. Tavares, in “Investigações”

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Se Tu Viesses Ver-me… | Florbela Espanca

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços…

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca… o eco dos teus passos…
O teu riso de fonte… os teus abraços…
Os teus beijos… a tua mão na minha…

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca…
Quando os olhos se me cerram de desejo…
E os meus braços se estendem para ti…

Florbela Espanca, in “Charneca em Flor”

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A Besta | Maria João Cantinho

De que tempo somos, agora
que a tempestade sopra de novo
e ao céu sobe este monte de ruínas
devastação anoitecendo o mundo

tenta lembrar-te de que lado
veio um dia o alerta, de que armário
saiu este cortejo de sombras
onde se gravou o que a história
deixou escapar, nas malhas do mito

para de novo retornar
a besta silenciosa, a que vigia
sem que as pálpebras lhe desçam
uma única vez. Silente

talvez estivéssemos nós, os do Sul,
embriagados pela torpeza do metal
e por isso ela moveu-se devagar
como se fosse cinza na minha memória

MJC, «Do Ínfimo» – Editora Penalux, Brasil, 2018.


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Antes de amar-te, amor, nada era meu… | Pablo Neruda

Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.

E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.

Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,

Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono.

Pablo Neruda

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CITAÇÕES

É preciso ser duro, mas sem perder a ternura, jamais …

Che Guevara

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Que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância, já que viver é ser livre.

Simone de Beauvoir


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What Matters Most is How Well You Walk Through the Fire

Charles Bukowski


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Vita brevis, ars longa | A vida é breve, a arte é longa.

Há verdadeiramente duas coisas diferentes; saber e crer que se sabe. A ciência consiste em saber; em crer que se sabe reside a ignorância.

Para os males extremos, só são eficazes os remédios intensos.

Hipócrates


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1) – A fantasia, motor da infidelidade, ocupa-se em tornar-nos criativos. A imaginação estimula a mentira, que, quando bem-sucedida, nos dá liberdades inimagináveis. Mentir é descobrir opções. O segredo faz o resto. No adultério, as variações de nós mesmos são infinitas.

2) – Os homens casam-se por cansaço. As mulheres, por curiosidade. Ambos se desiludem.

Lord Henry, em O Retrato de Dorian Gray, 1890.

3) – Nada mais glorioso do que a devoção de uma mulher casada – o que o homem casado desconhece completamente.

Cecil Graham, em O Leque de Lady Windermere, 1892.

in DICIONÁRIO SENTIMENTAL DO ADULTÉRIO | FILIPA MELO, autora

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Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte     violar-nos     tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas     portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipícioAo longo da muralha que habitamos
há palavras de vida     há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posiçãoEntre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de ElsinoreE há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeitaEntre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar
MÁRIO CESARINY
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Quand une femme devient indifférente, vous saurez que vous l’avez perdue. Là, il n’y a ni colère, ni haine, ni amour surtout. Quand l’indifférence s’installe, plus de retour, pas de regrets. Le contraire de l’amour n’est pas la haine, mais l’indifférence.

Fiodor Dostoïevski

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ENTRE O EXCESSO E O NADA

Ele tornou
voou
sempre voltava

deixando-a inundada
de prazer
e luz

a cobrir-se a si mesmo
de gosto
e de prata

Vem meu amor
Disse muito baixo

nós somos a queda
entre o excesso
e o nada

Maria Teresa Horta

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CONSTRUÇÃO

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acbou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado

Chico Buarque de Hollanda | Prémio Camões

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Adquiri esta regra
(ou nasci com ela) – e é talvez uma moral – mover-me apenas em direcção ao que gosto
[Gonçalo M. Tavares]

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Some people never go crazy. What truly horrible lives they must lead.
[Charles Bukowski]

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O Meu Olhar

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender…
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar…

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar…

Alberto Caeiro, in ‘O Pastor Amoroso’

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Eu escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível, fixava vertigens.

J’écrivais des silences, des nuits, je notais l’inexprimable. Je fixais des vertiges.

ARTHUR RIMBAUD

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O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.

Carlos Drummond de Andrade

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Não quero cantar amores,
Amores são passos perdidos,
São frios raios solares,
Verdes garras dos sentidos.

São cavalos corredores
Com asas de ferro e chumbo,
Caídos nas águas fundas,
não quero cantar amores.

Paraísos proibidos,
Contentamentos injustos,
Feliz adversidade,
Amores são passos perdidos.

São demências dos olhares,
Alegre festa de pranto,
São furor obediente,
São frios raios solares.

Dá má sorte defendidos
Os homens de bom juízo
Têm nas mãos prodigiosas
Verdes garras dos sentidos.

Não quero cantar amores
Nem falar dos seus motivos.

 

GARRAS DOS SENTIDOS 

Agustina Bessa Luís

 

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Muriel  |  Ruy Belo  |  dito por Luís Miguel Cintra

 

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DIANA VISHNEVA

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Imagine | John Lennon

 

Imagine there’s no heaven
It’s easy if you try
No hell below us
Above us only sky
Imagine all the people living for today
Imagine there’s no countries
It isn’t hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people living life in peace, you
You may say I’m a dreamer
But I’m not the only one
I hope some day you’ll join us
And the world will be as one
Imagine no possessions
I wonder if you can
No need for greed or …
…………………………………………

Devia morrer-se de outra maneira | José Gomes Ferreira

Devia morrer-se de outra maneira.

Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.

Ou em nuvens.

Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol

a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos

os amigos mais íntimos com um cartão de convite

para o ritual do Grande Desfazer: “Fulano de tal comunica

a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje

às 9 horas. Traje de passeio”.

E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos

escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir

a despedida.

Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.

“Adeus! Adeus!”

E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,

numa lassidão de arrancar raízes…

(primeiro, os olhos… em seguida, os lábios… depois os cabelos… )

a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se

em fumo… tão leve… tão sutil… tão pólen…

como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono

ainda tocada por um vento de lábios azuis …

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Fernando Pessoa | O poeta é um fingidor

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J.C. Bach “Cara, la dolce fiamma” | Philippe Jaroussky

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A Justiça das Multidões

Charles Baudelaire utilizou expressões “goût de la vengeance” (gosto da vingança) e do “plaisir naturel de la demolition” (prazer natural da destruição), para classificar as atitudes das multidões.

CARLOS MATOS GOMES

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“Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande.”

Padre António Vieira, 1654

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DEUS sive NATURA | BENTO  DE ESPINOSA

“Acredito no Deus de Spinoza, que se revela num mundo regrado e harmonioso, não em um Deus que se preocupa com o destino e os afazeres da humanidade”.

“Não posso imaginar um Deus pessoal que influencia diretamente a ação das pessoas… Minha religiosidade consiste em uma humilde admiração do Espírito Infinitamente Superior que se revela no pouco que compreendemos de nosso próprio mundo.

A profunda convicção na presença de um Poder Superior, que aparece no universo incompreensível, forma minha ideia de Deus”

ALBERT EINSTEIN

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Real eyes realize, real lies ! | LORD JACOB ROTHSCHILD, Comandante da Ordem de Henrique, o Navegador de Portugal. 

Não basta conquistar a sabedoria, é preciso usá-la. | CÍCERO

«Não sei para onde vou mãe (…) Andarei por aí no escuro, estarei em toda a parte. Para onde quer que olhem. Onde houver uma luta para que os famintos possam comer, estarei lá. Onde houver um policia a espancar uma pessoa, estarei lá. Estarei nos gritos das pessoas que enlouquecem. Estarei nos risos das crianças quando têm fome e as chamam para jantar. E quando as pessoas comerem aquilo que cultivam e viverem nas casas que constroem, também lá estarei.»

Do filme, As Vinhas da Ira | JOHN STEINBECK

Autor: Charles Bukowski

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« Et quand personne ne te réveille le matin. Et quand personne ne t'attend le soir, quand tu peux faire ce que tu veux. Comment appelles-tu cela? Liberté ou solitude ? »

Autor: Charles Bukowski

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“O jornalismo moderno tem uma coisa a seu favor. Ao nos oferecer a opinião dos deseducados, ele mantém-nos em dia com a ignorância da comunidade.”

Oscar Wilde

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"É extraordinário que essa ideia da necessidade de Deus tenha surgido no espírito de um animal tão selvagem e perverso como é o homem." Ivan, o ateu in "Os Irmãos Karamázov". Fyodor Dostoievsky

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Sou Viagem

Apetecia-me ser jovem

mordida por um fogo

e dizer amo-te

com olhar de rosas.

depois, devagar, descer

pelos afluentes do teu rio

como um barco demorado

no cais de embarque

sob um rumor de sol ardido.

mais nada.

Maria Isabel Fidalgo

………………………………………..

Ingrid Bergman

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Amigo
Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também

Em terras
Em todas as fronteiras
Seja bem-vindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também

Aqueles
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte
todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também

Zeca Afonso

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara. José Saramago

Cyd Charisse

Diana Vishneva

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