Timidez | Cecília Meireles, em ‘Viagem’ (1973)

BASTA-ME um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve…

– mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes…

– palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,

– que amargamente inventei.

DESPEDIDA | Cecília Meireles

Por mim, e por vós, e por mais aquilo

que está onde as outras coisas nunca estão,

deixo o mar bravo e o céu tranquilo:

quero solidão.

Meu caminho é sem marcos nem paisagens.

E como o conheces? – me perguntarão.

– Por não ter palavras, por não ter imagens.

Nenhum inimigo e nenhum irmão.

Que procuras? – Tudo. Que desejas? – Nada.

Viajo sozinha com o meu coração.

Não ando perdida, mas desencontrada.

Levo o meu rumo na minha mão.

A memória voou da minha fronte.

Voou meu amor, minha imaginação…

Talvez eu morra antes do horizonte.

Memória, amor e o resto onde estarão?

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.

(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!

Estandarte triste de uma estranha guerra…)

Quero solidão.