Citando Sónia Cravo

Sónia

Lá fora, vibram soluços a lembrar-me o tilintar da minha primeira bicicleta. Eu era tão pequena e ainda tinha o cabelo louro; e ela, tão grande. Roda 26. Um dia, sem travões, caí num monte de estrume. Bosta de vaca. A minha mãe não pôde deixar de rir. Um destes dias acontece uma desgraça e depois quero ver!, dizia. Mas a única desgraça chegou meses depois, quando, em vez duma bicicleta para o meu tamanho, recebi uma máquina de escrever.

(retirado do Facebook)

Citando Sónia Cravo

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Os olhos dela espelham um misto de nervos e humilhação e desordem. É um derrame infinito, é um desejo quase constante de estar noutro lugar qualquer, sinta embora que, nesta vida, há muito a suportar.
É uma vontade imensa de beber, beber também por isto. A governanta, sentada ao seu lado, está em silêncio; arruma a caixa de costura.
– Estou a … – balbucia Lia.
– Vou para o escritório, chama-me quando o jantar estiver pronto – interrompe Custódio, cortando pela raiz o que quer que ela fosse dizer.

Deste Lado do Mar Vermelho, de Sónia Cravo

Este é um livro sobre o medo. O medo da loucura, da normalidade, do segredo, o medo do medo. Neste livro existe um cão que se chama Pide e que é espancado. Este livro não é sobre o medo, é sobre a possibilidade de renascermos. (Acrítico – Leituras dispersas)

 

 

Citando Sónia Cravo

Sónia CravoA instituição que acolhia jovens do sexo masculino em situações transitórias estava em obras. Na horta, entre alfaces e couves, um jovem com uma enxada ao ombro, apontada para a terra. A sua expressão de estátua impressionou o homem. Hirto e quieto como um espantalho. Não se via mais ninguém. Durante a conversa com o director, Custódio sentiu a imagem do jovem a rodeá-lo, qual milhafre a voar em círculos largos na sua cabeça. Quando saiu, o espectro reapareceu na horta a dormir em pé, exactamente no mesmo sítio. Custódio fixou-o, olhou-o intensamente, mas não lhe percebeu qualquer reacção. Que fazia ali aquele rapaz?

– Anda a caçar toupeiras. Vai para ali ao nascer do sol e fica assim, diz que não se pode mexer, que elas sentem as vibrações. É ele quem cuida da horta. É um bom rapaz, fino e trabalhador.

Deste Lado do Mar Vermelho, de Sónia Cravo, Estampa.

Na escrita da Sónia Cravo somos surpreendidos por personagens insólitos, saídos de um lugar escuso da sua imaginação, tão sólidos que nos parecem sempre ter existido, como se revíssemos neles algo familiar.

Sónia Cravo nasceu em 1977, em Espanha, de pais portugueses. Era criança quando a família regressou a Portugal. Em 2011, o livro Na Senda da Memória assinalou a sua estreia literária.
Divide o tempo entre Aveiro e um pequeno lugar nos arredores, onde cava terra com o mesmo prazer com que escreve.

Leia mais sobre Deste Lado do Mar Vermelho no Acrítico – Leituras dispersas.

Deste lado do mar vermelho by Sónia Cravo

imagesNa terra do Além-Cá não existem egípcios. Este é um livro sobre o medo. O medo da loucura, da normalidade, do segredo, o medo do medo. Neste livro existe um cão que se chama Pide e é espancado. Este livro não é sobre o medo, é sobre a possibilidade de renascermos.

Neste lado do mar vermelho apenas conhecíamos um rio. Eram verdes as suas margens.

Comecei a ler este livro da Sónia Cravo. Não sei se tomei fôlego logo no início, se me acometi de uma urgência, só sei que parei na última letra.

António Ganhão