Citando Sónia Cravo

Sónia CravoA instituição que acolhia jovens do sexo masculino em situações transitórias estava em obras. Na horta, entre alfaces e couves, um jovem com uma enxada ao ombro, apontada para a terra. A sua expressão de estátua impressionou o homem. Hirto e quieto como um espantalho. Não se via mais ninguém. Durante a conversa com o director, Custódio sentiu a imagem do jovem a rodeá-lo, qual milhafre a voar em círculos largos na sua cabeça. Quando saiu, o espectro reapareceu na horta a dormir em pé, exactamente no mesmo sítio. Custódio fixou-o, olhou-o intensamente, mas não lhe percebeu qualquer reacção. Que fazia ali aquele rapaz?

– Anda a caçar toupeiras. Vai para ali ao nascer do sol e fica assim, diz que não se pode mexer, que elas sentem as vibrações. É ele quem cuida da horta. É um bom rapaz, fino e trabalhador.

Deste Lado do Mar Vermelho, de Sónia Cravo, Estampa.

Na escrita da Sónia Cravo somos surpreendidos por personagens insólitos, saídos de um lugar escuso da sua imaginação, tão sólidos que nos parecem sempre ter existido, como se revíssemos neles algo familiar.

Sónia Cravo nasceu em 1977, em Espanha, de pais portugueses. Era criança quando a família regressou a Portugal. Em 2011, o livro Na Senda da Memória assinalou a sua estreia literária.
Divide o tempo entre Aveiro e um pequeno lugar nos arredores, onde cava terra com o mesmo prazer com que escreve.

Leia mais sobre Deste Lado do Mar Vermelho no Acrítico – Leituras dispersas.

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