Marginal, de Cristina Carvalho

marginalUma miúda desce à rua para se dirigir à estação de metro. É a rua onde mora. Desce os dez degraus de pedra entre a porta do seu prédio e o empedrado do passeio. “Não ia com pressa.” Tal como este relato.

Numa paisagem urbana que lhe é familiar, a de todos os dias, a que conhece daquele percurso, demora-se a menina atenta a todos os pormenores, as ervas entre o empedrado, ali uma bolinha, umas folhas, é o seu olhar introduzindo mistérios na monotonia do seu dia.

No percurso do seu olhar uma mancha negra, uma mancha negra que se estende, que se prende à sua atenção. É então que, como num flashback, a menina inicia o processo inverso, o caminho de regresso a casa. Sobe os dez degraus de pedra entre o empedrado do passeio e a porta do seu prédio. Apanha um saco de plástico. Faz o percurso até à sua descoberta, apanha algo e volta novamente a casa. O ritmo acelera, sobe a escada, entra em casa, vai ao quarto. Momentos soletrados, sendo cada um deles uma fotografia, uma rápida sucessão de fotografias.

As nossas memórias são assim. Momentos de emoção, momentos guardados em fotografias. Podemos passá-las mais depressa ou mais lentamente. O seu mistério dita-nos o ritmo.

Uma miúda desce à rua para se dirigir à estação de metro. Não ia com pressa. Tal como eu, ainda nas primeiras páginas deste Marginal da Cristina Carvalho; desço sobre as suas páginas, leio-as sem pressa, prendo-me aos pormenores, uma erva aqui, uma bola ali, encho de mistério a minha vida.

Ler este livro tornou-se uma necessidade.

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