Insónia | Álvaro de Campos

Insónia

Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.

Espera-me uma insónia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.

Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!

Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.

Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos…
Tantos versos…
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!

Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstracção de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê…

Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo excepto no poder dormir!

Ó madrugada, tardas tanto… Vem…
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta…
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.

Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!

Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada…
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.

Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.
Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exactamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exactamente. Mas não durmo.

Álvaro de Campos, in “Poemas”
Heterónimo de Fernando Pessoa

Alípio de Freitas | copiado de Carlos Matos Gomes in Facebook

Alípio de Freitas

Alípio de Freitas

Hoje faz anos um Homem. Alípio de Freitas está, obviamente deslocado nesta época de meninos bem comportados. Tive a oportuidade de o conhecer e de aprender a respeitar. Deixar aqui a lembrança do seu aninersário, para dizer que há e houve homens como este, constitui a minha homenagem e a minha prova de otimismo. Quem era Alípio de Freitas?
Alípio de Freitas ou Padre Alípio de Freitas nasceu em Fevereiro de 1929 e cresceu em Vinhais (Bragança, Trás-os-Montes). Foi padre em Portugal e revolucionário no Brasil.
Em 1957 aceitou um convite do arcebispo de Maranhão para viver no Brasil, onde deu aulas na universidade. Num subúrbio miserável de São Luís do Maranhão, fundou uma paróquia, uma escola, um posto médico. De início não celebrava missa, nem tão-pouco ia à missa, e depois quando o fez (em atenção ao arcebispo), era em Português, no que antecipava o Concílio Vaticano II. Em 1962 foi a Moscovo, ao Congresso Mundial da Paz, onde privou com Pablo Neruda, a Pasionaria e Kruchtchev. Regressou ao Brasil e rompeu com a hierarquia da Igreja. Apoiou a candidatura de Miguel Arraes ao governo de Pernambuco, o que lhe valeu ser raptado pelo exército e detido durante 40 dias. Naturalizou-se brasileiro, foi para o Rio de Janeiro, viveu nas favelas, e ajudou a fundar as Ligas Camponesas, um movimento radical que entre outras iniciativas organizava ocupações de terras.
Na sequência do golpe militar de 1964, pediu asilo político no México, depois recebeu treino político-militar em Cuba, regressando clandestinamente ao Brasil em 1966. A partir daí percorreu o país de ponta a ponta, promovendo o movimento camponês. Em Maio de 1970 foi preso, sujeito à tortura do sono durante 30 dias. Saiu da prisão em 1979, como apátrida. Em 1981 foi viver para Moçambique, num projecto com camponeses. O álbum de José Afonso Com as Minhas Tamanquinhas inclui uma canção-homenagem com o nome Alípio de Freitas. Uma das suas frases: “Trabalhadores, ontem vos ensinei a rezar e hoje aqui estou para ensiná-los a pegar em armas e lutar”.
Nos anos 80 regressou a Portugal, entrando para a RTP até 1994, realizando com Mário Zambujal, Carlos Pinto Coelho e José Nuno Martins o programa Fim de Semana. Está ligado ao Tribunal Mundial sobre o Iraque, assim como a diversos movimentos sociais e associações cívicas, nomeadamente o Fórum Social Mundial.

Carlos Matos Gomes in Facebook

Henri Cartier-Bresson

Henri Cartier-Bresson (Chanteloup-en-Brie22 de agosto de 1908 — Montjustin2 de agosto de 2004) foi um fotógrafo do século XX, considerado por muitos como o pai do fotojornalismo.

Cartier-Bresson era filho de pais de uma classe média (família de industriais têxteis), relativamente abastada. Quando criança, ganhou uma câmera fotográfica Box Brownie, com a qual produziu inúmeros instantâneos. Sua obsessão pelas imagens levou-o a testar uma câmera de filme 35mm. Além disto, Bresson também pintava e foi para Paris estudar artes em um estúdio.

Em 1931, aos 22 anos, Cartier-Bresson viajou à África, onde passou um ano como caçador. Porém, uma doença tropical obrigou-o a retornar à França. Foi neste período, durante uma viagem a Marselha, que ele descobriu verdadeiramente a fotografia, inspirado por uma fotografia do húngaroMartin Munkacsi, publicada na revista Photographies (1931), mostrando três rapazes negros a correr em direção ao mar, no Congo.

Quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial, Bresson serviu o exército francês. Durante a invasão alemã, Bresson foi capturado e levado para um campo de prisioneiros de guerra. Tentou por duas vezes escapar e somente na terceira obteve sucesso. Juntou-se à Resistência Francesa em sua guerrilha pela liberdade.

Quando a paz se restabeleceu, Cartier-Bresson, em 1947, fundou a agência fotográfica Magnum junto com Bill VandivertRobert Capa,George Rodger e David Seymour “Chim”. Começou também o período de desenvolvimento sofisticado de seu trabalho.

Revistas como a LifeVogue e Harper’s Bazaar contrataram-no para viajar pelo mundo e registrar imagens únicas. Da Europa aosEstados Unidos da América, da Índia à China, Bresson dava o seu ponto de vista especialíssimo.

Tornou-se também o primeiro fotógrafo da Europa Ocidental a registrar a vida na União Soviética de maneira livre. Fotografou os últimos dias de Gandhi e os eunucos imperiais chineses, logo após a Revolução Cultural.

Na década de 1950, vários livros com seus trabalhos foram lançados, sendo o mais importante deles “Images à la Sauvette”, publicado em inglês sob o título “The Decisive Moment” (1952). Em 1960, uma megaexposição com quatrocentos trabalhos rodou os Estados Unidos em uma homenagem ao nome forte da fotografia.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Henri_Cartier-Bresson … (FONTE)

A primeira câmera Leica de Henri Cartier-Bresson

A primeira câmera Leica de Henri Cartier-Bresson

Citando Baptista Bastos

“A distanciação é uma obscenidade que me põe fora de mim! Como se o jornalista não tivesse nada a ver com aquilo que está a escrever! Então, o jornalista é uma caneta? O jornalista é um microfone? O jornalismo é aproximação. O jornalismo é até amizade!
Depois, temos uma escola anglo-saxónica que fez um certo êxito junto daqueles que não têm criatividade, que esquecem que, quando se olha, já se começa a seleccionar e que, quando se escreve, se selecciona ainda mais. As próprias palavras escolhidas são diferentes de umas pessoas para as outras. O olhar é selectivo, como os sentimentos, como as emoções, como a memória. Tudo é selectivo na condição humana. Além disso, quando se começa a olhar, começa-se logo a interpretar.
Fala-se na imparcialidade e na neutralidade… Não há jornalismo neutro – o jornalismo é o lado humano das coisas. E expliquem-me como é que um locutor de futebol pode ser imparcial. Não pode! A emoção que transparece quando ele relata é a que passa para os ouvintes.
Expliquem-me como é possível afastarmo-nos. Então um tipo vê uma desgraça, escreve um artigo e depois vai beber um uísque? Não me venham com essa conversa. Eu sei que há pessoas assim, mas essas não deixam marca no jornalismo.”

Baptista Bastos in Jornalismo & Jornalistas