EXTINÇÃO do Acto Fundador Otan-Rússia, assinado em 27 de maio de 1997 | Guerra da Ucrânia expõe reversão de caminho que acordo entre Rússia e Otan desenhou há 25 anos. Pacto eliminou vestígios da Guerra Fria e mirava aproximação de Moscovo e Ocidente, mas foi sepultado.

Renan Marra | SÃO PAULO

Os então presidentes Bill Clinton e Boris Ieltsin, de EUA e Rússia, em reunião sobre a Otan em Helsinque, na Finlândia – Alexander Tchumitchev – 21.mar.1997/TASS/Reuters

“A Otan vai trabalhar junto com a Rússia, não contra ela”, disse Clinton.

“São novos tempos”, declarava Bill Clinton, então presidente dos Estados Unidos, no dia da assinatura do primeiro acordo de cooperação econômica e militar depois da Guerra Fria entre a Rússia e a Otan, hoje em lados opostos na Guerra da Ucrânia.

O pacto, à época inesperado, foi chamado de Acto Fundador Otan-Rússia e assinado em 27 de maio de 1997, há 25 anos, eliminando formalmente os últimos vestígios da Guerra Fria oito anos depois da queda do Muro de Berlim.

Boris Ieltsin, na Presidência da Rússia, celebrou a aproximação com o Ocidente declarando que os mísseis nucleares de seu país —hoje trazidos à baila por figuras do regime de Vladimir Putin— não estariam mais direcionados para alvos de membros da Otan. A aliança militar liderada pelos EUA, por outro lado, comprometia-se a consultar Moscou na tomada de decisões e a não deslocar um grande contingente militar e armamentos nucleares para as fronteiras russas.

“A Otan vai trabalhar junto com a Rússia, não contra ela”, disse Clinton sobre o acordo, em termos que hoje, à luz de declarações de Putin, soam deslocados. Anos antes, a aliança militar também teria se comprometido a não interferir no poderio nuclear russo nem se expandir para o Leste Europeu, onde estão ex-repúblicas soviéticas.

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Jean-Luc Godard commente l’intervention de Zelensky à Cannes | par Silvia Cattori

par Silvia Cattori.

Être ukrainien ne devrait pas autoriser la négation de la culture russe. Nous avons été choqués par l’intolérance sectaire des représentants du cinéma ukrainien exigeant l’exclusion de toute personnalité russe du festival de Cannes et s’opposant à la présence du réalisateur russe Kirill Serebrennikov en compétition. 

Seul le coup de gueule de Jean-Luc Godard s’est élevé face à ces vents mauvais :

« L’intervention de Zelensky au festival cannois va de soi si vous regardez ça sous l’angle de ce qu’on appelle « la mise en scène » : un mauvais acteur, un comédien professionnel, sous l’œil d’autres professionnels de leurs propres professions.

Je crois que j’avais dû dire quelque chose dans ce sens il y a longtemps. Il aura donc fallu la mise en scène d’une énième guerre mondiale et la menace d’une autre catastrophe pour qu’on sache que Cannes est un outil de propagande comme un autre. Ils propagent l’esthétique occidentale, quoi…

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Pasolini e o sagrado | Abílio Hernandez

Sou ateu, disse Pasolini, mas a minha relação com as coisas está cheia de mistério e de sagrado. Nada para mim é natural, nem sequer a natureza.

Para Pier Paolo, o sagrado não é um conceito religioso, uma fuga ao presente ou uma fixação nostálgica no passado. É uma transcendência sem o divino, um mistério, uma alteridade incondicional e irredutível. Pertence ao domínio do sonho e da utopia, mas mantém uma relação intensa, simultaneamente distante e familiar, com a realidade quotidiana.

O sagrado representa para ele tudo o que foi sendo destruído por um poder que privilegia o fetichismo dos bens materiais, a uniformização dos costumes e do pensamento, a mercantilização do viver. É a diversidade, são as diferenças étnicas, os dialetos destruídos pela língua hegemónica, as tradições ancestrais, o instinto, a afirmação do corpo, a sexualidade plena. São todas as formas alternativas de liberdade. Nele reside o que em cada um de nós é inviolável, inapropriável pela realidade quotidiana.

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O humanismo ocidental é decente? | Pedro Tadeu | in Diário de Notícias

Por ser um bom cidadão do mundo ocidental condeno a invasão russa da Ucrânia, participo em manifestações contra Putin, choro os mortos de Kiev, comovo-me com o drama dos refugiados ucranianos, sou solidário com as vítimas da brutalidade russa e recuso comprar produtos russos. E faço-o com convicção.

Mas isto não chega, isto é humanismo genérico, serve para qualquer um em qualquer parte do mundo – o humanismo ocidental é especial, o humanismo ocidental é único, o humanismo ocidental é original, o humanismo ocidental exige mais de mim…

O humanismo ocidental é seletivo: ignorou os 12 mil haitianos enviados pelos Estados Unidos para a prisão de Guantánamo e a invasão do país em 1994; ignorou a instigação e a participação da NATO nas guerras da Jugoslávia e os seus 150 mil mortos; ignorou as duas Guerras do Golfo, a mentira que desculpou uma delas e os 100 mil mortos diretos que os combates provocaram; ignorou mais 100 mil mortos que o Iraque “protegido” pela coligação internacional lá instalada provocou; ignorou a presença norte-americana durante 20 anos no Afeganistão e os 65 mil mortes que ali ocorreram; ignorou os envolvimentos, desde 2001, diretos ou indiretos, de forças ocidentais na Síria (estimam-se 400 mil mortes); ignora o que se passa na Somália e no Iémen; ignora a ocupação da Palestina por Israel e, nos últimos anos, os 21 500 mortos desse conflito.

O humanismo ocidental tem coração mole para um lado e coração de pedra para o outro. As guerras espalhadas pelo mundo com envolvimento do Ocidente somam, em 30 anos, quase um milhão de mortos, a grande maioria civis, mas o bom cidadão ocidental não chora por eles.

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