“Falar-se-á muito de Adriano Moreira, e é justo” | por Carlos Matos Gomes

Falar-se-á muito de Adriano Moreira, e é justo. Ele é uma das grandes personagens da história de Portugal do século XX e um dos grandes pensadores portugueses, além de ter sido político e interventor social. Uma personalidade marcante. Ouvi-o a primeira vez em 1964, havia deixado de ser Ministro do Ultramar e proferiu uma conferência para os cadetes da Academia Militar, que me marcou por ser uma “análise” e não apenas uma opinião, ou um sermão. Eu deixara de acreditar em sermões e em opiniões. Ou me convenciam com argumentos racionais, ou eu procurava-os. Deixara de ser religioso no sentido de acreditar em deuses e salvadores, até mesmo em heróis.

Hoje a homenagem que entendo prestar a Adriano Moreira é transcrever um seu pensamento expresso no livro Ciência Política, da Almedina, de 1993, que se adapta à situação atual, claramente a da violação do principio da existência de uma hierarquia nos Estados, como AM, definiu: Superpotências, grandes, médias e pequenas potências consoante o seu poder e o seu grau de dependência. De espaços de influência, reunidos em “Grandes Espaços” e, por fim o conceito de interdependência, ou de soberania limitada, ou partilhada.

” O conceito e a realidade do Estado soberano que dominou a vida internacional até ao fim da II Guerra Mundial tem vindo a ser substituído pelas interdependências e dependência mundiais que se vão consolidando e onde o mundialismo se firma como “modelo observante da realidade observada”.

Aos olhos do Estado, o cenário passou a ser considerado segundo a perspectiva de “aldeia global” entendida como mundialização dos comportamentos ecológicos, económicos, políticos naquilo que alguns quiseram chamar “fim da História” e que generalizadamente é considerada a democracia avançada, por mais incertos que sejam os pressupostos organizativos.

Além disso, a ideia de Estado-Nação, na acepção teórica de Silverman, nunca foi com frequência um paradigma da organização da vida humana. Parece-nos claro que a crise do Estado está essencialmente ligada a uma nova conjuntura que põe em causa as áreas de intervenção do “grande Leviatã” preconizado por Hobbes e que até aí, detinha total acção nos mais variados quadrantes”.

Adriano Moreira procurou um caminho de modernidade e de esperança. Viveu a sua época e ajudou-nos a viver.

Carlos Matos Gomes in Facebook 23-10-2022

Resposta de Matos Gomes a um comentário “provocador”, no seu texto colocado no Facebook :

Carlos Matos Gomes

“Apenas um pormenor, que nada altera as apreciações que cada um entenda fazer. Adriano Moreira também passou pelas masmorras do Estado Novo. Esteve uns meses preso no Aljube por ser defensor da mulher do general Godinho, implicado na abrilada de 1947.

Morreu Adriano Moreira, um transmontano sem ressentimentos | in DN 23/10/2022

Académico, político e mestre, Adriano Moreira sempre colocou “os interesses do país acima das discordâncias” pessoais e manteve as amizades antifascistas mesmo sendo ministro de Salazar, que o via como uma figura da esquerda moderada.

Adriano Moreira, um democrata-cristão que se tornou praticamente consensual como mestre de muitas gerações após passar de opositor do Estado Novo a ministro de Salazar e presidente de um partido democrático, morreu este domingo com 100 anos. Foi colunista do DN durante vários anos.

Professor catedrático e estudioso de política internacional, sobre a qual escreveu inúmeros artigos nos muitos anos como colunista do Diário de Notícias, era presidente honorário da Sociedade de Geografia e da Academia de Ciências (onde agora dirigia o Instituto de Altos Estudos). Vice-presidente da Assembleia da República (1991-95), doutor honoris causa por diversas universidades portuguesas e estrangeiras, escreveu numerosas obras nas áreas do Direito, da Ciência Política ou das Relações Internacionais, presidiu ao Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior (de 1998 a 2007) e ao Conselho Geral da Universidade Técnica de Lisboa, entre muitos outros cargos ligados à academia.

Continuar a ler

A EUROPA SE PERDE EM UM MOMENTO EM QUE OS IMPÉRIOS ESTÃO SE REAGRUPANDO | por Antonio Cunha Justo

15 de outubro de 2022

Tempos de crise global favorecem grupos globais oportunistas

Antonio Cunha Justo
Para sobreviver, o homem precisa de um habitat natural, instituições e organizações sociais com ideologias ou doutrinas estáveis que lhe dêem uma coerência interior que lhe permita identidade e identificação…
Impérios e civilizações emergiram de famílias, tribos, povos/nações. Considerando que os impérios costumavam ser determinados pelos interesses internos das nações, hoje estão organizados em torno de núcleos econômicos e ideológicos regionais…
Enquanto as relações humanas empáticas prevaleceram nas primeiras organizações, as relações funcionais (não empáticas) dominam ao nível dos conglomerados (por exemplo, ONU, OTAN/EUA, Federação Russa, China e UE).
Os superpoderes são perigosos uns para os outros, os outros são forçados a segui-los e conversar com as informações que fornecem. Estamos em um tempo que requer atenção especial a tudo, um tempo de guerras híbridas em que a propaganda e a contra-propaganda, a desinformação e a corrupção dominam, o que dificulta a avaliação da situação, pois o cidadão é, acima de tudo, resultado de informações; de informações de uma realidade puramente virtual.

Continuar a ler