AS MONTANHAS | António Galopim de Carvalho

Um dos problemas que, durante mais tempo, intrigou filósofos, naturalistas e, mais tarde, geólogos, foi, sem dúvida, a formação das montanhas. O árabe Avicena, no século X, afirmava que um tremor de terra elevava o solo, podendo criar uma montanha. Dois séculos mais tarde, Alberto, o Grande, admitia que o calor libertado pelo interior da Terra erguia o relevo, fazendo nascer as montanhas. No século XV, Leonardo da Vinci afirmava que os fósseis encontrados nas montanhas eram restos de seres vivos depositados no fundo do mar, no que foi corroborado, dois séculos depois, pelo dinamarquês Nicolau Steno, dando, assim, corpo a uma ideia vinda da Antiguidade. Com efeito, para o geógrafo grego, Estrabão (63 a.C. – 24 d.C.) e numa notável antecipação, a existência de conchas marinhas, nas camadas rochosas das montanhas, eram prova da formação destas a partir da elevação de materiais acumulados no mar. Parecia, pois, evidente, que as montanhas eram porções da crosta terrestre soerguidas muito acima da superfície geral do planeta.

Que forças colossais poderiam ter elevado tão extensas e volumosas porções de crosta? Era a pergunta que não tinha e, durante muito tempo, não teve resposta. Uma outra interrogação, à época, era suscitada pela ocorrência de camadas de rochas, que se sabia serem rígidas, mas que se apresentavam intensamente dobradas, testemunhando uma plasticidade que, aparentemente, não têm.

Foram diversas as teorias que tentaram explicar as causas destes enrugamentos e das forças misteriosas a eles associadas.

No século XVII, Descartes explicava a formação das montanhas como uma consequência do arrefecimento da Terra, uma ideia retomada por Laplace, um século mais tarde. Nesta hipótese admitia-se que, inicialmente formada por rochas em fusão, a Terra, ao arrefecer, teria formado uma crosta sólida. Na continuação do seu arrefecimento, o globo terrestre teria reduzido o volume e, portanto, também a sua superfície. Tal diminuição implicaria, necessariamente, o enrugamento da crosta. Podemos visualizar esta concepção, numa maçã cuja pele engelha devido à redução de volume, em resultado da secagem do fruto. Esta hipótese, particularmente aceitável, era ainda defendida pela generalidade dos geólogos dos finais do século XIX.

Em começos do século XX, a Teoria das Translações Continentais, de Wegener, trouxe uma nova explicação para a génese das montanhas. Segundo esta concepção, que mobilizou a comunidade científica, com apoiantes e opositores, os continentes ocupam actualmente uma posição diferente da que ocuparam no passado e que, na respectiva translação, iam empurrando e levando à sua frente os sedimentos depositados no mar, enrugando-os, edificando, assim, as montanhas. Por exemplo, a cordilheira dos Andes, que margina, a oeste, o continente sul-americano, parece coadunar-se a este modelo, concebido para uma deriva de Este para Oeste. Incapaz de explicar as forças responsáveis por um tal dinamismo, esta engenhosa teoria acabou por ser abandonada, mas deixou uma semente particularmente frutuosa.

Meio século depois, a Teoria da Tectónica de Placas não só encontrou explicação para a deriva dos continentes, mas também para a génese das montanhas relacionando-a com a aproximação ou a colisão de dois continentes. É o que se passa com os Andes, as Montanhas Rochosas, os Alpes e os Himalaias. Estas montanhas constituem zonas instáveis, marcadas por intensa sismicidade, essencialmente formadas por faixas de crosta jovem, com idades inferiores a 50 milhões de anos. Inicialmente horizontais, como é regra da sedimentação, as camadas desta crosta jovem encontram-se profusamente pregueadas pela compressão actuante nessas faixas.

São conhecidas em todos os continentes várias cadeias montanhosas antigas, escalonadas no tempo. Uma delas, que nos interessa particularmente, datada de há mais de 300 Ma, estende-se pela Alemanha, França, sul de Inglaterra, de onde inflecte para a Península Ibérica e Marrocos. Um ramo desta cadeia está hoje do outro lado do Atlântico, fazendo parte dos Montes Apalaches. Todo o interior de Portugal, à semelhança do de Espanha, é formado por rochas que integraram essa cadeia, cujo relevo já está muito reduzido pela acção erosiva ao longo do tempo que se lhe seguiu.

Ainda mais antigas, as cadeias orogénicas anteriores ao Paleozóico encontram-se total ou quase totalmente arrasadas pela erosão, constituindo os escudos rígidos dos continentes, no geral planálticos. São estas cadeias antigas, esventradas e de há muito estabilizadas, que possibilitaram a exposição, à superfície, de rochas geradas em profundidade no decurso da respectiva formação. Foram estas antigas montanhas que permitiram aos geólogos compreender a transformação das rochas sedimentares em metamórficas, a deformação plástica (dúctil) de rochas que se comportam, à superfície, como materiais rígidos e quebradiços e, ainda, o magmatismo profundo e a correspondente formação dos granitos. Uma tal exposição à superfície dificilmente acontece nas montanhas recentes, demasiado jovens para revelarem o que guardam nas suas entranhas.

A uma cadeia de montanhas correspondeu, anteriormente a ela e durante muitos milhões de anos (250, em média), um oceano, que se encheu de sedimentos, oriundos das terras emersas adjacentes, e cujas espessuras ultrapassaram, frequentemente os 10Km. Estas bacias eram mais largas do que a cadeia a que deram origem, por compressão lateral. A fase de enrugamento, que se segue à fase de afundamento e acumulação sedimentar, é relativamente mais curta, não ultrapassando, em média, os 50 milhões de anos. O Mediterrâneo é exemplo de um oceano residual entre dois continentes que se aproximam, a África e a Eurásia. O fecho desta bacia continua a elevar os Alpes e conduzirá a uma cadeia montanhosa de colisão continental como é a dos Himalaias, formada na sequência do choque do subcontinente indiano com a Ásia, iniciado há cerca de 40 milhões de anos.

Retirado do Facebook | Mural de Carlos Fino

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